31 dezembro 2006

Último post-2006 com Bertolt Brecht


DE QUE SERVE A BONDADE

1
De que serve a bondade
Se os bons são imediatamente liquidados, ou são liquidados
Aqueles para os quais eles são bons?
De que serve a liberdade
Se os livres têm que viver entre os não-livres?
De que serve a razão
Se somente a desrazão consegue o alimento de que todos necessitam?

2
Em vez de serem apenas bons, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne possível a bondade
Ou melhor: que a torne supérflua!
Em vez de serem apenas livres, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que liberte a todos
E também o amor à liberdade
Torne supérfluo!
Em vez de serem apenas razoáveis, esforcem-se
Para criar um estado de coisas que torne a desrazão de um indivíduo
Um mau negócio.

Bertolt Brecht

Energia eléctrica desenrascada

De acordo com o director de distribuição da Electricidade de Moçambique, vinte por cento da energia eléctrica consumida na cidade de Maputo é roubada, provocando um prejuízo mensal superior a 400 mil dólares.
O director afirmou que o roubo tem lugar em quase todos os bairros suburbanos da capital, com extensão de fios térreos normalmente nas traseiras das casas.

Vistas as coisas de um ângulo possivelmente sociológico, aos fracos apenas resta jogar a sua táctica num campo que não é seu: o dos outros. Para eles não se trata, por hipótese, de roubar, mas de desenrascar. É a arte do fraco, nas palavras de Michel de Certeau, dos golpes que se desfecham pela surpresa na ordem dos outros.

30 dezembro 2006

Amplia-se crítica à penhora de bens do grupo SOICO


Os Presidentes da Liga dos Direitos Humanos, do MISA e da Associação Comercial da cidade de Maputo, respectivamente Alice Mabota, Tomás Vieira Mário (fotos acima) e Adriano Buque; o jornalista e presidente do Conselho de Administração da Mediacoop, Fernando Lima; vendedores da Malanga; e representantes dos partidos PDD, Renamo e Ecologista, respectivamente Raúl Domingos, Fernando Mazanga e João Massango, juntam-se aos que criticam a decisão judicial de arrasto de bens do Grupo SOICO, proprietário da estação televisiva STV.
Leia os últimos desenvolvimentos aqui.
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Adenda: leia o excelente trabalho com o título "Quem quer silenciar a STV?", publicado no "Domingo" de hoje (31/12/06), p. 2.

Receita de Ano Novo

Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mude
me seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade

(Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997)

Parecemos um país em guerra

Multiplicaram-se e multiplicam-se os apelos policiais ao civismo neste fim-de-ano. A polícia está visível nas ruas.
E agora um comunicado do obscuro partido Aliança Independente de Moçambique, transcrito pelo "Notícias", apela também ao civismo.
Parecemos um país em guerra, gente de milando, terra de milandeiros.
Que tristeza a minha como cidadão por tanta desconfiança, que alegria a minha como sociólogo desejoso de estudar tanta desconfiança à Big Brother!

Ainda sobre a penhora de bens do grupo SOICO


Para mais pormenores sobre a penhora de bens do Grupo SOICO, ao qual pertence a estação televisiva STV, leia aqui. Leia também o "Notícias" aqui.

29 dezembro 2006

"Querem silenciar-nos!" - locutora da STV há momentos

"Querem silenciar-nos!" - assim afirmou, há momentos, de forma dramática, a locutora de serviço da estação televisiva STV, nos estúdios situados no 10º de um prédio na Avª Eduardo Mondlane, cidade de Maputo, quando iniciava o telejornal das 20 horas. Contou que muitos bens dos estúdios da STV (computadores, por exemplo) foram levados sob penhora, por ordem de um juiz.
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Uma equipa do Grupo SOICO, proprietário da STV, está neste momento (22:14) no ar, falando com os tele-espectadores. Está presente a conhecida e famosa apresentadora, Anabela Adrianoupolos. Entre outras preocupações expostas, está o problema de terem sido levados os discos duros dos computadores, contendo muita informação, parte dela confidencial, segundo Jeremias Langa. A STV afixa o número de telefone 820790490 para quem se quiser solidarizar.

Mãos dadas para 2007


Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considere a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história.
Não direi suspiros ao anoitecer, a paisagem vista na janela.
Não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida.
Não fugirei para ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, o tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

(Carlos Drummond de Andrade)

Renamo: vândala ou não?


O recente comportamento da Renamo na Assembleia da República levou muitos jornalistas e cidadãos a qualificarem-na, uma vez mais, de vândala. Mas essa não é a opinião de João Belmiro, escrevendo no "Canal de Moçambique".
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Os sociólogos ainda não criaram um campo de estudos da vasta panóplia de desqualificadores sociais que o país possui, no caso vertente de desqualificadores políticos.

28 dezembro 2006

Yá-Qub Sibindy: o Fausto do país


Tal como Fausto, desiludido com a ciência, fez um pacto com Mefistófeles, YÁ-Qub Sibindy, presidente do PIMO, da "Oposição Construtiva" e da mediaticamente pomposa Fundação Moçambique contra a Pobreza, desiludiu-se com a oposição e fez um pacto com a Frelimo, o partido que governa o país.
O "Notícias" de hoje (28/12/06) dedica ao trânsfuga da oposição quase toda a página nove, a nove proteicas colunas. Et pour cause.
Leia-se do Sr. Sibindy (um dos mais cotados trajantes de turbantes e de capulanas do país) o glorioso e profundo "plano estratégico" (especialmente isso) no fim de uma entrevista aqui.
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Fotos: Sibindy no "Notícias" e Fausto na "Wikipedia".

27 dezembro 2006

China vai colonizar África? E Moçambique?

Vários autores discutem o papel da China em África, entre os quais Anabela Lemos e Daniel Ribeiro no concernente a Moçambique. Leia, em língua inglesa, aqui.

Renovação interior

O meu colega e escritor Calane da Silva escreveu um manifesto de amor.
Vivemos cada vez mais agarrados às coisas, ao ego, à "mente egóica" - afirmou.
Precisamos, pelo contrário, viver o Ser (itálico do autor), o desapego, o "fluxo energético do Ser".
A "materialidade e a fortuna" não devem sufocar-nos. Podemos ser mais felizes se operarmos a "renovação interior".
O amor é a única e grande religião do mundo - assim termina a crónica de Calane (semanário "meianoite", 26/12/06, p. 4).

26 dezembro 2006

10 mandamentos venais na arte de confusionar o adversário

Seguem-se 10 mandamentos venais na arte de confusionar, de pôr o adversário em dificuldade. Eles foram construídos tendo em conta o espírito cáustico (mas apenas isso, pois as ideias e a estrutura são minhas) de Schopenhauer (recorde a entrada precedente).

(1) SIMULAÇÃO: você convenceu-se de que tudo sabe, de que é um papa do conhecimento e de que os outros estão penosamente no rés-do-chão da sua sabedoria. Mas você, naturalmente, quer mostrar que é humilde, que está no mesmo andar que o adversário. Eis como dirá ou escreverá: "Sabe, devo confessar que desconheço por completo o tema, que para ele, portanto, não tenho respostas. Porém, fazer perguntas é uma forma de chegarmos os dois ao conhecimento. Ora, como você sabe..." Etc.
(2) DIABOLIZAÇÃO: você lida com um adversário que não suporta. Se você é aqui do Sul e ele do Norte, evidentemente que o tem por chingondo; se ele é "branco", evidentemente que você dele faz um "moçambicano não originário" que ignora a cultura africana (ou se você é "branco", achará certamente que ele, "negro", até escreve bem); se ele é indiano, evidentemente que dele faz um ladrão; se é misto, dele fará um ser dúbio, sem pátria, porque, assim acredita você, ele não é nem café nem leite, nem azeite nem vinagre: os seres híbridos o incomodam; se você sabe bem a língua portuguesa mas quer mostrar que é nativo puro, usará termos da sua língua natal para mostrar a pureza original, ao mesmo tempo que fará uma veemente crítica da língua portuguesa colonizadora. Este mandamento tem um estreito laço com o o 8.º.
(3) PROFECIA: pode desnortear o adversário dando-lhe a entender que o conhece bem e que sabe mesmo qual será a sua resposta ao que você analisou ou disse. Então, dirá algo como: "Já sei o que você irá responder, conheço-o bem!".
(4) MISERICÓRDIA: uma forma de colocar o adversário em dificuldade, consiste em mostrar quanta pena ele nos inspira, coisa que, naturalmente, incomoda. "Sabe, o senhor mete-me pena, lamento que possa pensar como está a pensar, a sua competência poderia ser melhor dirigida, na vida precisamos de ser mais prudentes".
(5) AUTORIDADE: existem múltiplas formas de tornar mais sólido, mais divino o que se escreve ou se diz, com um potente lastro de autoridade canónica, por exemplo socorrendo-se de textos religiosos, de afirmações de conhecidas autoridades religiosas ou científicas. "Segundo o versículo.....", "de acordo com L..., em seu livro...." Este mandamento tem estreita ligação com o 9.º.
(6) IRONIA: uma maneira clássica de colocar o adversário em dificuldade consiste em não levar a sério seja o que for que ele diga e escreva, por mais sério que seja. "Sabe, o senhor faz-me rir com todo esse estendal de lugares-comuns!". Ou, então, pode dizer-lhe que aquilo que ele disse ou escreveu é incompreensível, hermético, falso, enfatuado. Em última análise, dir-lhe-a que ele ofende o povo. E lhe fará ver que você, você sim, você vem do Povo, da humildade rural, mesmo que hoje habite um mansão de luxo e tenha quatro 4/4.
(7) COMPLOT: quando o adversário é forte e se sente que as suas ideias são sólidas, uma boa forma de o colocar na defensiva consiste em mostrar que aquilo que ele defende é produto de uma força externa, que ele, adversário, mais não é do que um executor, uma marioneta de uma força absoluta. Isto funciona bem a nível de luta política, tem efeitos dissolventes terríveis.
(8) SUBSTANCIALISMO: um mecanismo eficaz de luta consiste em fazer da vida um conjunto de acções regidas por substâncias inaltáveis, organizadas especialmente pelo presente do indicativo. Ou de provérbios simples. "Sabe, nós os.....somos assim", "Oiça, meu Amigo, não há fogo sem fumo", "Pode crer, quem come uma coisa quer outra", "O comunismo da Frelimo é sempre o mesmo!", "A Renamo foi e é sempre a desordem!", etc.
(9) SANTIDADE: exibir o nosso brazão, os nossos títulos, os nossos atributos nobiliárquicos, profissionais, académicos, a nossa força iconal, tudo isso dá muitas vezes um resultado aparatoso, circense. Quanto mais estranhos e vertidos em língua estrangeira, melhor. Usar expressões latinas (mesmo se fora do contexto; aliás, quanto mais for do contexto melhor), recorrer a anglicismos ("A mulher será tema de um workshop"), tudo isso é vital na luta com o adversário.
(10) PROVOCAÇÃO: o décimo mandamento pode ser o aglutinado de todos os outros, uma espécie de síntese de todos os outros. Pode resumir-se à provocação deliberada do outro, a levá-lo a irritar-se, a sentir úlceras gástricas, a segregar anti-corpos, a sentir-se seriamente ofendido. Bastam apenas alguns motes: "Sabe, o senhor jamais mudará na sua estupidez de convencido!" E tudo pode terminar com uma frase de ouro, sacrossanta, de régulo, do género: "Tenho dito!"
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Pode acontecer que eu reveja este texto. É provisório. Certamente há coisas a corrigir, a melhorar, etc. Vocês ajudam-me?

25 dezembro 2006

Como vencer um adversário sem precisar ter razão

O título pode ser "A arte de ter sempre razão" (Portugal, editora Frenesi) ou pode ser "Como vencer um debate sem precisar ter razão" (Brasil, editora TopBooks).
Um pequeno texto de Arthur Schopenhauer, inacabado, escrito provavelmente em 1830, com 38 estratagemas de como praticar a malandrice intelectual e vencer um adversário. Não importa a verdade, mas a vitória, o prazer carnívoro, sofístico da vitória.
Do género: "Um modo prático de afastar ou de pelo menos colocar sob suspeita uma afirmação do adversário que nos é contrária é submetê-la a uma categoria odiada, ainda que a relação entre elas seja a de uma vaga semelhança ou de total incoerência."
E tantos outros géneros, garanto-vos! Vocês convenceram-se de que sois sábios mas quereis aparentar humildade? Digam que nada sabem, escrevam montes de coisas como se escrevessem para leigos. O adversário é rijo? Faça-no enfurecer e perder as estribeiras. Sentem que o adversário é intelectualmente bom? Digam-lhe que não compreenderam o que ele escreveu. O adversário mete medo? Escrevam algo incompreensível, alardeando uma profundidade esotérica, que ninguém vai compreender. E por aí fora.
Os 38 estratagemas de Schopenhauer podem dar muito resultado na praça (ou dar mais do que já dão), leiam, leiam o livrinho!
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Amanhã escrevo uma receita exemplar dessa arte, vereis. Aguardem por amanhã.

A corrupção vista por Marcelo Mosse

Há indícios de que a corrupção é um ícone crescentemente mal-amado por produtores influentes da palavra oficial e oficiosa. E por isso tenho para mim que vale a pena recordar um texto de 17 páginas escrito por Marcelo Mosse e tornado público há cerca de dois anos. Leia aqui.

Um bom objectivo

É difícil provar que a corrupção entrava o desenvolvimento. Autores há que defendem que corrupção e boa governação não são fundamentais para o desenvolvimento. A corrupção não é a causa do nosso subdesenvolvimento. Na luta por um Moçambique desenvolvido, "a honestidade seria importante, mas não o cavalo de batalha". Acresce que gente há que não sabe o que é corrupção, não identifica "classes e grupos" nela envolvidos e passa a vida a difamar as nossas instituições. E finalmente:
"Queremos com isso dizer que o combate à corrupção, para produzir os efeitos desejados, não deverá ser mais um caso mediático como tantos em Moçambique. Falar de gordos e de enriquecimento rápido não me parece ser o melhor caminho. Até porque ser rico rapidamente e gordo é um bom objectivo. Depois controla-se o peso através de umas voltinhas nos circuitos de manutenção."
Leia aqui o texto todo.

24 dezembro 2006

Era inofensivo o mosquito que Deus criou

Nas palavras de Diniz Sengulane, responsável da Igreja Anglicana em Moçambique, citado pelo "Canal de Moçambique", “o mosquito que Deus criou era inofensivo mas o homem deixou que houvessem charcos, e águas estagnadas dando origem a Malária” (sic) . A alocução foi feita quarta-feira na aldeia de Coca-Missava, província de Gaza, quando do lançamento oficial da «Iniciativa do Presidente dos Estados Unidos (George Bush) contra a Malária em Moçambique». Leia aqui.

Sem comentários.

23 dezembro 2006

As revelações de Cassandra

O ministro da Indústria e Energia, Sr. António Fernando, não só avaliou positivamente a campanha "Made in Mozambique" do seu ministério, como, também, fez a seguintes afirmações ao semanário "O País" (longe de mim acreditar que o jornalista Alfredo Júnior tenha recolhido mal essas afirmações). Ressaltei as partes mais fascinantes:

Nós fazemos uma avaliação positiva, porque olhando para trás vemos que a aderência das pessoas é muito grande. Hoje é comum ver jovens moçambicanos a preferirem música moçambicana; é comum ver crianças a preferirem comida moçambicana; é comum ver essas pessoas a preferirem aquilo que é nosso. Isto encoraja-nos, porque temos a consciência de que por esta via vamos permitir que haja mais compras de produtos nacionais e por consequência, haja mais produção e mais postos de emprego” - leia aqui.

Sem comentários.

22 dezembro 2006

Chupa-sangue

Sobre o tema em epígrafe, leia um pequeno texto de Valerito Pachinuapa, membro da Unidade de Diagnóstico Social, aqui.

Fungulamaso



Com o título em epígrafe, o "Savana" iniciou hoje (22/12/06) a publicação de uma crónica regular minha.

21 dezembro 2006

Transferência


De um blogue muito simples, muito confessional, extraí este texto que considero exemplar, cuja leitura vos recomendo e cuja estrutura mantive na íntegra:

"Vou ser prática...falando em senso comum....como me é característico...o fenômeno da transferência em que vivo - ou seja, das relações de dependência afetiva como as que ocorrem entre pais e filhos....... ou entre terapeuta e paciente.......ou entre professor e aluna - é humanamente universal. Todo indivíduo necessita transferir sua fome de afeto, de estabilidade emocional e psíquica para algo além e acima dele...aparentemente melhor que ele, seja este algo uma ideologia, um governante, um partido, uma família, uma instituição, um cônjuge, uma ciência, enfim, até mesmo um professor que significou muito, qualquer coisa que prometa sobreviver a mim mesma. E é assim que a gente quebra a cara: deposita sua mais profunda esperança, sua mais sincera devoção, a algo tão temporal - logo, mortal - tanto quanto nós mesmos.
Bom...essa vai pra ele....pro meu Transferente e professor:"

O destino dos ovos na luta contra a pobreza absoluta


Ontem, no decorrer da sessão da Assembleia da República, deputados da Renamo-União Eleitoral protestaram contra a aprovação das alterações feitas à legislação eleitoral. Uma das formas de manifestar o desagrado consistiu no arremesso de ovos para a bancada do partido no poder, a Frelimo. A fotografia pertence ao Notícias.
Entretanto, o presidente da Renamo, Afonso Dhlakama, terá pedido ao presidente da República (também presidente da Frelimo) que não aprove a lei eleitoral.
Temos assim uma lei eleitoral aprovada sem consenso. Aguardemos o desenrolar dos acontecimentos, mas é desde já previsível que o conjunto das eleições, a começar no próximo ano, será claramente tumultuoso.
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Preocupação infra-sociológica: de onde terão vindos os ovos? De casa, de um lanche?

20 dezembro 2006

Direito alternativo: nasce blogue bi-nacional

Um novo blogue, bi-nacional, nasceu, com enfoque no direito alternativo, feito pela Yla e por mim. Veja aqui ou no link do lado direito.

19 dezembro 2006

Fenómeno novo: tiroteio "chinês" em Maputo


O interessante não é que, uma vez mais, tenha havido tiroteio na baixa de Maputo, a isso já nos tiroteioámos, o interessante é que o tiroteio tenha sido originado, segundo a lacónica notícia da versão online do "Notícias" de hoje, por uma rixa entre comerciantes chinesas desavindas em negócios de produtos vários. Porém, a versão impressa do diário é mais pormenorizada e afirma que uma das femininas partes desavindas chamou homens chineses que começaram "a distribuir tiros por todo o lado". Uma mulher chinesa morreu com estilhaços de vidro de uma montra ("Notícias" de hoje, 19/12/06, p. 19).
A foto, extraída do "Notícia", mostra a fachada principal do estabelecimento comercial no qual se registou a rixa, na Avenida Fernando Magalhães.

Palavras-pacemakers

Cada vez mais parece que certas palavras se encarregam de ter vida própria, como se fossem seres sobre-humanos, como se fossem gigantescas causas independentes de nós e de relações sociais concretas: pobreza absoluta, corrupção, burocratismo, sida, etc.
Por todo o lado, não importa o nível decisório e o emissor da palavra oficial, surgem esses seres espantosos sem rosto próprio, espíritos maus que importa expurgar simbolicamente não interessando saber exactamente o que são, quem são e por que são.
Transferimos para seres fantásticos, cómodos justamente por serem fantásticos, as consequências de certas práticas sociais cujos processos não interessa ter em conta. A pobreza absoluta, por exemplo, é um mal que podemos eliminar se "todos" nós assumirmos o combate contra ela. A crença politicamente interessada é a de que a pobreza absoluta nada tem a ver com o sistema social que a segrega em permanência, mas com a falta de trabalho e de apego.
É como se, esvaziado por completo o sentido social das coisas e das pessoas que fazem coisas em relações a propósito de coisas que uns têm e outros não, transformássemos essas palavras em eléctrodos politicamente úteis. Melhor, em pacemakers que reequilibram politicamente o ritmo cardíaco da nossa vida social com pequenos choques eléctricos simbólicos, convenientes, verbais, encantadores, silenciosos e anestesiantes.

18 dezembro 2006

Leia sobre Moçambique em língua inglesa

Leia sobre Moçambique em língua inglesa através de três despachos de Joseph Hanlon, jornalista e professor universitário britânico, escrevendo com base na nossa imprensa escrita, aqui, aqui e também aqui.

Desportivo-me!

O Desportivo de Maputo ganhou o campeonato nacional e a Taça de Moçambique em futebol. Uma bela equipa, um excelente Dominguez, um notável trabalho do treinador Uzaras Mahomed. Desportivo-me!
Naturalmente que o Sr. Semedo, treinador do Ferroviário de Maputo, achou que o Desportivo apenas ganhou nos bastidores. Mas eu des-semedoizo-me de semelhante e incurável dor de cotovelo.
Apenas espero que no próximo ano, a minha equipa, o Chingale de Tete, faça melhor, para eu me chingalezar.

Molequismo político


Leia aqui.

16 dezembro 2006

País da marrabenta


Ontem ouvi um dos cds do Sr. Mc Roger (num dos trabalhos desse cd o cantor diz a uma jovem que ele é especial e que entrará com ela no cinema pelo lado VIP), que desliza pelas ruas da cidade em seu carrão de luxo e faz questão de cantar um rap amorfo, "neo-liberal", laudatório, bajulatório ("Patrão!", recordai-vos), feito Michael Jackson de paróquia.
Hoje, curei por completo as minhas úlceras gástricas afectivas motivadas por esse rap, ouvindo o hip hop do Gpro Fam.
Proponho-vos, aos que ainda não ouviram, a escuta do "País da marrabenta".
Um notável documento sociológico que mostra a pobreza multilateral entre os carros de luxo deste país.
Nós, estudantes do social, temos de dedicar mais tempo ao estudo das letras das nossas canções.

N.B. Sabem, tenho saudades das canções de Jeremias Ngwenha, de letras do género "wodja pawa ra nwana (estão a comer o pão da criança). Constou-me que ele abandonou a canção e é agora pregador algures. Alguém me sabe dizer algo a propósito?

15 dezembro 2006

Xtaka Zero: uma extraordinária banda de intervenção social


Acabei de ouvir o último trabalho da banda Xtaka Zero.
Uma banda de excepcional valor, produto de imenso e visível trabalho, um ritmo belo e mestiço, forte e doce, filho do rap, da marrabenta e creio que também da música popular sul-africana(sinta-se a beleza de "Tsundzekela", do arranjo no clássico "Vou morrer assim" e de "Timaka ta chapa"); letras de uma aguda e atenta intervenção social.
Todo o país urbano, com a complexidade dos seus problemas sociais, da pobreza à corrupção a todos os níveis, é passado a pente fino. Oiça-se, em particular, "Skit..Oh...só Ministro", "Greve geral", "txunabeibes", "Topoliça", "Skit...Chapa 100" (absolutamente notável) e "Timaka ta chapa" (um ritmo vigoroso, que se sente bem na alma).
De facto, a vida está "Underground", para usar o título de um dos 19 excelentes trabalhos do Xtaka Zero.

Enfim, um exemplar trabalho...sociológico.

Visitar Maputo em Maputo

Há notícias surpreendentes: por exemplo, o "Notícias" de quarta-feira anunciou em primeira página que o procurador-geral da República iniciava nesse dia uma visita de três dias à Procuradoria da cidade de Maputo (edição de 13/12/06).

País mozalar

O país continua largamente dependente dos megaprojectos de capital estrangeiro, com o alumínio da Mozal bem à cabeça. Inexiste o capital moçambicano de investimento industrial sólido. Em 2005, a agricultura representou apenas "cerca" de 2% nos negócios das 100 maiores empresas do país (suplemento Economia & Negócios do "Notícias" de hoje, última página).
Somos um país exemplar, mozalar, estamos atrelados ao sector de serviços e vivemos felizes com o nosso capitalismo endógeno dumba-nengueiro.

Nada a fazer

"Nasce-se e morre-se. Enriquece-se e empobrece-se. Vida é isto." - eis a decisão irremediável do cronista Paulo António no seu texto "Adversidades" no "Notícias" de hoje.

Os convergentes

Os títulos dos jornais são sempre, para mim, coisas fascinantes. Por exemplo, o "Notícias" online de hoje diz que as bancadas da Assembleia da República, designadamente Frelimo e Renamo-União Eleitoral, estão "divergentes" no tocante ao Plano Económico e Social e ao Orçamento de Estado para 2007.
O "Notícias" é pródigo em desejos nefelibatas desses tipo. Mas não apenas ele.
Creio que o ideal de muitos convergentes seria o de termos um país unisexo, absolutamente despedido (digo bem, despedido) de opiniões diferentes.

12 dezembro 2006

Papéis sociais (1)

O que são papéis sociais? Papéis sociais são actos físicos e verbais através dos quais mantemos ou desfazemos os laços que nos unem a outras pessoas na construção diária da nossa vida.
Fico-me por aqui hoje, nessa vaga definição.
Amanhã devo prosseguir.

Mortalidade infantil em África


A África sub-sariana tem a mais elevada taxa de mortalidade infantil do mundo com 162 mortos em cada 1000. O nosso país tem uma taxa de 145/1000. Leia aqui.
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Com esta fotografia ilustrando a fome no Níger, o canadiano Finbarr O´Reilly, da agência de notícias Reuters, ganhou o prémio World Press Photo 2005.

11 dezembro 2006

Movimentos sociais e linchamentos: uma hipótese analítica


A socióloga Natacha Morais, membro da Unidade de Diagnóstico Social (UDS) do Centro de Estudos Africanos, preparou um texto preliminar com o título em epígrafe, que pode ser importado aqui. Esse texto deverá sofrer alterações e será posteriormente publicado no portal da UDS.

09 dezembro 2006

Aforismos

1. O interessante não é a dominação política, mas a interiorização dessa dominação, a dominação política naturalizada.
2. A isenção nas ciências sociais só tem sentido quando combinada com a militância política contra todas as formas de injustiça social.
3. A sociologia não é um receituário de problemas colocados aos fenómenos, mas uma arte de colocar problemas aos problemas.
4. Quanto mais falamos de problemas, menos tendência temos em estudá-los. O grande problema está em transformar a ciência num estética dos problemas sem o problema de os queremos realmente estudar.
5. O grande problema de muitos sociólogos é a sua presunção cardinalícia e iluminada de que existe algo como a "sociologia" estrangeira ao que ele, sociólogo, "dela" faz. Quando encontramos alguém que diga algo como "numa visão sociológica (...), as coisas vistas pelos prisma da sociologia (...), a sociologia ensina-nos que (...)", devemos imediatamente ser, vá lá, sociólogos.
6. Quanto mais flagrante é a desigualdade social, mais tendência têm os fast thinkers para exigir a neutralidade científica.

Linchamentos analisados por sociólogo brasileiro

O sociólogo brasileiro José de Souza Martins tem um texto interessante sobre linchamentos.

É o linchamento uma manifestação de desordem? Resposta dele: "O linchamento não é uma manifestação de desordem, mas de questionamento da desordem. Ao mesmo tempo, é questionamento do poder e das instituições que, justamente em nome da impessoalidade da lei, deveriam assegurar a manutenção dos valores e dos códigos."

É fácil encontrar dados para se analisarem os linchamentos? Resposta dele: "A principal fonte de dados (no Brasil, C.S.) para esse tipo de comportamento coletivo é o noticiário dos jornais (...), tal como se deu nos Estados Unidos. Ocorrência súbita, impensada, explosão passional determinada por fortuita combinação de circunstâncias, os linchamentos não se situam entre os acontecimentos previsíveis, que viabilizem a pesquisa sociológica planejada e a presença testemunhal do pesquisador."

Importe o texto aqui.

Mais um linchamento


Após um interregno de algumas semanas, mais um cidadão foi linchado com pneu incendiado na madrugada de quinta-feira, na Machava Socimol -15, Matola, uma notícia que não surgiu no "Notícias", diário que, porém, cobriu os anteriores linchamentos.
Entretanto e a propósito, releia do jovem sociólogo Honório Massuanganhe, membro da Unidade de Diagnóstico Social do Centro de Estudos Africanos da Universidade Eduardo Mondlane, o texto que pode baixar aqui.
Recordo que este diário contém numerosas entradas sobre linchamentos.

Sociedade "e" indivíduo


O indivíduo que depende do social
Julgo que todos sabemos quanto amamos distinguir as "pessoas" da "sociedade", o eu do nós. Regra geral achamos que a sociedade é um todo indiviso do qual, porém, nos podemos destacar sempre que quisermos. Parece tudo uma questão de entrar ou de sair de casa, tudo parece resumir-se a uma simples operação de adição ou de subtracção, desde que assumamos, como assumimos, que estamos diante de duas coisas: a sociedade e (copulativa de fronteira) o indivíduo.
Quando vou para o meu quarto e fecho a porta, acredito que me isolei realmente da sociedade. Toda a minha estrutura mental e físico-espacial me diz que, realmente, sensorialmente, eu me isolei. Estou dentro do meu quarto, em paz, em silêncio, e lá fora está a sociedade, estão os outros. Sinto-me orgulhosamente apenas eu-mesmo. Os deuses criaram indivíduos irredutíveis, assim penso.
Todavia, eu apenas me posso isolar socialmente, na sociedade. Mesmo quando julgo estar isolado, continuo totalmente mergulhado na sociedade da qual julgo ter-me afastado. Todas as minhas referências, tudo o que manipulo, tudo o que sou pertence a essa sociedade. Nenhum tijolo de uma casa se compreende fora da constituição da casa.
Por outras palavras, apenas posso ser indivíduo se for sociedade. O Sr. Julai do Bairro Polana Caniço A é, intrinsecamente, um dos "moradores" desse bairro, uma das partes integrais do todo de moradores.

O social que depende do indivíduo
Mas, por outro lado, acreditamos muitos de nós que a sociedade é um saco cheio de batatas literalmente iguais, que os indivíduos são aí, apenas, um epifenómeno do social.
Termos como população, sociedade, sociedade civil, multidão, moradores, populares, etc., são, a esse respeito, exemplares. Estes termos reenviam para um comportamento zoológico, igual, mimético, unívoco, sem vírgulas, apenas com um ponto final.
A sociologia de questionário, a quantofrenia, a estatística que evacua o pensamento, constituem a formulação científica (ou assim suposta) da crença de uma sociedade sem indivíduos. Na sua busca de disciplina do diferente, eles remetem para uma entidade igual o que não é, de facto, igual. Nem podia ser. Os deuses não têm essa palavra no seu dicionário.
Ora, perdoem o truísmo, não há nenhuma sociedade que não seja composta por indivíduos diferentes. Nenhuma casa faz sentido se não for percebida pelo esforço "individual" de cada tijolo.
Não é possível uma sociedade se, intersubjectivamente, os indivíduos não se sentirem sociais, seja qual for o tipo de sociedade ou de grupo que tivermos em vista.
Não importam a densidade, a extensão, a simetria de estilos de vida, o padrão de privações do Bairro Polana Caniço A: este bairro só tem sentido enquanto entidade plural, social, se o Sr. Julai, o Sr. Massamba, a Sra. Albertina e tantos outros se sentirem moradores diferentes, "eles-mesmo".
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Fotografia extraída daqui.
N.B. Em próximo trabalho, escreverei sobre os papéis sociais.

08 dezembro 2006

Corrupção no Ministério do Interior

De acordo com o semanário "O País", o Ministério do Interior devolveu ao Ministério das Finanças cinco biliões de meticais, remanescente de um esquema de corrupção que envolveu o desfalque de 260 biliões de meticais em pagamentos feitos a funcionários fantasmas.
O esquema, montado na vigência do anterior ministro, foi descoberto numa auditoria interna solicitada pelo actual, José Pacheco ("O País" de 08/12/2006, p. 5).

Harare: a cidade mais cara do mundo


Destronando Oslo e Tóquio, Harare, capital do Zimbábuè, tornou-se a cidade mais cara do mundo, num país onde a inflacção é suposta rondar os 1.700%, prevendo-se que possa atingir os 4.000% no próximo ano. Leia aqui.

07 dezembro 2006

2% têm mais de metade da riqueza mundial

Dois por cento dos mais ricos têm mais de metade da riqueza mundial. Metade da população mundial possui apenas um por cento do capital do planeta. Veja aqui.

Pensar diferente

Para conseguirmos ver no crime a simples violação do direito e da lei, importa que tenhamos a concepção de que o direito e a lei têm uma vontade geral autónoma.
Da mesma forma, para acreditarmos que depende da vontade das pessoas a modificação das condições existentes de vida importa que consideremos as ideias como estando separadas das condições reais nas quais nascem e se reproduzem.
Limitei-me a recordar Marx e Engels.

05 dezembro 2006

Debate regressou ao deixa-falar

O debate regressou ao deixa-falar, após uma prolongada paragem motivada (ao que parece) pela ida ao curandeiro do Sr. Geraldo dos Santos, ex-coordenador do blogue. Veja aqui.

04 dezembro 2006

O poema ao mainato

Num dos portais que visitei hoje, alguém que aqui viveu há muitos anos dedicou em 2004 um poema sofrido a um mainato que encantou a sua infância na Beira. Eis, apenas, a primeira e última frases do poema:

Meu mainato era tão negro, negro como a noite escura
Mainato tu eras negro, mas tinhas muito valor.

Talvez um dia eu tente a sociologia desse tipo de recordações.

Angola: crianças acusadas de feitiçaria são torturadas

Cresce em Angola o fenómeno de crianças acusadas de feitiçaria e depois torturadas por curandeiros e pastores. Leia aqui.

Liberdade de imprensa no mundo em 2006

75 jornalistas mortos (desde 01 de Janeiro de 2005), mais 32 colaboradores
135 encarcerados, mais 03 colaboradores e 59 ciberdissidentes
Veja aqui.

03 dezembro 2006

Estado privado

Quando trabalhamos no Estado e nos casamos no fim-de-semana podemos ter à nossa disposição as carrinhas e os autocarros da instituição à qual estamos vinculados. Basta observar isso na Avª Friedrich Engels, Maputo, Jardim dos Namorados.

01 dezembro 2006

Maboazuda e os conectores de Zico

Negra, mulata, leva
europeia, chinesa, apanha
filipina, monhé, dá-lhe
até albina"
(da letra de maboazuda)

Maboazuda ganhou o prémio da canção mais popular do Top/Ngoma.
A propósito das críticas que a letra tem sofrido, veio a terreiro a professora de Português, Irene Mendes, explicar que Zico não agiu de má fé.
Num país onde, segundo Irene, "a maioria dos jovens, mesmo a nível superior, tem imensas dificuldades em diferenciar os valores das conjunções e locuções e, pior ainda, em utilizar correctamente esses conectores", o que se deve ter passado é que Zico escreveu "até albinas" quando pensou em "também albinas" (bem, admitamos que foi Zico quem escreveu a letra).
Para Irene tudo se tratou "de um problema de língua".
Entretanto, com até ou também, seja qual for a epiderme da mulher, ela leva e apanha, forma, claro, de pôr os verbos conectados.
E dancemos.
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"Notícias" de 30/11/06, p. 5.

30 novembro 2006

Quinta-feirar as dificuldades

Costuma ser às sextas, mas hoje fiquei surpreendido ao ver as procissões de pedintes atravessarem a Mondlane a caminho da baixa, em passo acelerado, a preencherem mesmo a Nyerere. Quinta-feirar as dificuldades não me devia, afinal, surpreender.

29 novembro 2006

Sociologia da dominação (4)

"Quando falares fala falando sem falares para que te percebam. Quanto à consciência do teu falar, isso fica comigo" (salmo 11 do Livro da Maka Política, 3216 da nossa era)

Obedecer à ordem de uma autoridade, mesmo se perigosa e com efeitos potencialmente lesivos e, até, letais, é sempre um fenómeno fascinante. Fascinante e doloroso.
Entre 1950 e 1963 o psicosociólogo Stanley Milgram fez 18 experiências, laboratorialmente controladas, com o objectivo de estudar obediência e a desobediência à autoridade.
O cenário foi montado na Universidade de Yale, Estados Unidos, com um falso estimulador de choques eléctricos e um painel graduado para "choques" entre 15 e 450 volts.
Foram recrutados voluntários entre trabalhadores manuais, professores de liceu, vendedores, engenheiros, etc., a quem foi atribuído o papel de “professores” e a quem foi dito que se tratava de experiências puramente científicas com o objectivo de se estudar os efeitos da punição na memória e na aprendizagem.
Em que consistiu a experiência-tipo?
No seguinte (tendo em conta a experiência descrita na obra referenciada mais abaixo): os "professores" foram convidados por um cientista a aplicar "choques eléctricos" de intensidade crescente, de acordo com a escala acima referida, num outro indivíduo (amarrado a uma cadeira com eléctrodos, em sala adjacente), designado por "estudante"(um voluntário cujo papel de simulador os "professores" ignoravam), choques que deveriam ser administrados sempre que o "estudante" errava uma resposta a um questionário previamente determinado e aceite. O "estudante" exibia desconforto e dor a cada aumento da potência dos “choques eléctricos” infligidos.
O resultado da experiência foi surpreendente : sem hesitação, 65% dos "professores" chegaram a administrar ao "estudante", sob ordens do cientista (representando a “autoridade” na experiência), os "choques" mais potentes, dolorosos (de 450 volts), claramente perigosos e mesmo mortais.
E todos os "professores" administraram pelo menos 300 volts.
Em muitos casos, "professores" houve que se preocuparam com o bem-estar do "estudante" e chegaram a perguntar ao cientista quem se responsabilizaria pelos danos que pudessem ocorrer. Quando o cientista os tranquilizou, assegurando-lhes que assumiria a responsabilidade desses danos e encorajando-os a prosseguir, todos os "professores" persistiram na aplicação dos choques com as voltagens mais elevadas, mesmo se confrontados com os gritos de dor e as súplicas do “estudante” para que os suspendessem.
Esse tipo de experiência foi realizado em outros países, com o mesmo tipo de resultados.
________________________
Milgram, Stanley, Soumission à l´autorité, un point de vue expérimental. Paris: Calmann-Lévy, 1974.

Isenção/neutralidade


Existem palavras muito sérias, muito dignas, sem rugas, de um verniz de respeitabilidade impoluta. Essas palavras são isenção e neutralidade. O seu sumo é o mesmo.
Quando uma pessoa não toma posição perante um determinado fenómeno, dizemos que ela é neutra, que ela é isenta. Por outras palavras, que ela não se apaixona, não toma partido, não se inclina para um lado, que tem os nervos grilhetados pelo bom senso. Digamos que é uma espécie de ministro dos negócios estrangeiros da República do Equilíbrio Equilibrado.
Tudo é ainda mais fascinante quando estudamos a técnica de escrita dos cientistas sociais. A técnica mais corrente e institucionalmente apreciada é a aquela que consiste em descrever fenómenos e narradores de fenómenos como se descrevêssemos átomos ou máquinas. Eles dizem isto e aquilo, eu mostro-vos o que eles dizem, eu revelo-vos como as coisas não são o que parecem ser, a vida não é unívoca, confiem na minha neutralidade, etc. O mar pode existir amputado das convulsões.
Aliás, basta estudar os laboratórios dos directores de teses científicas e verificar o enorme esforço que muitos deles fazem para extrair o sexo aos fenómenos.
Resta acrescentar que o calmo Newton dos fenómenos sociais é especialmente apreciado quando conforta os príncipes pela sua neutralidade, pela sua alma de anjo. Perante duas soluções, ele dirá, com ar de calmo questionador socrateano ao volante de um 4/4, que pode haver uma terceira que retira das duas anteriores os frutos mais adequados, mais sensatos, obviamente neutros.
O que importa é navegar nas águas sem que os remoinhos nos incomodem. Nada de excessos, nada de úlceras desnecessárias. A este propósito, já propus, em entrada anterior, uma palavra impertinente para definir os Newtons sociais da terceira via: óciólogos.

Intelectuais da continuidade

Foi com as palavras em epígrafe que o jornalista José Belmiro, do "Canal de Moçambique", enquadrou o reitor e reverendo Jamisse Taimo, quando este pronunciou o discurso cerimonial por ocasião da recente graduação de estudantes ocorrida no Instituto Superior de Relações Internacionais. Segundo Belmiro, o reverendo pronunciou, entre outras, as seguintes palavras, com referência ao presidente da República, que reproduzo na íntegra tal como se encontram no Canal de Moçambique:
“Hoje de manhã quando ia ao meu escritório à pé, encontrei-me com uma vendedora de «badjias», e perguntou-me: O Sr. é o reverendo não é? E eu disse: sim. E ela disse: mas eu sei que o senhor fala com o presidente? E eu respondi: bem... falo de quando em vez. E ela disse: se o encontrar manda os meus cumprimentos”!... “Então acho que em nome da representação de todos esses anónimos que vendem «badjias», mas que reconhecem o trabalho que esta grande figura, este filho do povo moçambicano tem trabalhado para o desenvolvimento do país, vão os meus cumprimentos”.

Coesão

Não há grupos sociais coesos em si. A coesão nasce e consolida-se em luta contra outros grupos. Também não há processos de classificação e de etiquetagem puros em si: eles nascem e desenvolvem-se quando confrontados com os processos sociais que geram classificações e etiquetagens rivais.

28 novembro 2006

Para Júlia


Lá onde agora estás, Júlia, que os deuses te protejam. O que aqui comentaste, aqui ficará para sempre. Foi e é uma honra para mim ter aprendido contigo. Paz à tua alma. Até sempre!

26 novembro 2006

O que significa compreender?

O que significa compreender? Compreender significa que sou capaz de procurar conhecer o sistema de referências de alguém, quer dizer, o quadro social que o informa, que o dirige.
Mas compreender outrem, não significa aceitar o seu sistema de referências.
Uma grande parte dos problemas de conflito social nasce quando em lugar de procurarmos conhecer o sistema de referências de outrem, simplesmente submetemos esse outrem ao nosso sistema de referências.
Chamo a isso fagocitose cognitiva.

Sociologia da dominação (3)


"Quando falares fala falando sem falares para que te percebam. Quanto à consciência do teu falar, isso fica comigo" (salmo 11 do Livro da Maka Política, 3216 da nossa era)

O que significa dominar? Significa basicamente que sou capaz de conseguir que uma pessoa consciente e em pleno uso das suas faculdades mentais faça o que eu quero que ela faça.
Muitas são as razões que podem levar essa pessoa a deixar-se dominar e muitas, também, as formas de dominação. Sobre isso não me vou debruçar.
A dominação consiste na substituição da vontade de outrem pela minha vontade. Outrem pode barafustar, como Calibão diante de Próspero na Tempestade de Shakespeare, mas obedece.
A mecânica da dominação tem duas componentes: o impulso e o aguilhão. O impulso é a ordem dada; o aguilhão é o efeito da ordem guardado no inconsciente do dominado.
O dominador nasce quando a sua ordem é obedecida (impulso); o dominado nasce quando a ordem já é dispensável e ele se limita a obedecer (aguilhão): bastam insígnias, uniformes, títulos, etc., para fazerem o aguilhão actuar. A dominação está interiorizada, a obediência ganhou vida própria, o quadro de referência do dominado passou a ser o do dominador.
Se os dominadores constroem os dominados, os dominados reproduzem os dominadores.
___________________
Sempre espero os vossos comentários, caros leitores. E reitero: em qualquer altura posso alterar o que aqui vou escrevendo, especialmente tendo em conta esses vossos comentários. O que escrevo apenas tem uma virtude: a de ser um produto defeituoso e sempre inacabado. Por isso vários dos vossos comentários têm-me levado (e continuarão a levar) a mudar o que escrevo.

25 novembro 2006

Publicado há 23 anos


Sob coordenação do hoje cineasta Sol de Carvalho, este livro foi publicado em Novembro de 1983, pelos então "Cadernos Tempo", com uma tiragem de 5.000 exemplares, pouco tempo depois esgotados.
Passaram, assim, 23 anos.
O motivo de capa, pintado por Miguel César, arquitecto, procura ilustrar os três tipos de modelos de luta-padrão que tiveram curso no país no período histórico coberto pelo livro: combate a peito descoberto (Sul do país, com azagaia e escudo), combate em fortificações ou aringas (Centro) e guerrilha (Norte).

Século XVI: os presentes para a rainha

Data de 1506 o que parece ter sido, na história colonial de Moçambique, a primeira notícia sistemática de presentes ou saguates dados a "uma rainha cafre mulher de um rei cafre que confina com a terra dos cafres (provavelmente Muenemutapua, C.S.), consistindo no seguinte: uma camisa branca de algodão, um ramal de corais, um de alamares, três ramais de estanho, uma "bacia de barbeiro" e uma "bacia de mijar" (sic).
Recorde-se que os Portugueses se fixaram no nosso País em 1505, construindo uma feitoria-fortaleza no litoral de Sofala.
______________________
Anhaia, Pero de, Mandato de Pero de Anhaia, capitão-mor de Sofala aos contadores de El-Rei (1506), in Documentos sobre os Portugueses em Moçambique e na África Central, vol. I, 31 de Janeiro, p.384.

24 novembro 2006

Sociologia da dominação (2)


"Quando falares fala falando sem falares para que te percebam. Quanto à consciência do teu falar, isso fica comigo" (salmo 11 do Livro da Maka Política, 3216 da nossa era)

Quando me dizem pára, eu páro. Quando me dizem senta-te, eu sento-me. Quando me dizem cala-te, eu calo-me. Quando me dizem escreve o que eu te digo, eu escrevo. Quando me dizem que eles são exteriores à nossa etnia, eu aceito. Quando me dizem que as crianças morreram devido a um acto de feitiçaria, eu sei que isso é verdade. Quando me dizem que os albinos são filhos dos feiticeiros, eu estou de acordo. Quando me dizem que o nosso partido é o melhor, eu sei. Quando me dizem que a nossa religião interdita a carne de coelho, eu não a como. Quando me dizem que as mulheres devem restringir-se ao mundo fechado da cozinha, eu nem discuto. Quando me dizem mata, eu mato.
E por aí fora, nesse conjunto de exemplos prepositadamente extremos.
Cada acto de genuflexão do nosso eu, da nossa vontade, cada peça da nossa crença, tem uma palavra como êmbolo. E isso é tão intenso, tão absoluto, que as palavras parecem ganhar uma autonomia indiscutível, como se elas fossem dominação e servidão em estado bruto.
O percurso da nossa vida é feito de duas coisas simples: normalização e anormalização.
Primeiro ensinam-nos a obedecer, depois nós reproduzimos, ampliamos, obedecemos e dominamos. Recebemos e interiorizamos a obediência. Mas a obediência pode um dia transformar-se em dominação e vice-versa. As palavras reflectem plasticamente esse polimorfismo, essa curiosa ubiquidade.
O processo de normalização consiste em definir o que é normal e o que é anormal, o que é aceitável e o que é inaceitável, o que devemos tolerar e o que não devemos tolerar.
Tudo se resume a um exercício de vida absolutamente primário: incluimos e excluimos. Incluimos para excluirmos e excluimos para incluirmos. Uma mesma coisa nas duas coisas de um pêndulo.
Cada palavra é, frequentemente, uma ordem de comando. Mesmo a mais gentil, mesmo a mais neutra.
Estamos, vários de nós, conscientes disso, desse aguilhão. Mas provavelmente não estamos, regra geral, conscientes disso.
O mais doce eufemismo pode ser uma AK-47 simbólica.
Todo o exercício de dominação é feito de um conjunto de palavras que definem no outro o perímetro das possibilidades a um tempo autorizadas e vedadas.
Nem todos têm acesso ao uso da palavra oficial, da palavra autorizada. Este tipo de palavra apenas pode ser enunciada por quem domina.
Mas o que é dominação?

Operários e camponeses desfrelimozados


No IXº Congresso da Frelimo, recentemente realizado em Quelimane, estiveram presentes 1326 delegados, dos 1.345 previstos. Faltaram 19 delegados por motivos considerados justificados.
Num efectivo com 470 delegados pertencentes aos aparelhos do Estado e 276 ao aparelho partidário, apenas estiveram representados 9 operários e 9o camponeses. Mas os empresários eram 29 e os "proprietários" (assim se auto-descreveram) 19. Leia aqui.
_______________
Daria uma bela investigação saber se as quotas correspondem ou não ao grau de adesão partidária de operários e camponeses.

23 novembro 2006

No prelo


Juntamente com o Diário de um Sociólogo 2, está no prelo o meu segundo livro de poesia, com o título em epígrafe. Mais dois blooks.

22 novembro 2006

22 de Novembro de 2000: Carlos Cardoso é assassinado


A 22 de Novembro de 2000, o jornalista Carlos Cardoso foi assassinado com cinco balas de AK-47 quando saía, tarde terminada, do seu jornal, o metical.
Assim morreu, com 49 anos, o mais corajoso dos nossos jornalistas em luta contra a corrupção.
Ontem como hoje, a sigla mantém-se: é proibido pôr algemas nas palavras.

UDS reforça-se

A equipa de investigadores-mobilizadores da Unidade de Diagnóstico Social reforça-se: hoje entrou nela a jovem socióloga Natacha Moraes. Veja a equipa aqui.
Entretanto, aceitamos com prazer a adesão de quem queira connosco trabalhar. Reunimo-nos todas as quartas-feiras no Centro de Estudos Africanos, 1.º andar, campus universitário, das 12 às 14 horas.

Linchamentos: apelo e catarse (um texto de Honório Masfuanganhe)


O texto do sociólogo Honório Masfuanganhe, com o título em epígrafe, pode ser importado aqui.
O autor é membro da Unidade de Diagnóstico Social (UDS) do Centro de Estudos Africanos.
Aguardamos os vossos comentários, as vossas críticas, as vossas sugestões. Com a vossa contribuição e com os comentários dos colegas da UDS, uma versão melhorada do trabalho será posteriormente colocada no site indicado.
Kanimambo!

Linchamentos: apelo e catarse (um texto de Honório Masfuanganhe a postar ainda hoje aqui)


Após o texto do historiador Teles Huo sobre o bloguismo em Moçambique, será a vez hoje ainda de aqui postar um texto do sociólogo Honório Masfuanganhe, com o título em epígrafe.
Ambos são membros da Unidade de Diagnóstico Social do Centro de Estudos Africanos

Sociologia da dominação (1)


"Quando falares fala falando sem falares para que te percebam. Quanto à consciência do teu falar, isso fica comigo"
(salmo 11 do Livro da Maka Política, 3216 da nossa era)

Existe um problema com as palavras que não é regra geral problema.
O problema é que as tomamos apenas por palavras, utensílios práticos e neutros com os quais nos comunicamos, uma espécie de barcos sem mistério nos quais viajamos pelos continentes dos outros, trocando as nossas coisas e as nossas ideias.
Mas por que as palavras não são, então, problema? Porque as palavras são sapatos que calçamos sem problemas de consciência nas ruas da vida. E alguém questiona os sapatos? Não foram eles inventados para serem justamente calçados?
Todavia, na alma de cada palavra-sapato habita uma inquilina da qual regra geral não temos consciência. Que vemos sem ver ou que, vista, tomamos pela coisa mais natural da vida.
Assim, o problema não é problema para quase todos nós.
Mas esse é o real problema. O problema de não ser problema sendo-o sem problemas.
Mas como se chama, afinal, essa inquilina?
Chama-se dominação.
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Como me é habitual, posso em qualquer altura rever e mudar o que aqui escrevi e irei escrever.

Leiam Luís Nhachote

Sou dos que adoram ler Luís Nhachote. Eis um curto extracto : "E, os corredores do «BUS», onde era suposto os passageiros andarem para se descontraírem, os cobradores e ajudantes iam amealhando mais cabeças e a arrumarem-nas quase quimicamente com o processo de armazenamento de carvão e cimento. Gente tratada como sacos."
Experimentem aqui.

21 novembro 2006

Tudo numa boa!

Apesar do debate no "Savana" e aqui em torno da famosa maboazudas de Zico, não dei que alguma mulher tivesse vindo a terreiro na nossa imprensa escrita e audio-visual para estar a favor ou contra. Tudo numa boa!
Na construção social das nossas mentes e dos nossos corpos, na incorporação doce da dominação, tudo parece ser, afinal, uma questão de hábitos, de hexis como diria o falecido Pierre Bourdieu.

Virtualização do quotidiano: bloguismo em Moçambique (um texto de Teles Huo)


Esse o título da primeira versão de um trabalho escrito por Teles Huo, após uma pesquisa de cerca de dois meses realizada com nove estudantes de História da Universidade Eduardo Mondlane. Clique aqui para o importar.
Aguardamos os vossos comentários, as vossas sugestões, as vossas críticas, as vossas achegas. Kanimambo!

Manica: empório da soruma

A província de Manica é um empório da produção e comercialização de soruma (cannabis sativa), especialmente nos distritos de Sussundenga, Mossurize e Báruè, envolvendo redes de agricultores e de passadores. Na cidade, as principais colômbias estão localizadas em locais identificados, um dos quais próximo da sede da Frelimo, partido no poder.
Uma bolinha processada via excremento de cabrito e/ou picada e triturada custa 2o meticais.
O negócio parece ser especialmente lucrativo quando direccionado para países como Zimbabué e Malawi ("Diário de Moçambique", 18/11/06, p. 3).

Nado-mortos e crença

Munícipes de Manica estiveram agitados por se terem convencido de que alguém andava a violar túmulos onde estavam enterradas crianças recém-nascidas. Acontece que uma investigação permitiu mostrar que o desenterros eram provocados por cães, dado os corpos estarem enterrados a pequena profundidade.
Por quê a pequena profundidade? Porque existe localmente a crença de que os nado-mortos devem ser enterrados a uma profundidade máxima de 20 centímetros, pois se a profundidade for maior as mães que abortaram ou que perderam os filhos recém-nascidos poderão levar muito tempo a conceber de novo ("Diário de Moçambique", edição de 18/11/06, p. 3).

Politização do Zambeze

As travessias no Zambeze também podem ser politizadas, a fazer fé no "Canal de Moçambique". Leia aqui.

20 novembro 2006

A virtualização do quotidiano: características do bloguismo em Moçambique (leiam amanhã aqui)


Como o título em epígrafe, divulgo aqui amanhã a primeira versão de um trabalho escrito pelo meu assistente Teles Huo, com base numa pesquisa que ele dirigiu trabalhando com nove estudantes do Curso de História da Faculdade de Letras e Ciências Sociais da Universidade Eduardo Mondlane.

Processo político em Moçambique

Sobre o processo político em Moçambique, com ênfase nas eleições, consulte este site. Para esse e outros temas, leia também aqui.

19 novembro 2006

Assassinados mais dois "mambas"

Mais dois agentes da famosa brigada operativa "mambas", da Polícia de Investigação Criminal, foram assassinados terça-feira, na Machava, em pleno dia, cerca das 15 horas, por 15 balas de metralhadora ("Notícias" de 15/11/06, primeira página).
A polícia continua a não emitir nenhum comunicado oficial esclarecendo as causas de semelhante fenómeno.
Todavia, a invisibilidade causal desse fenómeno (cujo desfecho é, porém, bem visível numa real luta entre polícias e gangsters à moda de Chicago) mostra, por um lado, o peso da grande criminalidade em Maputo e deixa antever, por outro, a existência de uma poderosa rede de acumulação primitiva de capital com ramificações no Estado e com possíveis ligações com o tráfico de armas, de automóveis, de droga e seres humanos.

IXº Congresso da Frelimo: dos preservativos aos patrimonialistas



O IX.º Congresso da Frelimo, partido no poder, teve momentos curiosos.
No que me concerne, saliento apenas dois, de natureza completamente oposta.
Segundo o semanário "Savana" na sua edição de sexta-feira (17/11/06, última página), a comunidade indiana de Nampula ofereceu 60.000 preservativos aos congressistas.
Por sua vez, no semanário "Domingo", um editorial chama hoje, de forma corajosa, a atenção para a formação de uma associação de filhos de antigos combatentes que deseja que os pais lhes transfiram, de forma institucionalizada, o seu espólio político. O editorial afirma tratar-se de um discurso "perigoso, eivado de mentalidade nepotista, anticonstitucional, orgulhoso, elitista, subjacente ao qual existe um conceito patrimonialista do poder", discurso que teve apoio no congresso "em voz de figura altamente relevante". O editorial refere ainda "o exibicionismo e a ostentação de alguns dirigentes e seus familiares" no congresso e alerta para o risco de as críticas serem abafadas no país, porque confundidas com "uma tentativa de luta contra os interesses do Estado, confundindo-se interesses do Estado com os interesses privados de quem o dirige" (edição de 19/11/06, última página).
A minha pobre mentalidade proto-sociológica dispensa qualquer tipo de comentário.
Todavia, gostaria aqui de dizer que no nosso jornalismo escrito, crescentemente fast foodado e think tanks, apenas quatro jornalistas séniores e um comentarista conseguem manter a coluna vertical erguida em permanência: Salomão Moyana ("Zambeze"), Fernando Gonçalves, Fernando Lima (ambos do "Savana"), Augusto de Carvalho ("Domingo") e Machado da Graça(comentarista no "Savana").

Poeta expulsa sociólogo



A gaiola
Naquele dia rigorosamente simples
com a mente lavada dos maus sentimentos
na pureza da manhã apenas acordada
segura do seu acto
firme no seu voo
a gaiola saiu à procura do seu pássaro

Sabes meu amor
da solidão das gaiolas?
____________
Veja aqui.

18 novembro 2006

O passado não regressa


A Fátima Ribeiro mandou-me esta foto, que tirou o ano passado em Inharuca, província de Sofala. O que teria levado o proprietário da casa a sentir necessidade de assinalar de forma tão vincada o não-regresso ao passado? A frase é de tristeza? De alegria? Perguntas tão complicadas para coisas tão espantosamente simples na aparência. Cito de memória Franz Kafka: "No passado eu não compreendia por que não encontrava respostas às minhas perguntas; hoje não compreendo como podia acreditar que pudesse perguntar. Entretanto, eu não acreditava, somente perguntava".

Inatismo

Violência doméstica, era o tema esta manhã na Rádio Moçambique. Teses simples: urge punir a violência doméstica, violência que atinge especialmente as mulheres. Claro que também há violência feminina, mas a masculina é bem mais clara, severa e maioritária. Temos de fazer muito esforço para ensinar as pessoas a não serem violentas. Se o forem, temos de as punir. Etc.
Assim somos. Atribuímos aos seres humanos um fundo inato de violência, de religiosidade, de amor filial, de respeito, etc. Depois, por simples processo dedutivo, limitamo-mos a enumerar a sua morfologia, as suas características. Se atacarmos estas características, podemos atenuar os males, podemos mesmo sonhar que um dia viveremos num mundo impoluto, estrangeiro à maldade.
Por outras palavras, fazemos das consequências das relações sociais as suas causas.
Bem mais complicado é estudar (e aceitar como dado de partida) as condições sociais que geram os comportamentos que transformamos em consequências, bem mais difícil é transformar a violência não num fundo inerente aos seres humanos, mas numa consequência das relações nas quais estamos inseridos, relações que simultaneamente construímos e nos constroem.

17 novembro 2006

Saiba sobre Moçambique

Com Joseph Hanlon, jornalista e professor universitário britânico, escrevendo baseado na nossa imprensa, saiba sobre Moçambique, lendo dois textos em língua inglesa, desde o IX.º Congresso do partido Frelimo ao dossier Cabora-Bassa.

Bom preço patrão!

-Pára-brisa patrão, bom preço!
-Obrigado, já tenho.
-Coisa de limpar vidro, patrão!
-Obrigado, não preciso.
-Patrão bom pineu não furar!
-Onde está o pneu?
-Com meu primo lá lá [gesto largo, sorridente, apontando vagamente para a retaguarda] no Xiquelene.
-Obrigado, já tenho pneu.
-Vidro para pôr ali no frente, faz bom preço!
-Obrigado, já tenho vidro.
-Relógio mesmo coisa rolexi patrão, bom preço!
-Tenho relógio.
-Pedra-pome patrão dez faz preço um!
-Obrigado, não uso.
-Patrão capulana bom preço!
-Não quero.
-Bom batique dois faz preço um!
-Já tenho.
-Patrão caneta parquere bom preço compra dois preço um!
-Já tenho, obrigado.
-Patrão, guardar carro.
-Você quer guardar carro quando eu estou a sair?
-Patrão dá cinco mil!
-Hé wena famba teca timbuti, unga ni quatisse!!!!!!! (é homem vai buscar cabrito não me aborreça)
Há dias, devo confessar, em que não tenho paciência para ser sociólogo. O cidadão com úlceras gástricas proteínadas, ganhas nas ruas do bom-preço-patrão, eclipsa-o por completo.

Preservativo tem SIDA

Grande parte das trabalhadoras do sexo no distrito fronteiriço de Madimba, província do Niassa, uma parte das quais oriunda do Malawi, não aceita o preservativo alegando que contém SIDA.

Em Chemba, província de Sofala: guerra à oposição


"Aqui em Chemba há ordens superiores. A Renamo não deve ter espaço de manobras (...) Não queremos ver bandeiras da Renamo e fotografias de Dhlakama. A questão que se coloca agora é de soberania, não é de legalidade" - afirmou o chefe das operações da polícia local ao jornalista Isaías Natal do semanário "Zambeze" (edição de 16/11/06, p. 17).
Membros da Renamo são presos, punidos, emigram para o Malawi.
A Frelimo parece, a nível local, esquecer uma fórmula política simples: quanto mais perseguir os seus opositores, mais estes crescerão em crença e quantidade.
E as perseguições, comandadas pelo administrador Jorge Daúl, ocorrem justamente num território sob hegemonia da Renamo, onde 80% da população é camponesa e quase analfabeta, segundo o jornalista Natal.

16 novembro 2006

"Médico tradicional" que cura tudo incluindo o bicho


A cidade povoa-se cada vez mais de "médicos tradicionais" que tudo curam. De médicos e de tabuletas. O mercado da credulidade é imenso. Consultem aqui este senhor, dito da Tanzânia: Avenida de Angola, junto ao n.º 385.
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À Fátima um forte abraço por me ter enviado a foto e um texto maravilhoso.

Seminários

Quantos mais seminários fazemos, menos nós actuamos.
O workshop (glorioso estilo linguístico e accional instalado na nossa vida) tornou-se o substituto da acção.
Essa hipótese parece-me bem mais elegante do que aquela, à La Palice, que consiste em dizer que quanto mais pobres somos mais possibilidade temos de contrair a Sida.

Crime

I
Quanto maior for a desigualdade social maior será o coeficiente de crime existente.
As sociedades que puderam distribuir melhor a riqueza social são aquelas com um menor coeficiente criminal.
O criminoso não é um fenómeno natural, mas social.
Se no contexto do ponto vista moral genérico o crime é uma coisa anormal, no contexto de uma sociedade profundamente desigual o crime é uma coisa normal.

II
Mas mais: Sócrates era um criminoso à sombra do direito ateniense, mas nós ou muitos de nós achamos que o direito à independência de pensamento era e é um acto digno.
Contudo, para chegarmos a essa liberdade de pensamento, enchemos a história de violações, de coisas anormais que permitiram que hoje achemos normal pensar de forma independente.
Muitas vezes no âmago de um crime está o rosto de uma sociedade diferente (Simmel e Durkheim têm muitas páginas belas sobre a função socializadora do crime).

Coisa má e coisa boa

Todos nós ou quase todos nós temos sempre à mão um termómetro normativo com o qual instintivamente avaliamos a temperatura moral dos fenómenos. À partida as coisas são invariavelmente boas ou más. À partida e à chegada.
O crime, por exemplo, é uma coisa má para nós, os que não somos criminosos. Mas se formos criminosos o crime é uma coisa boa.
Consoante o nosso grupo, a nossa prática social, o nosso ângulo de visão, assim rotulamos normativamente os fenómenos.

Sociólogos e óciólogos

Os sociólogos (os artífices da ciência do social) são pessoas que procuram estudar a regularidade do comportamento de outras pessoas tentando furtar-se à filosofia ("os homens não preexistem ao estudo das relações sociais") e ao nominalismo ("os homens não são um conceito apenas", um flatus voici, pura essência fonética).
Os óciólogos (os artífices da ciência do ócio) são pessoas mais sofisticadas que procuram estudar a forma como os sociólogos e todos os comuns mortais estudam outras pessoas, recuperando a filosofia ("os homens podem não existir") e recasando-se decididamente com o nominalismo ("as rosas são o que nós queremos que elas sejam e eu sei ver isso").
Um óciólogo inteligente, bem mais inteligente do que os comuns óciólogos, fino futurólogo, criador da teoria da "estruturação", conselheiro de Tony Blair, falo de Anthony Giddens, fechou o seu edifício óciológico com a perspectiva de uma sociedade sem esquerda nem direita, sem alternativa para o capitalismo e com as classes sociais mortas e trocadas pelas oportunidades de vida.

Bigode é sua coisa, não rir é minha coisa!

Fui a um fotógrafo tirar fotografias para renovar o meu bilhete de identidade. Uma fila de pessoas. Serviço rápido. Cada pessoa, cada rosto sério, a foto pronta. Foi a minha vez de me sentar no banquinho. O jovem fotógrafo ajeitou o meu rosto e foi para o tripé. Eu sorri.
-Senhor favor não rir.
-Não posso rir?
-Não, a fotografia tem de sair com a cara sem rir.
-Mas há alguma lei que proíba o riso nas fotografias para bilhete de identidade?
-Isso não sei, o que sei é que não deve rir, ninguém ri, só o senhor quer rir, mais ninguém ri.
-Senhor fotógrafo, deixe lá eu rir-me. Também ninguém tem um bigode como o meu...
-Senhor, não vale a pena confusionar, não pode rir! Bigode é sua coisa, não rir é minha coisa.
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Sabeis, eu adoro a vida, eu adoro as pequenas coisas, as pequenas comoções. Tudo o que é modestamente pequeno, é espantosamente grande.

Obesos ultrapassam subnutridos

Um cientista americano, Barry Popkin da Universidade da Carolina do Norte, nos Estados Unidos, afirmou que há no mundo mais obesos do que subnutridos. Pessoas com peso a mais já ultrapassam o bilhão e os subnutridos são cerca de 800 milhões. O cientista propôs um imposto sobre calorias.
Entretanto, estima-se que nos próximos cinco anos duplicará o número de pessoas obesas em África.
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Será para mim sempre fascinante conhecer o ângulo a partir do qual nós estabelecemos as prioridades cognitivas. Por outro lado, seria fascinante saber (o que parece não ser possível) como foi possível a Barry Popkin estimar o número de obesos e de subnutridos.

Descrever os Outros

Quando estudamos os Outros, estamos regra geral convencidos de que apenas temos de estudar esses Outros.
O problema é, porém, bem mais complicado. Na verdade, a operação é dupla: temos começar por nos estudar a nós-próprios (o que os cientistas sociais nem sempre aceitam) e só depois podemos tentar estudar os Outros.
Mas as coisas são ainda bem mais complicadas do que essa dupla operação deixa antever.
Ao estudarmos os Outros, corremos invarivelmente o risco de os dissolvermos no que somos, de os canibalizarmos por inteiro. Aqui reside o eterno problema de como compreender os Outros não sendo nós esses Outros.
Julgo que quando descrevemos os Outros somos atirados para o vórtice de os moldamos num conjunto comportamental e reactivo que é, afinal, o nosso, o dos investigadores.
Mas não só: se descrever o Outro já é um problema, problema maior é e será sempre descrever os Outros.
Resta a pergunta fatal: então não é possível descrever os Outros?
A resposta é, para mim, a seguinte: é, desde que tenhamos consciência do que acima fica escrito e desde que assumamos que (1) a descrição é sempre processual e interminável e (2) que dependemos completamente da avaliação de nós feita pelos Outros, avaliação que, ela também, é afectada pelos mesmos problemas acima propostos.
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Eu teria muito prazer em conhecer a vossa opinião, opinião de eventuais leitores.

14 novembro 2006

Violada

Uma jovem de 21 anos foi violada por quatro indivíduos na cratera do bairro Polana Caniço A, periferia da grande Maputo, domingo, 21 horas, quando regressava do trabalho. Após o acto, os criminosos levaram o que a jovem trazia: celular, brincos e alguns artigos de beleza. Segundo a polícia, o caso não foi comunicado ao posto policial do bairro ou a qualquer outra unidade da PRM. Segundo os moradores, este é um crime frequente no bairro, acontecendo que muitas vezes não é comunicado por receio das consequências.
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Parece uma notícia banal, rotinizada. Mas é justamente com notícias dramáticas deste tipo que melhor podemos compreender a pequena vida de todos os dias, vida que a muitos custa bem mais do que a poucos.

1976: fuzileiros soviéticos para convencer Samora Machel?

A notícia saiu hoje no "Diário de Notícias", em Portugal. Em 1976, várias dezenas de fuzileiros da então U.R.S.S. teriam ocupado o porto de Maputo por algumas horas para forçarem Samora Machel a entregar cinco conselheiros militares soviéticos raptados dias antes. Veja aqui.
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Obrigado a Mithá Ribeiro por me ter chamado a atenção para a notícia.

Quatro aforismos

1. Não há países naturalmente pobres. Há países socialmente empobrecidos.
2. Não há países socialmente empobrecidos em si. Há países empobrecidos pelos interesses de determinados grupos sociais.
3. Discursos políticos apelando a interesses gerais gerais podem servir para disfarçar práticas sociais particulares.
4. Quanto mais aguda for a desigualdade social maior será o recurso de muitos intelectuais e políticos aos conceitos nefelibatas.

Professor Staffan Bergstrom e a mortalidade materna nos países pobres

Os países pobres são duramente afectados pela mortalidade materna. Muitos desses países são africanos. O Professor Staffan Bergstrom (Chair, International Health, Division of International Health, Karolinska Institutet, Nobels väg 9, SE-171 77 Stockholm, Sweden), que durante anos trabalhou em Moçambique como ginecologista e que trabalha em vários países aficanos todos os anos, tem um excelente trabalho em língua inglesa sobre o tema. Leia-o aqui. E se quiser aprofundar o seu conhecimento sobre os cuidados obstétricos de emergência em Moçambique, Tanzânia, Malawi, Burkina Fasso e Zâmbia, leia-o também aqui.
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O meu obrigado ao Professor pelo envio dos textos.

Nós, os Outros e a História

Uma boa tese de mestrado, aquela que João Feijó escreveu sobre a história deste país abrindo a janela do semanário Savana (1998/2003). E com uma bela citação de Pierre Bourdieu: "Nada classifica melhor uma pessoa do que a forma como ela classifica os outros".

Bicicletistas "lixados" em Quelimane


Segundo o "Canal de Moçambique", o IXº Congresso do partido no poder, a Frelimo, tem perturbado imenso a circulação das bicicletas na cidade de Quelimane, onde elas se tornaram os táxis locais. Restrições na sua circulação estão a indignar os bicicletistas, especialmente os do enorme bairro Brandão, havendo 50 retidas na sede provincial do partido. A cidade tornou-se a meca dos 4/4. Eis um flash daquele jornal: "Os utilizadores de bicicletas andam em pânico. Nunca viram tanto “four by four” junto em todas suas vidas. O remédio é sair das estradas."

12 novembro 2006

11 novembro 2006

Companhia de Jesus nega versão oficial sobre assassinatos em Fonte Boa, província de Tete

REGIÃO MOÇAMBICANA AV. KIM IL SUNG, 377
DA COMPANHIA DE JESUS C.P. 2626
Fax.: (21)494609 - Tel. (21) 492710
E-mail: cjesus@tvcabo.co.mz
MAPUTO – MOÇAMBIQUE


NOTA SOBRE OS TRÁGICOS ACONTECIMENTOS EM FONTE BOA.

A Região Moçambicana da Companhia de Jesus (Padres e Irmãos Jesuítas) sente-se na obrigação de informar todos os nossos amigos e amigas sobre o triste facto ocorrido numa das nossas missões no centro-norte de Moçambique, Província de Tete, Distrito de Tsangano, planalto de Angónia, que culminou com o trágico assassinato do P. Waldyr dos Santos, SJ e de Idalina Gomes, Leiga para o Desenvolvimento.
Queremos em primeiro lugar agradecer de coração e louvar o Senhor pelas sinceras manifestações de solidariedade que todos estão a ter para connosco, neste momento de dor e perplexidade.
É justo esclarecer que a morte do P. Waldyr e de Idalina não foi de forma nenhuma um ajuste de contas, como veiculou em certos meios de comunicação, mas sim um acto brutal de tentativa de intimidar e desestabilizar as Instituições Religiosas na Província de Tete e concretamente os trabalhos que a Companhia de Jesus, as Irmãs do Divino Pastor e os Leigos para o Desenvolvimento estão a desenvolver em prol do povo de Angónia, sobretudo no campo da Evangelização, da Educação, da Saúde e dos projectos sociais que visam o crescimento e o bem estar deste povo tão sofrido.
A Companhia de Jesus tem uma longa história de comunhão com o povo no planalto de Angónia, mesclado com momentos de muitas alegrias e também de muitas tristezas. Sempre procuramos conservar fidelidade e respeito pela cultura deste povo. E é justo afirmar que os cristãos sempre reconheceram e corresponderam em todos os momentos com as nossas intervenções. Um bom número de jesuítas deram ali suas vidas pela causa do Evangelho. Tomamos a liberdade de recordar alguns deles: P. Miguel Ferreira da Silva, SJ, que no cumprimento de suas tarefas, morreu tentando construir a Igreja para a população da Macanga. Os Pp. João de Deus e Silvio Moreira regaram com seu sangue a terra por amor e fidelidade ao povo que amavam. O P. Cirilo Moises Mateus, SJ que desgastou a vida pelo seu povo e agora, no dia 11 de Novembro, completa 5 anos de falecimento.
Nos momentos mais difíceis para o Povo Moçambicano, em que muitos tiveram que se exilar para o Malawi, por causa da guerra interna, a Companhia de Jesus foi com o seu povo para o exílio, viveu e deu toda a assistência que lhe foi possível nos campos de refugiados. Vibrou com o povo pela alegria de retornarem a casa, depois do acordo de Paz, assinado em Roma. E não poupamos esforços para reabilitar as escolas, os hospitais e até ajudar o governo a reabilitar o posto fronteiriço em Mtengombalene. Tudo feito em parceria com muitas instituições solidárias com o bem estar do Povo Moçambicano, especialmente com o Governo da República de Moçambique, com o UNHCR, Intermon, Misereor, Cafod, Cebemo, etc.
E não será por causa de um acto covarde e violento que nos iremos intimidar. Nossas vidas só têm sentido quando as damos aos demais.
Pedimos a todos para que colaboremos com o Governo da República de Moçambique no sentido de estancar estas ondas de violência que assolam o País. Só na Província de Tete, os religiosos (Padres Combonianos, Irmãs Vicentinas, e Jesuítas) foram vítimas de 5 ataques neste ano de 2006. A pergunta que paira em nossos corações é o por quê da violência somente aos religiosos nesta Província?
Humanamente não há palavras que expliquem o sucedido. O P. Waldyr e a Idalina vieram só para servir e foram barbaramente assassinados quando sabemos que Moçambique precisa de obreiros como eles, cheios de generosidade. Acreditamos que o sangue deles, mais uma vez derramado naquela terra de Angónia, ajudará a produzir frutos espirituais que só Deus-Pai pode fazer aparecer pela sua imensa generosidade e misericórdia.

Continuemos a pedir ao Senhor por eles e pelos seus familiares. Encomendamo-nos às vossas orações.

P. Carlos Giovanni Salomão, SJ
(Superior Regional dos Jesuítas)

Maputo, 09 de Novembro de 2006.
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Para a versão do ajuste de contas, veja "Notícias", edição de 07/11/06, primeira página.

Blogosfera em Moçambique


Até à primeira semana de Outubro, 321 blogs tinham sido contabilizados em Moçambique, dos quais:
-270 de Maputo
-274 fotoblogs
- 16 exibindo fotografias dos autores

Este trabalho de pesquisa prossegue, a cargo de uma equipa de nove estudantes universitários sob direcção do meu assistente, Teles Huo.
Brevemente os resultados serão divulgados.

Maboazuda: comentário de uma brasileira

De uma leitora brasileira recebi por email um texto que, pela sua oportunidade, coloco em destaque neste entrada. Ei-lo:

Esta discussão não me é nova, já correram por aqui textos como os referidos por si, quase todos lúcidos e elucidativos, muitos panfletários, acerca da qualidade e do teor das músicas que da periferia surgiram e tomaram as pistas de dança da classe média, de todos os abastados. É o funk carioca que segue, em sua maior parte, por este caminho temático da música do Zico.
Como aí, antropólogos, sociológos, psicólogos, críticos de música, jornalistas, etc., estudiosos do social e do humano, todos falaram. Eu fico aqui a pensar...
Como já disseram, não haveria Zico e seu sucesso estrondoso, se não houvesse quem o aplaudisse e com ele e com seu repertório se identificasse. Eu me pergunto se uma letra que denegrisse outra categoria de pessoas, não sei, que desqualificasse uma profissão ou etnia, por exemplo, faria tanto sucesso mesmo com um ritmo irresistível. Apesar de se dançar o ritmo e não a letra, deve haver alguma identificação do público que dança com o que se ouve (letra e melodia), pois se uma delas não acontece fortemente não se adere à onda. Bem, falo por mim, pelo que sinto. Adoro dançar e ao funk carioca é mesmo difícil de resistir. Mas há letras que enojam, que nos envergonham, que nos enrubescem, que indignam. A aversão à letra por quem nela reconhece agressão, desrespeito, discriminação, etc., é natural, eu acho...Falo a partir do que há aqui, porque sequer conheço a marrabenta, muito menos o rap+marrabenta do tal Zico.
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Solicito à leitora brasileira que, em comentário, diga se respeitei o que enviou. Obrigado.

10 novembro 2006

Maboazuda e dominação masculina

Maboazuda é uma canção que celebra a dominação masculina disfarçando-a, anestesiando-a com a emoção, com o fervor entorpecente da dança.
Já aqui um dia, numa entrada, vos recordei o belo livro de Pierre Bourdieu, justamente chamado "A dominação masculina".
Tendo em conta esse livro, defendo que o problema fundamental não é que a canção de Zico seja um exercício pleno de dominação masculina: o problema está em que as mulheres que dançam a música aceitam essa dominação. Dançá-la é aceitar, interiorizar a dominação, consciente ou inconscientemente.
Mas nós temos muitas vezes a suprema e dialéctica capacidade de estarmos hoje, como mulheres, a dançar a maboazuda e, amanhã, numa sala de conferências, a exigir solenemente um papel mais amplo para a mulher dirigente.
Estou disposto ao debate.
Estamos juntos, para dizer como o Emílio Manhique!

O cepticismo dos habitantes de Quissanga

Os habitantes do distrito de Quissanga, em Cabo delgado, disseram ao governador Lázaro Mathe que não acreditam no fim da pobreza, em si ou absoluta. Que tudo falha lá em termos de planos, que eles estão fartos da modesta agricultura de enxada e que precisam de quem os ajude a mecanizá-la. Nem sequer, acrescentaram, os elefantes os deixam em paz. Acresce que o administrador distrital é acusado de gerir sozinho o dinheiro alocado pelo Estado. Impotente mas confiante, o governador Mathe pediu ao povo que tivesse fé na luta contra a pobreza absoluta pois o governo tinha uma boa liderança sob direcção do presidente Guebuza "que escolheu homens firmes para as diferentes frentes da batalha. Havemos de vencer a pobreza. Podem acreditar que havemos de acabar com a pobreza" ("Notícias", edição de hoje, 10/11/06, p. 2).

Vendedores ambulantes e polícias lutaram ontem na baixa de Maputo


Vendedores ambulantes e polícias confrontaram-se ontem de manhã na baixa da cidade. Os polícias disseram querer disciplinar o negócio de esquina, os vendedores disseram que os polícias queriam fazer cabritismo e roubar os seus bens. A zona de terminal de chapas na Av.ª Guerra Popular foi barricada com contentores de lixo, pneus incendiados, cartolina e caixas de papel. A Polícia Municipal foi reforçada pela Polícia de Protecção e pela Polícia de Intervenção Rápida: disparos para o ar, gás lacrimogéneo. Os vendedores debandaram.
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http://www.jornalnoticias.co.mz/pt/topoption/56

Desmaboazudando a maboazuda


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"Negra, mulata, leva
europeia, chinesa, apanha
filipina, monhé, dá-lhe
até albina"
(da letra de maboazuda)

I
Não tenho qualquer dúvida de que o cantor Zico gosta de mulheres. Isso é bem saudável. Cá por mim também amo mulheres e amo sexo.
Igualmente não tenho qualquer dúvida de que o ritmo leva fogo ao corpo, o que é bem saudável. E au amo o casamento entre a marrabenta e o rap, ainda que abomine o rap em si.
O meu problema começa quando penetro na alma da letra. Esta alma suscita debate desde que na edição do "Savana" da semana passada, o jurista Carlos Serra Jr a analisou à sombra da Constituição da República e procurou mostrar como Zico ofende a dignidade de outrém (03/11/06, p. 10); e desde que, na edição de hoje do mesmo semanário, Bayano Valy procura mostrar a diversidade de opiniões sobre a canção, tomando o meu blog como ponto de referência, ainda que, infelizmente, ele mostre que Zico se recusou a comentar o que da letra da canção se diz (10/11/06, p. 30).
Ora, maboazuda (escrevo com "z") é, para além de um manifesto amoroso pujante e cheio de força da natureza, um exercício pleno de desqualificação da mulher, um manifesto de androcentrismo primário.
O cantor sente-se em condições óptimas para "levar", "apanhar" e "dar", quer dizer, para transformar as mulheres em objecto sexual, instintivo e violento. Nem as albinas escapam à ilimitada fome androcêntrica de Zico.
Efectivamente, a mulher surge na letra como mero receptáculo sexual, como mero objecto sexual, no caixilho unilateral imposto pelo cantor-garanhão (seja este autor ou não da letra).
O cantor (e/o autor da letra) procede a um autêntico exercício de fagocitose social.
Em que consiste a fagocitose social? Consiste em negar o Outro como sujeito reflexivo, dotado de liberdade, do direito de produzir a sua própria historicidade, de dispor da sua vontade. Assim fazendo, a letra violenta simbolicamente esse Outro, no caso vertente essa Outra.
Ao cantor não importa se as negras, se as mulatas, se as europeias, se as chinesas, se as filipinas (estranha referência esta), se as monhés (termo injurioso) e se, até, as albinas, estão de acordo com a pulsão amorosa expressa univocamente: o fundamental é pura e simplesmente Zico matá-las ("eu vos vou matar com fofinhas, boasudas, gostosas, jeitosas"), absorvê-las, devorá-las na sua masculinidade.
Assim, Zico é o gestor definitivo da verticalidade; às mulheres da letra apenas compete aceitar horizontalmente a vontade zaratustreana do cantor.
Suspeito de que há gente que partilha o zicoísmo, a masculinidade matadora. E também suspeito de que há por aí muito matador convencido de que as mulheres amam tanto mais quanto mais apanham.
E, já agora, pode acontecer que tanta discussão amplie ainda mais o raio de acção da canção, tornando-a ainda mais ouvida, cantada, dançada, enfim, maboazudada.

II
Mas não é Zico que é sociologicamente fundamental, não é a maboazuda que é sociologicamente fundamental: o que é fundamental é o imaginário social ávido de novidade que torna um herói e a outra, uma necessidade.
A nossa sociedade é cada vez mais um caleidoscópio de expectativas, de culturas, de mitos, de ansiedades, uma interface de muitas coisas, um mata-borrão social. Absorvemos intensamente o que nos chega do exterior e depois procuramos fazer localmente a digestão o melhor que sabemos e podemos. O casamento da marrabenta com o rap é um modelar exemplo.
Nesse mundo mestiço, no qual as tradições se modernizam e as modernidades se tradicionalizam, Zico é apenas uma emanação de um social prismático, capaz de dotar o machismo com os condimentos do espectáculo e de o fazer absorver naturalmente por uma espécie de alma feminina: digamos, de forma provocadora, numa ensaio de semiologia à Roland Barthes, que se a letra zicoísta é masculina, a dança é feminina; ao macho que canta altaneiro em seu harém onírico, junta-se e ajoelha-se pela dança erotizada a mulher, mesmo a albina maboazudada.
E assim, numa vertigem zicoísta, a marrabenta americaniza-se, o rap moçambicaniza-se.

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Fotografia de Zico reproduzida do "Savana" de hoje. Por outro lado, quero dizer que a letra da canção, por mim aqui reproduzida em entrada anterior, está cheia de erros. Não não me preocupei com eles.