29 janeiro 2008

Quem é o inimigo? (5) (prossegue)

Prossigo esta série (há muita coisa por investigar com profundidade e por isso o que aqui tento é apenas um conjunto pequeno de hipóteses). O grupo revolucionário da Frelimo tem um objectivo: o de construir uma sociedade diferente, mais justa, mais solidária. Primeiro Mondlane, Samora depois, disseram e escreveram que não fazia sentido manter intactas as estruturas do sistema capitalista. Construir o homem novo, slogan da época, traduz a busca de um futuro diferente, digamos que milenarista. As frentes da saúde e das escolas, por exemplo, são um testemunho do enorme desejo de aí chegar. Mas a rígida e quase puritana ordem político-militar da guerrilha (decalcada nas cidades e para todo o país rural através de roldanas políticas cerradas), por um lado, o rolo compressor do discurso classista por outro (conjugado com um tecnocratismo intransigente e estrangeiro às possibilidades diferentes de fazer coisas e de tentar mudar a vida das pessoas), encontram vários tipos de resistência. O conjunto dessas resistências (a palavra sabotagem aparece imenso nos escritos jornalísticos da época, muitas vezes associada à candonga e ao cartoon político da época, o do xiconhoca) despoleta o conjunto das duras medidas tomadas pela Frelimo contra o que entende serem múltiplos inimigos, antigos e presentes: afixação pública das biografias daqueles que participaram nas estruturas ideológico-repressivas do aparelho de Estado colonial, chicotadas, fuzilamentos, campos de reeducação, operação produção dos anos 80 e ofensiva político-organizacional (esta ofensiva procurou fazer face como que à inércia do social). A intimidação permanente operada pelos regímens racistas e capitalistas da África do Sul e da Rodésia do Sul, traduzida por múltiplas acções - entre as quais as militares - torna os revolucionários mais agressivos, mais intransigentes. A combinação da intimidação externa com a agressividade revolucionária interna dá origem, entre outros fenómenos, ao surgimento de um movimento de guerrilha que hoje se chama Renamo.
Nota: a qualquer momento posso rectificar algo neste texto. Caso isso venha a acontecer, colocarei a vermelho as partes modificadas ou acrescentadas.

1 comentário:

umBhalane disse...

Verdadeira catarse.
E a verdade não mata.
Cura.
Análise cuidada (pudera), e rigorosa.

E ainda por cima, com o usual aviso de eventuais rectificações, que serão sempre assinaladas.

Obrigado Professor.