Sexto número da série. É o Eng.º Filipe Nyusi livre de fazer a sua própria história, no sentido unívoco, exclusivo, absoluto, independente da história do país e da multiplicidade e da complexidade de relações sociais que a impregnam? Um dia Karl Marx escreveu o seguinte: "Os homens fazem a sua própria história, mas não a fazem arbitrariamente, nas condições por eles escolhidas, mas nas condições directamente dadas e herdadas do passado. No cérebro dos vivos pesa com força a tradição de todas as gerações mortas." [Le 18 Brummaire de Louis Bonaparte. Paris: Éditions Sociales, 1969, p.15]. Prossigo mais tarde.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
31 dezembro 2015
Insegurança alimentar no país
Segundo o Instituto Nacional de Gestão de Calamidades e o Secretariado Técnico de Segurança Alimentar e Nutricional, citados pela Agência de Informação de Moçambique, mais de 175.930 pessoas vivem em insegurança alimentar aguda devido à falta de chuva, especialmente nas províncias de Gaza e Inhambane, estando ainda 575.455 em situação de risco. Aqui.
30 dezembro 2015
Prismas sobre a inviabilização da marcha da Renamo
Sobre a inviabilização ontem por parte da polícia de uma marcha da Renamo na cidade de Maputo, estude-se a forma como isso foi noticiado pela "Lusa" aqui e pela "Agência de Informação de Moçambique" aqui.
Adenda às 06:12: Uma precaução: se alguém nos diz que viu um leão na cidade de Maputo, a nossa atitude não deve ser de aceitar isso só porque alguém diz ter visto o leão (uma, duas, três pessoas, uma multidão a dizê-lo), devemos esforçar-nos para saber se isso efectivamente aconteceu, analisando fontes, tipo de fontes, credibilidade do (s) informador (s), frequência do fenómeno, etc. Desconfiemos dos consensos de fácil digestão e façamos do não às evidências primeiras o princípio para chegarmos ao sim da pesquisa e da credibilidade processual.
Adenda às 06:12: Uma precaução: se alguém nos diz que viu um leão na cidade de Maputo, a nossa atitude não deve ser de aceitar isso só porque alguém diz ter visto o leão (uma, duas, três pessoas, uma multidão a dizê-lo), devemos esforçar-nos para saber se isso efectivamente aconteceu, analisando fontes, tipo de fontes, credibilidade do (s) informador (s), frequência do fenómeno, etc. Desconfiemos dos consensos de fácil digestão e façamos do não às evidências primeiras o princípio para chegarmos ao sim da pesquisa e da credibilidade processual.
Sul: a pior seca dos últimos 20 anos
"A zona sul do país enfrenta a pior estiagem dos últimos 20 anos, facto que já está a condicionar a disponibilidade de água para os diferentes fins." Aqui.
Notas sobre nomofobia em Maputo [5]
Quinto número da série. Escrevi no número anterior que o celular tornou-se parte integrante do corpo, um órgão vital dos sentidos. E - acrescentei - a sua privação é tão penosa quanto a sede e a fome. Mas o que torna o celular um gémeo poderoso do diálogo humano, cada vez mais invasor e colonizador, cada vez mais magnético? É a instantaneidade volátil da salada recreativa, tema que abordarei proximamente.
Sobre o herói
O que é um herói? Um herói é a conjunção de dois fenómenos: os seus feitos reais ou imaginários e a nossa necessidade de feitos. Frequentemente o peso da nossa necessidade (popular, religiosa ou política) de feitos suplanta os feitos reais ou imaginários do herói e consegue dar-lhes uma dimensão mais marcante, mais sonante ainda, quase divina ou integralmente divina.
Quando queremos reconstituir a unidade psíquico-comportamental de um herói, confrontamo-nos com inúmeros espelhos com ângulos de refracção diferentes. O herói foi, evidentemente, várias coisas na sua vida, mas as nossas necessidades (da gente comum, dos povos em luta, dos historiadores, dos políticos, dos chefes religiosos) podem sobrevalorizar - e frequentemente fazem-no - esta ou aquela característica, característica seleccionada que acaba por eclipsar as outras facetas do herói.
Isso é especialmente marcante na ocorrência da morte. Com efeito, a morte de alguém concorre para a criação ou para a ampliação das características do herói ou da característica central do herói. As representações sociais que as produzem ou a produzem acabam por diluir, por atenuar, por disfarçar e, até, por apagar as facetas normais do homem comum, os seus defeitos, a aspereza do seu comportamento, etc. O herói surge, então, furtado à comezinha trajectória humana na sua qualidade mítica, sobre-humana, definitiva, eterna.
Quando queremos reconstituir a unidade psíquico-comportamental de um herói, confrontamo-nos com inúmeros espelhos com ângulos de refracção diferentes. O herói foi, evidentemente, várias coisas na sua vida, mas as nossas necessidades (da gente comum, dos povos em luta, dos historiadores, dos políticos, dos chefes religiosos) podem sobrevalorizar - e frequentemente fazem-no - esta ou aquela característica, característica seleccionada que acaba por eclipsar as outras facetas do herói.
Isso é especialmente marcante na ocorrência da morte. Com efeito, a morte de alguém concorre para a criação ou para a ampliação das características do herói ou da característica central do herói. As representações sociais que as produzem ou a produzem acabam por diluir, por atenuar, por disfarçar e, até, por apagar as facetas normais do homem comum, os seus defeitos, a aspereza do seu comportamento, etc. O herói surge, então, furtado à comezinha trajectória humana na sua qualidade mítica, sobre-humana, definitiva, eterna.
29 dezembro 2015
Filipe Nyusi, expectativas e messianismo político [5]
Quinto número da série. Escrevi no número anterior que o Presidente Filipe Nyusi é suposto possuir unicamente nele a extraordinária, faraónica capacidade de mudar não importa o quê, como e quando, como sucede ler-se frequentemente em certo tipo de jornais sensacionalistas, cartas de leitores e portais de copia/cola/mexerica. Ora, o messianismo político é tão mais possante quão mais aguda e persistente é a percepção popular de que há problemas sociais graves. No caso do nosso país, essa percepção parece contemplar dois aspectos principais: o medo do retorno à guerra e a desespero com o custo de vida.
Bilharziose em Moçambique
Num texto da APO de Março deste ano: "A Bilharziose é muito comum em Moçambique: De acordo com a OMS, estima-se que mais de 18 milhões de pessoas – cerca de 80 por cento da população total – tenham necessidade de tratamento." Aqui.
28 dezembro 2015
Notas sobre nomofobia em Maputo [4]
Quarto número da série. Deixei no último número a seguinte imagem: um grupo de jovens junta-se, cada um é portador de um celular na mão esquerda, vão dialogando e sorrindo em simultâneo com a consulta do celular [chat, jogos, fotos, vídeos]. O celular aqui é bem mais do que um exercício de estatuto social, ainda que a exposição do mais recente modelo possa ser relevante a esse nível. Na verdade, o celular tornou-se parte integrante do corpo, um órgão vital dos sentidos. A sua privação é tão penosa quanto a sede e a fome.
No "Savana" 1146 de 25/12/2015, p.19
Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato. Nota: "Fungulamaso" (abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre com 148 palavras na página 19. A Cris, colega linguista, disse-me que se deve escrever Cinyungwe. Tem razão face ao consenso obtido nas consoantes do tipo "y" ou "w". Porém, o aportuguesamento pode ser obtido tal como grafei.
27 dezembro 2015
Filipe Nyusi, expectativas e messianismo político [4]
Quarto número da série. A produção em certos círculos de um Nyusi demiurgo revela-se em inúmeras crenças e enunciações do género "Nyusi ainda não tem poder", "Nyusi vai tentar controlar o partido", "Nyusi não foi ainda capaz de vencer a herança dos antecessores", "Nyusi ainda não conhece o país", "Nyusi ainda não controla o Estado", etc. Por outras palavras, o Presidente é suposto possuir unicamente nele a extraordinária, faraónica capacidade de mudar não importa o quê, como e quando, como sucede ler-se frequentemente em certo tipo de jornais sensacionalistas, cartas de leitores e portais de copia/cola/mexerica.
26 dezembro 2015
Segundo a SABC: vindos de Moçambique com 76 milhões de randes a caminho de Joanesburgo
Segundo a SABC, a polícia sul-africana prendeu na fronteira dos Libombos dois homens, oriundos de Moçambique a caminho de Joanesburgo, na posse de dinheiro cash equivalente a 76 milhões de randes. O dinheiro inclui dólares, euros e randes. A polícia sul-africana trabalha com a congénere moçambicana para determinar se os dois homens pertencem a um sindicato criminoso. Aqui.
Adenda às 10:47 de 28/12/2015: o jornal "O País" revela as identidades dos dois homens aqui.
Adenda às 10:47 de 28/12/2015: o jornal "O País" revela as identidades dos dois homens aqui.
Notas sobre nomofobia em Maputo [3]
Terceiro número da série. A cidade de Maputo possui muitos locais de observação do comportamento nomófobo. A mais clássica e generalizada talvez seja esta: um grupo de jovens junta-se, cada um é portador de um celular na mão esquerda, vão dialogando e sorrindo em simultâneo com a consulta do celular [chat, jogos, fotos, vídeos]. Se não se importam, prossigo mais tarde.
Filipe Nyusi, expectativas e messianismo político [3]
Terceiro número da série. Tentei no número anterior definir messianismo político, como segue: crença na capacidade considerada excepcional de certos indivíduos para resolver problemas sociais de forma imediata e irrreversível. Essa capacidade considerada excepcional faz com que alguém seja encarado como possuindo capacidades demiúrgicas, como capaz de produzir uma parusia, como portador de uma varinha mágica capaz de produzir riqueza e felicidade imediatas. Essa concepção faraónica dos grandes homens é, invariavelmente, prisioneira de um padrão de análise: a das pessoas em si, individualmente consideradas, independentes do sistema ou dos sistemas sociais que produzem e pelos quais são, por sua vez, produzidas e reproduzidas.
"À hora do fecho" no "Savana"
Na última página do semanário "Savana" existe sempre uma coluna de saudável ironia que se chama "À hora do fecho". Naturalmente que é necessário conhecer um pouco a alma da vida local para se saber que situações e pessoas são descritas. Segue-se um extracto reproduzido da edição 1146, de 25/12/2015, disponível na íntegra aqui:
25 dezembro 2015
Moçambique: posição da Moody´s
A notação de risco B2 de Moçambique foi colocada pela agência Moody´s em revisão para possível rebaixamento, saiba porquê aqui.
Précapitalismo e capitalismo
O précapitalismo era, digamos, indecomponível no seu tempo cíclico, sendo este intimamente fecundado e limitado pelo espaço familiar, pela solidariedade social e pela ética sagrada de um social que recusava o indivíduo enquanto - na acepção de Louis Dumont - ser moral, independente e autónomo.
O modo capitalista de produção, pelo contrário, distende o tempo, fragmenta-o, divide-o, lança-o para frente com o relógio mecânico, subverte o território familiar diariamente revisto, multiplica o espaço da produção, quebra as solidariedades tradicionais, subverte e dessacraliza as velhas ordens patriarcais e os velhos mitos, dando origem ao indivíduo, essa figura histórica que vive e trabalha com uma outra que não conhece ou que produz para uma outra que não conhece.
A subversão do velho social cria uma “desordem” que é fruto da colisão entre a lógica do Capital e a lógica da solidariedade.
O Capital produz indivíduos para a frente - ele é futuro, incerteza, selecção, anarquia; mas os indivíduos guardam, ainda, afinal, tenaz, a memória e o apelo da sociedade solidária - eles ainda são passado, certeza, um certo tipo de ordem e de ontologia campesinas.
O modo capitalista de produção, pelo contrário, distende o tempo, fragmenta-o, divide-o, lança-o para frente com o relógio mecânico, subverte o território familiar diariamente revisto, multiplica o espaço da produção, quebra as solidariedades tradicionais, subverte e dessacraliza as velhas ordens patriarcais e os velhos mitos, dando origem ao indivíduo, essa figura histórica que vive e trabalha com uma outra que não conhece ou que produz para uma outra que não conhece.
A subversão do velho social cria uma “desordem” que é fruto da colisão entre a lógica do Capital e a lógica da solidariedade.
O Capital produz indivíduos para a frente - ele é futuro, incerteza, selecção, anarquia; mas os indivíduos guardam, ainda, afinal, tenaz, a memória e o apelo da sociedade solidária - eles ainda são passado, certeza, um certo tipo de ordem e de ontologia campesinas.
Empresas agrícolas chinesas em Moçambique
De acordo com uma fonte, existem em Moçambique 12 empresas agrícolas de capitais chineses. Aqui.
24 dezembro 2015
Filipe Nyusi, expectativas e messianismo político [2]
Segundo número da série. Escrevi no número inaugural que se gerou em torno do Presidente Filipe Nyusi um conjunto de múltiplas expectativas que têm especialmente a ver com o messianismo político. O que é messianismo político? É a crença na capacidade considerada excepcional de certos indivíduos para resolver problemas sociais de forma imediata e irrreversível. De alguma maneira, o messianismo político é uma modalidade profana de uma crença religiosa. Em que meio social medra o messianismo político? O messianismo político parece ser um fenómeno universal, independente de épocas e contextos históricos. Mas é especialmente forte em meios sociais nos quais se conjugam três fenómenos: (1) Grande peso das tradições e das regras costumeiras; (2) Percepção da erosão dessas tradições e dessas regras; (3) Níveis de pobreza multidimensional elevados.
23 dezembro 2015
Filipe Nyusi, expectativas e messianismo político [1]
Notas sobre nomofobia em Maputo [2]
Segundo número da série. Eis uma hipótese forte, que é a coluna vertebral da série: a cidade de Maputo está cheia de nomófobos [sobre nomofobia leia aqui] de todas as idades, mas especialmente jovens. Em que sentido? Se não se importam, prossigo mais tarde.
Produção de definições
A produção regular, oficial e pública de definições e de etiquetas não é usufruto de qualquer um. Assim, certos grupos hegemónicos controlam ciosamente os seus meios de produção, estabelecendo, mesmo, a sua propriedade. É a partir dos meios de produção de definições e etiquetas que os grupos e seus intelectuais definem politicamente os comportamentos como bons e maus, normais e anormais, justos e injustos, permitidos e interditos.
Faz falta no país
Faz falta no país uma pesquisa sobre os estereótipos políticos, sobre a produção política de crises partidárias, sobre a ilusão de transparência de afirmações e de fenómenos, sobre o imenso amor ao Único e ao Mesmo, sobre a propaganda, o proselitismo, o profetismo caseiro. Faz falta - para dizer como Pierre Bourdieu - "politizar as coisas cientificando-as" e "pensar a política sem pensar politicamente".
22 dezembro 2015
BM aponta para o fim do ciclo de aperto monetário
Fontes
Nenhuma fonte escrita é, à partida, menos verdadeira do que uma fonte oral. Salvo se quisermos fazer finca-pé numa opção normativa, ambos os tipos de fontes são porosos ao refazer factual, à erosão do tempo, ao erro de análise, ao prejuízo, ao juízo de valor, às múltiplas opções culturais, à manipulação política deliberada na tensão das relações de poder.
21 dezembro 2015
No "Savana" 1145 de 18/12/2015, p.19
Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato. Nota: "Fungulamaso" (abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre com 148 palavras na página 19. A Cris, colega linguista, disse-me que se deve escrever Cinyungwe. Tem razão face ao consenso obtido nas consoantes do tipo "y" ou "w". Porém, o aportuguesamento pode ser obtido tal como grafei.
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