Naquele dia, no Bairro do Equilíbrio, era uma manhã linda, estavam as pessoas em seus diferentes misteres, quando, na esquinas entre a Rua dos Originários e a Rua dos Que Não Conhecemos, o Sr. Jorreba Aquilave, pacato pequeno empresário da pecuária, em cima de um estrado improvisado, lenço vermelho ao peito, camisete vermelha com os dizeres "Partido da Renovação Originária", começou numa arengação jamais vista no bairro, enquanto o seu pequeno corpo ficava inchado de repente. Foi assim a primeira parte:"Meus irmãos, todos vocês me conhecem e sabem que sou da tribo dos Aquilaves. Foram os Aquilaves quem primeiro chegou aqui e trouxe bois, chegámos de lá, da terra Aqui Há Riqueza. Antes de nós chegarmos, ninguém aqui sabia o que era carne de boi, leite de vaca, quejo de leite. Aqui era só terra e costumes de selvagens. Aqui chegámos - fez lentamente circular a mão direita pelo horizonte -, aqui chegaram outros da nossa raça dos vermelhos, da nossa raça de apstores. Aqui temos o nosso gado, esta terra é nossa desde os tempos, este bairro tem a nossa marca, tem o nosso sangue. Irmãos, somos Originários aqui. Mas agora, Irmãos, tenho ouvido dizer que anda gente aí dos Segundos-Chegados a dizer que também é daqui, que também tem direito de ser Originários. Vejam só! Quem são esses Segundos-Chegados, esse gente pequenina que fala língua de quizumba, que não sabe ler nem usar sapato nem sabe o que é ferro de engomar, que anda de bicicleta sem câmara-de-ar, essa gente que não sabe comer na mesa, essa gente que provoca trovoadas e que enche o bairro de feitiço estrangeiro e que anda nos chatear com suas mandiocas e seus milhos entrando nas nossas terras de pasto? Quem são esses chingondos? Esses chingondos, Irmãos, são gente para nos provocar, nos causar doenças. Sim, são vermelhos como nós, mas são vermelhos inferiores, vermelhos estrangeiros, vermelhos atrasados. E têm esses outros aí, esses Vive-nas-Fronteiras, esses castanhos que só conhecem a cor do dinheiro e só casam entre eles! E têm esses azuis, essa gente que colonizou todo o mundo durante mil anos! Por isso Irmãos Originários, só há uma solução para haver paz e riqueza para todos no nosso bairro, essa solução é que só eu posso ser o presidente do Bairro, com o meu partido, o glorioso Partido da Renovação Originária. Não há outra solução. E vocês que não são vermelhos, vocês Segundos-Chegados, vocês castanhos Vive-nas-Fronteiras e vocês azuis Empobrecidos, mais vocês da cor que não se sabe qual é nem azeite nem vinagre ninguém sabe nem Deus, vocês todos precisam confiar-me pois se me confiarem vocês serão recompensados".
De repente outras coisas inauditas aconteceram ali, no Bairro do Equilíbrio, onde havia já uma multidão, espanto na boca, desorbitação nos olhos, que foi chegando por ondas sucessivas. Uma mulher, lenço vermelho e uma camisete estampada com os dizeres "Frente da Mulher Originária", levou um copo de água ao orador, enquanto um homem, também de lenço vermelho e camisete estampada com os agora conhecidos dizeres "Partido da Renovação Originária", abriu um enorme guarda-sol vermelho e foi proteger a cabeça careca do Sr. Aquilave do sol inclemente que se fazia sentir. Mas não só: buzinando sem parar, chegou um jipe militar em grande velocidade, com quatro homens enormes, de camuflado vermelho e armados de metralhadoras, o jipe parou bruscamente levantando uma enorme nuvem de poeira, três dos homens saíram e colocaram-se em pontos estratégicos em redor do orador, caras patibundas, olhando suspeitosamente todos os presentes.
Nota: a qualquer momento posso modificar algo aqui. Se isso suceder, assinalarei com uma cor distinta no texto a modificação ou o acréscimo.