28 janeiro 2008

Para que servem tribo e raça? (4) (prossegue)

Naquele dia, no Bairro do Equilíbrio, era uma manhã linda, estavam as pessoas em seus diferentes misteres, quando, na esquinas entre a Rua dos Originários e a Rua dos Que Não Conhecemos, o Sr. Jorreba Aquilave, pacato pequeno empresário da pecuária, em cima de um estrado improvisado, lenço vermelho ao peito, camisete vermelha com os dizeres "Partido da Renovação Originária", começou numa arengação jamais vista no bairro, enquanto o seu pequeno corpo ficava inchado de repente. Foi assim a primeira parte:
"Meus irmãos, todos vocês me conhecem e sabem que sou da tribo dos Aquilaves. Foram os Aquilaves quem primeiro chegou aqui e trouxe bois, chegámos de lá, da terra Aqui Há Riqueza. Antes de nós chegarmos, ninguém aqui sabia o que era carne de boi, leite de vaca, quejo de leite. Aqui era só terra e costumes de selvagens. Aqui chegámos - fez lentamente circular a mão direita pelo horizonte -, aqui chegaram outros da nossa raça dos vermelhos, da nossa raça de apstores. Aqui temos o nosso gado, esta terra é nossa desde os tempos, este bairro tem a nossa marca, tem o nosso sangue. Irmãos, somos Originários aqui. Mas agora, Irmãos, tenho ouvido dizer que anda gente aí dos Segundos-Chegados a dizer que também é daqui, que também tem direito de ser Originários. Vejam só! Quem são esses Segundos-Chegados, esse gente pequenina que fala língua de quizumba, que não sabe ler nem usar sapato nem sabe o que é ferro de engomar, que anda de bicicleta sem câmara-de-ar, essa gente que não sabe comer na mesa, essa gente que provoca trovoadas e que enche o bairro de feitiço estrangeiro e que anda nos chatear com suas mandiocas e seus milhos entrando nas nossas terras de pasto? Quem são esses chingondos? Esses chingondos, Irmãos, são gente para nos provocar, nos causar doenças. Sim, são vermelhos como nós, mas são vermelhos inferiores, vermelhos estrangeiros, vermelhos atrasados. E têm esses outros aí, esses Vive-nas-Fronteiras, esses castanhos que só conhecem a cor do dinheiro e só casam entre eles! E têm esses azuis, essa gente que colonizou todo o mundo durante mil anos! Por isso Irmãos Originários, só há uma solução para haver paz e riqueza para todos no nosso bairro, essa solução é que só eu posso ser o presidente do Bairro, com o meu partido, o glorioso Partido da Renovação Originária. Não há outra solução. E vocês que não são vermelhos, vocês Segundos-Chegados, vocês castanhos Vive-nas-Fronteiras e vocês azuis Empobrecidos, mais vocês da cor que não se sabe qual é nem azeite nem vinagre ninguém sabe nem Deus, vocês todos precisam confiar-me pois se me confiarem vocês serão recompensados".
De repente outras coisas inauditas aconteceram ali, no Bairro do Equilíbrio, onde havia já uma multidão, espanto na boca, desorbitação nos olhos, que foi chegando por ondas sucessivas. Uma mulher, lenço vermelho e uma camisete estampada com os dizeres "Frente da Mulher Originária", levou um copo de água ao orador, enquanto um homem, também de lenço vermelho e camisete estampada com os agora conhecidos dizeres "Partido da Renovação Originária", abriu um enorme guarda-sol vermelho e foi proteger a cabeça careca do Sr. Aquilave do sol inclemente que se fazia sentir. Mas não só: buzinando sem parar, chegou um jipe militar em grande velocidade, com quatro homens enormes, de camuflado vermelho e armados de metralhadoras, o jipe parou bruscamente levantando uma enorme nuvem de poeira, três dos homens saíram e colocaram-se em pontos estratégicos em redor do orador, caras patibundas, olhando suspeitosamente todos os presentes.
Nota: a qualquer momento posso modificar algo aqui. Se isso suceder, assinalarei com uma cor distinta no texto a modificação ou o acréscimo.

19 comentários:

Xiluva/SARA disse...

Está-se em Gaza?

Carlos Serra disse...

Confesso-lhe que não sei. Melhor perguntar ao porta-voz do Partido da Renovação Originária. Ou ao próprio Aquivale.

Anónimo disse...

As matanças no Quénia foram classificadas como uma manifestação da luta de classes. De certo modo, pretendeu-se dar a antender que a extractificação social naquele país coincidia com as linhas divisórias étnicas.

Ao apresentar este caso, e tomando como base a interpelação de Sara, que sugere que o tal Partido e o seu líder são uma personificação de Gaza, permito-me umas perguntas ao Professor Carlos Serra:
(1) Acredita que, tal como no Quénia, a extractificação social em Moçambique vai em paralelo com as diferenças étnicas?

(2) Nesse caso, as pessoas de Gaza representariam as classes exploradoras, enquanto que as pessoas de outras etnias representariam as classes exploradas?

(3) Seria sensato esperar que a luta de classes em Moçambique ocorrerá tendo por base as diferenças de classe descritas em (2)?

A ambiguidade da resposta do Professor à pergunta da Sara é assustadora. Do meu ponto de vista é também perigosa. Pode abrir caminho ao nascer de uma nova crença. A de que as pessoas de Gaza são diferentes (e inimigas) dos outros moçambicanos.

Por fim, talvez dizer que esta é uma área muito pantanosa e, no nosso continente, tem sido uma das fontes do derramamento de sangue de pessoas inocentes. Todo o tacto e cuidado com que tratamos com as questões étnicas são muito poucos. E uma acção pedagógica de um intelectual de sua craveira seria, neste caso, muito importante. Demarcando-se, em primeiro lugar da insinuação claramente tribalista e regionalista de Sara.

Obed L. Khan

Carlos Serra disse...

Como tudo lhe parece assustador, investigue.

Salvador Langa disse...

Xi xamuáli, você....Angónia?

umBhalane disse...

Eu entendi Gaza, Palestina.

Carlos Serra disse...

Quem sabe? Eu prório terei de decifrar o imbróglio, pois o primeiro número da série diz claramente que o bairro não existe...Abraço!

Anónimo disse...

Independentemente de que regiao, a serie se refere, nao deve haver "medos" em aborda-la. "Acabar com um problema, nao se resume a nao aborda-lo, nao debate-lo". No's vivemos num pais marcadamente REGIONALISTA ou nao?? Porque AFLITIVAMENTE se pretende que este tema nunca saia das "aguas de bacalhau" e venha a superficie?? Apesar de retorica que tem sido utilizada desde a independencia (abaixo o tribalismo, regionalismo,etc), este pais esta' ha mais de 3 decadas a ser governado a todos os niveis, pela mesma tribo. Individuos proeminentes de outras regioes, que foram os pioneiros dos movimentos de libertacao, foram barbaramente assassinados, para que no final, uma unica tribo estivesse la no topo! E agora pretendem de boca cheia afirmar que esse tema nao se debate? Eu julgo que e' essa postura que origina os problemas que acha estar a evitar. Para quem nao sabia, o governo "colorido" de Guebuza e a criacao do Conselho de Estado, surge como resultado de "convulsoes" internas a proposito desta tematica!! E pretendem que isso nao se discuta aqui?? Come on......

Anónimo disse...

Prof. Serra, prossiga com a sua serie "ficticia" (que alguns rapidamente ja a transformaram em true story life), porque ha muita gente aqui que pretende saber a sua opiniao acerca deste tema: "Para que servem tribo e raça". E' so "mandar vir".......

Júlio Mutisse disse...

Jonathan,

Parece que ninguém negou que o tema fosse debatido. No meu entender o Obed interpelou a abordagem que o professor Serra faz e sugerindo (como o próprio professor pede que o façamos através dos comentários) que se demarque de posições marcadamente regionalistas expressas.

Há fenómenos que temos que compreender BEM antes de opinarmos... quando se olha para MAchel e Chissano (oriundos de Gaza) que governaram Moçambique nas primeiras décadas e se conclui que "Individuos proeminentes de outras regioes, que foram os pioneiros dos movimentos de libertacao, foram barbaramente assassinados, para que no final, uma unica tribo estivesse la no topo" é problemático. Foge-se de todos os paradigmas pelos quais podemos entrar na discussão que o professor Serra PARECE sugerir.

Machel na acepção de Jonathan deve ter se CERCADo de todos nós de Gaza para governar Moçambique e, Chissano idem. Bastaria para afastarmos essa ideia revisitarmos a história e lembrarmos dos órgãos que detinham o poder de FACTO em Moçambique durante os vários anos e REVISITARMOS a sua composição.

É um fórmula simplista? Talvez mas, ajuda a desmistificar esta ladainha dos Machanganas como inimigo público nº 1 dos demais moçambicanos.

Anónimo disse...

Continuem a promover a desconfiança dos moçambicanos na base da tribo. No Rwanda, os que promoveram as matanças dos Tutsis e dos Hutus moderados estão a ser julgados em Arusha. Quando as matanças começarem aqui, os originários de Gaza saberão identificar os promotores, muitos dos quais neste blog, para serem julgados exemplarmente.

Lembram-se o que aconteceu ao Gabriel Matsinhe, quando há umas semanas atrás comparou as experimentações literárias de Carlos Serra com as de Parafuso? Sem se ter referido sequer à raça de Carlos Serra, foi acusado de racista. Encheram o post de comentários que, no fundamental, recusavam debater o essencial: a maneira como Carlos Serra representava os seus personagens que ele diz serem de Tete. A táctica foi a de vitimização.

Agora, de maneira clara caricaturizam a situação política do país, escolhem uma província e uma etnia como inimigas, instigam o ódio étnico e chamam a isso debate dos problemas do país? Pois continuem e rezem para que nenhum machangana morra vítima de ódio étnico. Porque nesse caso os principais promotores não vão ser deixados impunes.

Obed L. Khan

Anónimo disse...

Caro Julio,
Provavelmente, o ponto q retiraste do meu anterior post e' bastante sensivel, e tenho a certeza que, quando a historia de Mocambique for recontada, sera' a partir dai, porque e' exactamente onde comecou este rebolico ETNO/TRIBAL/REGIONAL. Em vez de te pores a divagar, poderias contrariar o meu argumento, explicando a morte de apenas um homem: Filipe Samuel Magaia (comandante das forcas armadas e parceiro de Josina Muthemba)

Anónimo disse...

Caro Obed!
Este teu post mostra o que anteriormente afirmei...Tas com muito medo de debater este tema...Ja' estas a atirar poeira para os olhos dos outros...Ninguem esta' aqui contra quem quer que seja ou a promover o genocidio de alguma tribo......Pretende-se abordar apenas esta questao e percebermos (por meio de palavra) ate que ponto o TRIBALISMO/REGIONALISMO, que faz tempo se pretende ocultar, esta' enraizado na nossa sociedade. Todos sairemos a ganhar desse debate, franco e aberto1

Nelson disse...

"Continuem a promover a desconfiança dos moçambicanos na base da tribo. No Rwanda, os que promoveram as matanças dos Tutsis e dos Hutus moderados estão a ser julgados em Arusha."

Como é que essas desconfianças são promovidas?
Não tenho certeza mas acho que uma das formas seria promover o secretismo. Evitar abordar o assunto. Se olharmos para o Ruanda e no recente caso do Quénia dá para perceber que não se falava desse assunto até que o "vulcão entrou em erupção" Os que estão sendo julgado não foram promotores(esses nem se conhecem) são isso sim os executores.

Júlio Mutisse disse...

Oh Jonathan porque não assume a "empreitada" de explicar a morte de Filipe Samuel Magaia? Não fui eu que pus em causa a história oficial. O Sr. jonathan afirma que a história vai ser recontada e parece saber de algo relativamente à morte do Magaia. Seria bom que nos contasse.

Acho problemática a forma de debater em que eu devo "explicar" as suas crenças e convicções que desconheço em absoluto.

Se tem uma versão diferente da morte desse homem, exponha-a. Estaria a fazer um serviço à nação recontando a história do país. Siga o exemplo de Bernabé Lucas Nkomo que, à sua maneira, tentou mostrar uma outra visão da história do país e do movimento libertador (apesar de, quanto a mim, o Bernabé sustentar quase toda a sua tese com base em testemunhos anónimos e acreditar que em clima de guerra, um movimento de guerrilha instituiria TRIBUNAIS para julgar os que -justa ou injustamente - em cada momento eram considerados traidores).

O meu ponto de vista é desqualificado por si como "rodeio" sendo válido o seu que me sugere que explique o que não sei nem afirmei?

Anónimo disse...

Caros Jonathan e Nelson,

Primeiro gostaria de falar dos assassinatos na luta de libertação nacional e recordar que na mesma época em que foi assassinado Filipe Samuel Magaia (genericamente um tsonga) foram também assassinados Eduardo Mondlane, Mateus Sansão Muthemba (também tsongas ambos), Paulo Kankhomba e outros. Isto para dizer que assissinar rivais pode ter sido prática de todas as facções da Frente de Libertação. E referir que essas facções não tinham necessariamente um cariz étnico, pois do lado dos chamados revolucionários foi assassinado um filho do Niassa, por exemplo. A aceitar a tese de Jonathan, de que Magaia pertencia ao campo dos chamados reacionários, reforça-se a minha hipótese de que as facções não estavam estruturadas segundo linhas tribais. Como eu disse, Magaia era Tsonga. Mais ainda, do lado dos chamados reacionarios alinharam muitas pessoas originarias do sul. Só para exemplo cito Judas Honwana, Artur Vilanculos, Guambe, Guidion Mahluza e vários outros. Também, como sabem, do lado dos chamados revolucionarios alinharam muitas pessoas originarias do norte que nem vale a pena nomear. Estou a tentar dizer que as divisões dentro da FRELIMO não seguiam linhas divisórias étnicas.

Quanto a discutir o assunto étnico. Creio que deve ser discutido. E melhor ainda quando é um académico a promover essa discussão. O que acontece é que a discussão académica é contrária a qualquer especulação. Se por exemplo, Carlos Serra (e a sua amiga Sara) apresentarem um estudo que prova que as pessoas de Gaza, no seu conjunto, são ricas e que essa riqueza foi obtida graças à exploração das pessoas do norte, nada haveria a dizer perante estudo tão conclusivo. Ou ainda, se Carlos Serra (e a sua seguidora Sara) apresentassem um estudo que demonstra que as pessoas de Gaza organizaram um Partido nos moldes descritos na postagem, também pouco haveria a dizer.

É, no entanto, uma grande irresponsabilidade, que pode ter custos elevados em sangue derramado de todas as etnias, que Carlos Serra apareça a veicular, sem qualquer enquadramento teórico por mais mínimo que seja, percepções que nem sei se são populares. Percepções que, ainda por cima, não são apoiadas em factos.

Caros amigos, o racismo e o tribalismo são inimigos à espreita que nos podem estrangular a todos (a mim, ao Nelson, ao Jonathan, ao Carlos Serra, à Sara) a qualquer momento. sociedades empobrecidas são um campo fértil para a emergência das mais infundadas acusações de que um grupo étnico ou racial está a monopolizar a riqueza do país. Por isso mesmo, estas matérias devem ser abordadas com responsabilidade. De outro modo é alimentar ódios, ressentimentos, sentimentos de defesa (de parte dos grupos acusados) que facilmente se podem transformar em ataques.

Finalmente julgo que o nosso país merece ser estudado. Estudar a sua história, a sua composição de classe, a participação dos diferentes grupos na vida política, económica e social. O estudo vai limitar o tipo de tergiversações que vejo aqui, às vezes de parte de pessoas que deviam ser mais sérias.

Obed L. Khan

Anónimo disse...

Passa_se isto em South Carolina? que vontade de rir.
JAS

Anónimo disse...

Mas quem chegou de dizer que Artur Canana era chingondo e o outro era albino? Qual foi a reaccão de alguns aqui sobre este tipo de discurso?

Quem promove o quê? Como se promove essa coisa?

Anónimo disse...

A minha alusao a "limpeza etnica" que alguns pretendem ter se tratado de "limpeza ideologica" deve-se ao facto do que eu considero ser o inicio desta celeuma toda que, imagine-se, esta' aqui a ser discutida 3 decadas depois. Os factos que se tem vivido em Mocambique desde essa altura comprovam exactamente o que tenho estado a defender, a EXALTACAO de uma tribo que, inclusive, para legitimar a sua posicao, nao se coibiu de inventar que terao sido eles os primeiros a se revoltarem contra o colonialismo portugues, quando tal facto, ocorreu pela 1a vez na Maganja da Costa. Portanto, a recontagem da historia, sera um processo a toda a escala e sem o menosprezar,nao e' nisso que este debate se deve cingir. Devemos nos concentrar na manifestacao desse TRIBALISMO na nossa sociedade actual. Devemos perceber pq e' q as restantes provincias continuam a ter dirigentes da zona sul, mas os respeitam e tratam como seus governantes, mas a nomeacao de um Raimundo Diomba para Gaza provoca logo um rebolico, com alguns sectores a considerarem "coitada da minha provincia" pq alegadamente o homem referiu nao conhecer a provincia q ia governar. Num pais onde apenas 6 de meia centena de ministros estao nas suas respectivas areas de formacao, nao e' um absurdo esperar q um governador conheca algo da provincia q ira governar? O q acham q o Eliseu Machava sabia de Cabo Delgado? Algum makonde apareceu aqui a reclamar? E' preciso percebermos pq um dirigente doutra regiao, sofre uma repulsao social aqui no sul. E' preciso percebermos pq o campones de Massangena (terra q bem conheco),atirado a sua sorte e nunca sentiu a accao do governo, nao tem quaisquer duvidas na hora de escolher "pq estes sao da casa"! E' preciso percebermos pq muitos bloguistas aqui pensam como o homemzinho de Massangena! E atirado a sua sorte (como o de Massangena), o campones de Kambulatsitsi (provavelmente zona muito afectada pela guerra) esteja avido de ver mudancas! E' sobre isso que devemos discutir e nao andar aqui a invocar que se esta' a promover genocidios, odios, etc. Para mim, isso e' "fuga explicita" ao debate!