31 dezembro 2019

Striptease

A matriz que organiza o corpo em função de um certo tipo de nudez e segrega a sexualidade de mercado tem no striptease a sua coluna vertebral. O striptease permite dois movimentos de erotismo: a sexualização no primeiro movimento, a dessexualização no segundo movimento.
Ambos são totalmente criação androcêntrica. O primeiro movimento é constituído pelo conjunto de signos destinados a despertar o público para a nudez feminina, de par com a música e com os movimentos eróticos da mulher. O início do desnudamento do corpo da mulher é a antecâmara do sexualismo de circo produzido pelo homem. O cabaret, antónimo do lar, é o veículo subversor do conjunto que é a mulher, em favor unicamente da sua sexualidade - como diria Roland Barthes, da "nudez como vestuário natural da mulher" .
O segundo movimento completa e inutiliza o primeiro pelo excesso, pela ênfase. O ritual do strip-tease acaba, afinal, por "dessexualizar a mulher no próprio momento em que é despida", para usar, de novo, uma imagem de Roland Barthes. Cenário, acessórios e estereótipos mostram a nudez para melhor a fazerem esquecer, confinando-a ao mundo do espectáculo.

30 dezembro 2019

Uma coluna semanal

"Fungulamaso" (=abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre na página 19 com 148 palavras. Edição 1355 de 27/12/2019. Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato.

29 dezembro 2019

Processo

Tudo está em processo, em permanente construção e reconstrução na mobilidade urbana, em todas as suas ramificações capilares e andróginas. Não se está já na tradição, mas não se chegou ainda à modernidade. O está-se a ser, o entre-dois, são a regra. Constrói-se desconstruindo, inventa-se reinventando, destrói-se mantendo, vai-se regressando, caminha-se para atrás porque se vai para a frente. Tudo é canibalizado num movimento browniano, contraditorial.

28 dezembro 2019

Uma coluna de ironia

Na última página do semanário "Savana" existe uma coluna de ironia - suave nuns casos, cáustica noutros - que se chama "À hora do fecho". Naturalmente que é necessário conhecer um pouco a alma da vida local para se saber que situações e pessoas são descritas. Segue-se um extracto reproduzido da edição 1355, de 27/12/2019.
Nota: o acesso ao Savana digital tornou-se um exclusivo dos assinantes razão por que deixei de colocar a edição completa aqui e na crónica semanal que divulgo à segunda-feira.

27 dezembro 2019

Para a psicologia dos rumores em Moçambique [149]

-Lenda urbana, boato ou rumor é "um relato anónimo, breve, com múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contado como verdadeiro e recente num meio social do qual exprime de maneira simbólica os medos e as aspirações." (in Renard, Jean-Bruno, Rumeurs et légendes urbaines. Paris: PUF, 2006, 3.e éd., p.6).
Número inaugural da série aqui. Número anterior aqui.
Vou finalizar a história do rumor da prisão da chuva no céu - sétima desta série -, da seguinte maneira:
O problema de compreensão torna-se dramático quando histórias falsas no seu sentido real são sentidas como verdadeiras no seu sentido figurado. Ou, dito de outra maneira, quando histórias objectivamente falsas são, porém, sentidas como subjectivamente verdadeiras. É como se estivéssemos confrontados com uma metalinguagem do vivido social cujas regras nos escapassem.
Nota: os rumores que estou a apresentar não seguem uma ordem cronológica.

26 dezembro 2019

Racismo biológico

Racismo biológico é um conjunto de representações sociais que atribui valor positivo ou negativo a características físicas normalmente consideradas hereditárias. Este tipo de racismo - digamos que é o racismo por excelência, o racismo fundador - tem sido usado na história para justificar a opressão social e, no seu clímax, o genocídio, estando intimamente associado à luta pelo monopólio de recursos de vida e poder.

25 dezembro 2019

Votos

Feliz Dia da Família para cada uma e cada um de vós.

Generalização

A generalização é um dos mais fascinantes campos da cognição humana. A partir de traços, de atributos, de características de alguns indivíduos de um determinado grupo, criamos totalidades, unidades identitárias, sem que tivéssemos podido verificar se todos os indivíduos do grupo possuem esses traços, esses atributos ou essas características. Mas, felizes, dizemos: eis a verdade.

24 dezembro 2019

Dois tipos de consciência

Podemos considerar dois tipos de consciência: a imediata, digamos que instintiva, dos actores sociais que conhecem o papel que jogam ou que julgam jogar na trama da vida; e a consciência social, consciência de profundidade, consciência panorâmica e telescópica reportada ao conjunto dos eixos mais profundos pelos quais as sociedades (e não os indivíduos em si) são produzidas e reproduzidas (este é um nível mais elevado, mas nem sempre a consciência social é - para usar um paradoxo - consciente).

23 dezembro 2019

Uma coluna semanal

"Fungulamaso" (=abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre na página 19 com 148 palavras. Edição 1354 de 20/12/2019. Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato.

22 dezembro 2019

Para a psicologia dos rumores em Moçambique [148]

-Lenda urbana, boato ou rumor é "um relato anónimo, breve, com múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contado como verdadeiro e recente num meio social do qual exprime de maneira simbólica os medos e as aspirações." (in Renard, Jean-Bruno, Rumeurs et légendes urbaines. Paris: PUF, 2006, 3.e éd., p.6).
Número inaugural da série aqui. Número anterior aqui.
Prossigo a história do rumor da prisão da chuva no céu.
Sem dúvida que é sempre muito difícil entendermos a expressão do pensamento simbólico, especialmente quando esse pensamento nasce no interior de situações sociais de crise, situações cujos medos e cujos anseios reais aparecem traduzidos em rumores, em boatos ou em lendas.
Nota: os rumores que estou a apresentar não seguem uma ordem cronológica.

21 dezembro 2019

Uma coluna de ironia

Na última página do semanário "Savana" existe uma coluna de ironia - suave nuns casos, cáustica noutros - que se chama "À hora do fecho". Naturalmente que é necessário conhecer um pouco a alma da vida local para se saber que situações e pessoas são descritas. Segue-se um extracto reproduzido da edição 1354, de 20/12/2019.
Nota: o acesso ao Savana digital tornou-se um exclusivo dos assinantes razão por que deixei de colocar a edição completa aqui e na crónica semanal que divulgo à segunda-feira.

20 dezembro 2019

Território cognitivo

O território que é o nosso, o território no qual habitamos, o território com as suas fronteiras convencionais, é bem mais do que um território físico, bem mais do que o território de uma comunidade, de um país. É, também (talvez devesse dizer principalmente), um território cognitivo, um território de determinados costumes, de determinadas regras, de determinadas maneiras de encarar a vida, de determinados grupos e classes sociais.

19 dezembro 2019

Por horas

E assim, por horas, pendularmente, nas casas da especialidade, mulheres-classe baixa tratam das unhas das mãos e dos pés e depilam mulheres-classe média-classe alta, gerindo seu duplo poder, o poder da gestão corporal e o poder confessional; por horas, as clientes falam de suas vidas, desabafam suas necessidades, desfilam suas esperanças, acompanhadas pelo aquiescer gentil das empregadas, pelas suas breves e acompanhantes perguntas, em meio ao contacto corporal.

18 dezembro 2019

O problema

O problema é mais vasto do que a nossa individualidade: reside na realidade de sermos produzidos pelas relações que julgamos produzir.

17 dezembro 2019

Para a psicologia dos rumores em Moçambique [147]

-Lenda urbana, boato ou rumor é "um relato anónimo, breve, com múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contado como verdadeiro e recente num meio social do qual exprime de maneira simbólica os medos e as aspirações." (in Renard, Jean-Bruno, Rumeurs et légendes urbaines. Paris: PUF, 2006, 3.e éd., p.6).
Número inaugural da série aqui. Número anterior aqui.
Prossigo a história do rumor da prisão da chuva no céu.
A propósito desse rumor, escrevi no número anterior ser fundamental recordar um extracto de um trabalho publicado pelo semanário "Domingo" a 8 de Março de 2009, trabalho que situa o fenómeno num conjunto de problemas sociais graves, a saber:
"De ressalvar que as reservas alimentares estão efectivamente a diminuir em grande parte das zonas atingidas pela onda de saques e mortes, problema que poderá agudizar-se durante os próximos dois meses. A região onde foram reportados tumultos por falta de chuvas tem a tradição de produzir arroz e coco. O coco debate-se com o problema do amarelecimento letal. Os coqueiros estão a morrer. As pessoas no momento em que as reservas alimentares se esgotavam recorriam ao coco. Levavam o coco, vendiam e compravam farinha ou peixe. Não havia nenhum problema, explica a administradora Sebastiana (de Nicoadala, C.S.) (...) Essa falta de alimentação não é de uma casa só. Se esses todos reclamam e vem alguém dizer olha vocês não estão a ver que quem está a comer é o fulano, o tal que esconde a chuva, as pessoas são facilmente enganadas, porque costuma-se dizer onde há fome todos ralham e ninguém tem razão, esclarece a administradora ." (p. 19)."
Nota: os rumores que estou a apresentar não seguem uma ordem cronológica.

16 dezembro 2019

Uma coluna semanal

"Fungulamaso" (=abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre na página 19 com 148 palavras. Edição 1353 de 13/12/2019. Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato.

15 dezembro 2019

Regresso

Olá, boa tarde para cada uma e cada um de vós. Um complicado problema de saúde obrigar-me-á a estar ausente do país durante algum tempo para tratamento médico. Mas creiam que todo farei para manter vivo este blogue já tão antigo, está bem? Que a saúde habite o vosso domingo.

09 dezembro 2019

Uma coluna semanal

"Fungulamaso" (=abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre na página 19 com 148 palavras. Edição 1352 de 06/12/2019. Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato.

08 dezembro 2019

Três movimentos

A complexidade da vida obriga os seres humanos a produzir quadros e categorias simplificadoras e domesticadoras do social, que operam através de três movimentos: julgamento retrospectivo (do género "se assim foi no passado, sempre assim será"), indução simplificadora (trata-se do "efeito do corvo negro": se encontramos um corvo negro, somos tentados a supor que todos os corvos são negros) e precedência afectiva (primeiro os “nossos”, depois os “outros”).

07 dezembro 2019

Uma coluna de ironia

Na última página do semanário "Savana" existe uma coluna de ironia - suave nuns casos, cáustica noutros - que se chama "À hora do fecho". Naturalmente que é necessário conhecer um pouco a alma da vida local para se saber que situações e pessoas são descritas. Segue-se um extracto reproduzido da edição 1352, de 06/12/2019.
Nota: o acesso ao Savana digital tornou-se um exclusivo dos assinantes razão por que deixei de colocar a edição completa aqui e na crónica semanal que divulgo à segunda-feira.

06 dezembro 2019

Posições

Interessa-me o movimento e não a chegada, o pensamento mais do que a certeza, não a história mas a mentalidade com que a abordamos, não as conclusões da análise mas a própria análise, não o eruditismo arquivístico mas a análise; não são os factos que me interessam mas a actividade intelectual, interessa-me mais a análise de um tema do que o achado de um testemunho histórico, mais o instrumento do que a obra, mais os espíritos do que os papéis; não são as conclusões de qualquer análise que provocam uma actividade intelectual efectiva mas a própria análise, não viso a dar dogmas mas a excitar os espíritos, formulo problemas não dou soluções; uma hipótese fecunda tem mais valia do que a nudez de um "facto". - selecção e adaptação pessoal de algumas das posições do ensaísta e pedagogo português António Sérgio, in Ensaios, Obras Completas, Tomo IV. Lisboa: Clássicos Sá da Costa, 1972, pp. 204-224.

05 dezembro 2019

A lógica da política

"Os grupos (em particular as classes sociais) são sempre, em parte, artefactos: são o produto de uma lógica de representação que permite a um indivíduo biológico, ou a um pequeno número de indivíduos biológicos, secretário-geral ou comité central, papa e bispos, etc., falar em nome de todo um grupo, de fazer falar e marchar o grupo "como um só homem", de fazer crer - e em primeiro lugar ao grupo que representam - que o grupo existe. (...) A lógica da política é a da magia ou, se se preferir, do feiticismo." - Pierre Bourdieu, Desnudar os pilares do poder, entrevista com Didier Éribon, Libération, 19 octobre 1982 [tradução minha, CS].

04 dezembro 2019

Estado de crença

Toda a investigação, aí compreendida a científica, bem como qualquer modesta pergunta, visa obter um estado de crença, visa essencializar-se. Cada um de nós passa a vida a crer ou a tentar crer. A única função do pensamento é a de produzir a crença e a de eliminar a dúvida. A crença é, na realidade, como defendeu Charles Peirce, uma regra de acção pela qual ajustamos as nossas expectativas à realidade social e natural. A crença é um processo que nos permite passar do desconhecido ao conhecido, da dúvida à certeza, do sofrimento ao bem-estar, do hoje ao amanhã.

03 dezembro 2019

Visão individualizadora do social

Na visão individualizadora do social, o ponto central não é apenas a pessoa, o indivíduo, mas o episódico, o circunstancial, o evento único, o efémero, a superfície desgarrada e caótica dos fenómenos sociais, aquilo que aparece à tona dos actos sociais em sua crua unicidade, a biografia, o papel decisivo do indivíduo, o que cada um pensa e faz, o eu por cima, a lógica formal, o princípio disjuntivo (ou isto ou aquilo), enfim a árvore em sua plenitude. É como se a foto pudesse viver sem o caixilho. E nos casos em que surge um sistema, é o sistema do romance policial, o sistema que alberga apenas um determinado fenómeno.
Adenda: lembre a visão socializadora neste blogue aqui.

02 dezembro 2019

Uma coluna semanal

"Fungulamaso" (=abre o olho, está atento, expressão em ShiNhúnguè por mim agrupada a partir das palavras "fungula" e "maso") é uma coluna semanal do "Savana" sempre na página 19 com 148 palavras. Edição 1351 de 29/11/2019. Se quiser ampliar a imagem, clique sobre ela com o lado esquerdo do rato.

01 dezembro 2019

Ponto central

O ponto central não é apenas o social, mas o sistema em toda a sua complexidade, a articulação, o encadeamento, a chave do funcionamento dos indivíduos e dos colectivos, o conjunto dos dispositivos que dão sentido e frequentemente determinam o que se pensa e se faz, o conjunto interligado dos indivíduos determinado por baixo, a base de tudo situada em baixo do que se pensa, o papel decisivo das condições históricas herdadas e tornadas regra, a lógica dialéctica, o princípio da copulativa (isto e aquilo), enfim a floresta. É como se nenhuma foto pudesse viver sem o caixilho, seu suporte. O sistema não é o do romance policial, mas o da estrutura que orienta e ilumina não importa que romance da vida.

30 novembro 2019

Uma coluna de ironia

Na última página do semanário "Savana" existe uma coluna de ironia - suave nuns casos, cáustica noutros - que se chama "À hora do fecho". Naturalmente que é necessário conhecer um pouco a alma da vida local para se saber que situações e pessoas são descritas. Segue-se um extracto reproduzido da edição 1351, de 29/11/2019.
Nota: o acesso ao Savana digital tornou-se um exclusivo dos assinantes razão por que deixei de colocar a edição completa aqui e na crónica semanal que divulgo à segunda-feira.