11 fevereiro 2008

Carta para o Senhor Presidente da República, Armando Emílio Guebuza

Senhor Presidente
O ano passado, quando das explosões do paiol de Malhazine, escrevi-lhe a minha terceira carta.
Agora, após o sismo social na periferia de Maputo, cá estou de novo a escrever-lhe uma carta, esta é sétima desde 30 de Janeiro de 2007.
Presidente: a gente humilde desapertou os cordões à bolsa para poder ter festas melhoradas no fim de 2007, como sempre, afinal, faz todos os anos. Entrou em Janeiro com a expectativa de um ano melhor, como em todos os Janeiros entra, mas com a bolsa minguada e a fazer contas para, entre outras coisas, como também sempre acontece, tratar da inscrição dos filhos nas escolas, da compra de livros e de outro material escolar, de fardas, etc.
E foi quando fazia essa e tantas outras contas do orçamento familiar, que lhe caiu em cima, a 5 deste mês, a notícia do aumento dos preços do pão e dos chapas. Tudo muito rapidamente, Presidente, com a eficácia inexorável de um sismo tecnocrático.
E, depois, a gente humilde revoltou-se, deu origem ao sismo social de continuidade, a gente humilde que passa dificuldades de sobrevivência diárias, muita da qual não tem 13.º mês, a gente humilde que nada sabe dos preços do trigo e do combustível no mercado internacional, que apenas sabe que a sua vida tem sempre um ponto de interrogação diário.
Enquanto isso, andou e anda outra gente, Presidente, dizendo que o nosso povo é pacífico, que em si nada teria feito perante o sismo tarifário e a frieza burocrática do governo se não fosse a mão perversa de uma agenda externa, de uma agenda má. Por outras palavras, gente que passa ao povo um atestado de vegetal, resignado e comestível.
Ora, Presidente, foram homens, mulheres e crianças quem se revoltou, no sismo social sobrevindo estavam lá elas, as mulheres, aquelas que gerem lares e orçamentos e pontes sociais; as crianças e os adolescentes, aqueles que andam nas escolas, no comércio informal ou que, no caso dos mais velhos, estão desempregados. Chamar-lhes arruaceiros, marginais, é criminoso.
O ano passado, o Presidente assumiu que a culpa foi "nossa" a propósito das explosões de Malhazine. Mas este ano nenhuma culpa foi assumida por quem quer que seja do seu executivo.
Andaram ministros multiplicando-se pelos órgãos de comunicação em sábias dissertações sobre os preços internacionais. Mas não vimos ministros a fazer o que Samora Machel dizia em 1974 que deviam fazer: estar em permanência com o povo, ouvi-lo, dialogar com ele, deixar o conforto dos gabinetes.
E, Presidente, no dia 7, em medida apressada, tardia e demagógica, os TPM, empresa pública, puseram na rua os seus autocarros de luxo para tentar minorar a revolta, numa situação em que, em termos de transportes, tudo foi entregue ao processo negocial com os chapistas. Autocarros que, como o Presidente sabe, não foram comprados para servir o povo.
Presidente: há coisas que não podem ser privadas, coisas que um Estado deve assumir imperativamente. Pão e transportes condignos a preços subsidiados são duas dessas coisas. Dir-me-á que isso é quimérico, que o mercado não permite isso. Seja. Mas deixe-me ao menos ser isso, quimérico.
Demitir-se o Estado do seu papel de Estado social é demitir-se do Povo, é abandoná-lo. Abandoná-lo, é deixá-lo refém de discursos tecnocráticos, de caminhos estatísticos, é caminhar para a perda de legitimidade.
Acusamos o rio de violência, Presidente, mas esquecemo-nos muitas vezes das margens que o comprimem; acusamos o povo de ser tumultuoso e esquecemo-nos de nos perguntar se não somos nós os tumultuadores.
O povo de Maputo guarda ainda a memória dorida das explosões de Malhazine e guardará agora a memória da revolta de 5 de Fevereiro. De alguma forma criou-se - permita-me a expressão - uma zona sismológica social permanente. E essa zona não poderá, agora, ser esquecida nem molestada. Tanto mais que Maputo é bem mais do que o Sul de Moçambique: estando aqui gente de todo o país, a cidade é uma espécie de concentrado nacional.
Perdoe-me tê-lo incomodado uma vez mais.
Respeitosos cumprimentos.
Carlos Serra

12 comentários:

Nelson disse...

Uma "ganda" carta. Com os devidos créditos levei ela ao "Meu Mundo".
Abraços e votos duma excelente semana trabalho.

Anónimo disse...

Parabens prof. Carlos pela carta,

Anónimo disse...

Gostei da carta Dr. Serra mas infelizmente temos um governo de ignorantes e analfabetos, lamento mas eles nem se vao dar ao trabalho de ler a carta pq nao passam de uma cambada de ignorantes, preguiçosos.
Mais revoluçoes destas são necessarias até o governo pensar numa politica social para este povo q tanto precisa.
mais uma vez parabens.
Rui "cheeco"

Anónimo disse...

1. O blogue do Dr Serra é relevante, indispensável e extremamente importante na situação actual.

2. Acho inúteis e erróneas as acusações do "rui" que os membros do governo sejam igorantes, preguiosos e anafabetos, etcetera.

Anónimo disse...

Acho que já é momento de termos uma sociedade civil para que a voz do povo cheque regularmente ao destino.
Espero que o Senhor Presidente tenha visto a carta do Professor.

Grato pela vontade de ver um Moçambique cada vez melhor.

Maxango

Anónimo disse...

Gostaria muito de ver alguém comentar o problema destes aumentos que deram origem a tudo. Não haveria interesse em se efectuarem as contas e determinar-se o custo por Km dos "chapas"? Há dias ouvi alguém da Associação dos transportadores a ditar números que me pareceram pouco reais fazendo eu contas simples... Há certamente gente capaz de as fazer.
Só vejo pedirem subsídios! Não sou nada contra os subsídios,porque os transportes urbanos não costumam ser rentáveis, mas todos precisamos de saber de quanto falamos e também se esses transportadores pagam impostos. Ouvi dizer que já há subsídios ao combustível há muito tempo, mas para isso os proprietários precisam de fazer entrega de comprovativos de receitas e despesas e pagar os impostos que eventualmente sejam devidos. É assim? Se sim porque isto não se diz?

Anónimo disse...

Caro anonimo! Bela questão esta a das contas do subsidio aos transportadores, finalmente alguém despertou-nos para a tão importante questão de investigação operacional. Como subsidiar;Como chegar ao valor do subsidio;A quem subsidiar etc.

Vou tentar espreitar o caminho que provavelmente nos conduziria a uma resposta.

Estou ciente de que estamos diante de uma equação não facil de resolver devido a complexidade do proprio sistema de transportes.

Para chegarmos a uma resposta das questões que o caro anonimo coloca-nos precisariamos dos seguintes elementos:

(1)Que os chapas tivessem uma contabilidade organizada que permitisse apurar os seus custos operacionais e as suas receitas.

(2)Que o conceito de custo fosse o mesmo para todos. Exemplo Qual é o custo em combustiveis e lubrificantes? Qual é o custo de Manutenção? Qual é o custo de seguro? Qual é o custo de licenças e taxas municipais? Qual é o custo em Salarios e Remunerações? Quais são os outros custos?

(3)Que o conceito de receita fosse o mesmo também para todos, isto é a soma de todos os 5 MTN ou 7,5MTN antes de suportar qualquer custo isto é que é receita no sentido correcto.

(4)Que a noção de lucro fosse igual e verdadeiro para todos neste caso o lucro seria todo o dinheiro arrecadado menos o total dos custos referenciados em (2)incluindo os custos não desembolsaveis como as amortizações e provisão para danos inesperados que não necessitem da intervenção do seguro.

(5)Que todos os operadores estivessem devidamente inscritos e que a informação financeira da sua actividade fosse padronizada a nivel sectorial para efeitos de analise comparativa intra-sectorial.

Se hipoteticamente tivessemos os Cinco elementos em dia estariamos em altura de estudar uma maneira razoavel de chegar a um subsidio fundamentado com numeros e argumentos mais ou menos validos.

Como pode ver caro anonimo ninguém sabe qual é o lucro médio do chapeiro, os conceitos de lucro e receitas andam confundidos, não há contabilização dos custos suportados nem das receitas arrecadadas,há excesso de irregularidades na estrada (talvez incluisse nos custos os subornos aos policias de trânsito)enfim muita pirataria e desordem no sistema.

De tudo que mencionei e face a situação actual dos transportadores irá resultar o seguinte:
Qualquer forma de subsidio a ser fixado será ambigua e sem fundamento e mais uma vez o people correrá o risco de consumir decisões mal tomadas e analisadas.

Aos policy makers evitem novos "sismos sociais" please.
Não custa é so usar um pouco mais os cerebros se não os tem peçam os que podem ta!

Tchau

Maxango

Anónimo disse...

Ainda na discussao da carta, do meu lado nada fora de parabenizar ao Professor carlos Srra pelas iniciativas incansaveis. Entrando na discussao, vou fazer um olhar a comentario do caro Rui sobre as palavras injurias para com o governo ainda mais ao "Estado". Primeiro dizer que este blog do professor Serra e um simples meio, acho que nao e blurb e nem sitio de picapau de insultos e ofensas em nome da liberdade; segundo reivindicar nao e inimizade e nao e proferindo palavras defamatorias; terceiro, respeitemos ao comandante do blog que e professor Serra, assim para que nao venha a ser ostracisado pelos que entendem mal as coisas; quarto, o governo de Mocambique tem quadros formados e capaz de analisar; quinto, o blog de Carlos Serra e lido quase em todo mundo, o que nao e aconselhavel um mocambicano no seu pais ou qualquer que seja defamar usando tais palavras, outro mundo percebe-nos mal nao so ao governo assim como o individuo que e o cidadao.
Sexto e ultimo, concordo consigo na ideia de encorajamento ao professor Serra sobre a carta para o presidente da Republica.
Ainda mais, recordo da letra do Azagaia onde fala da caneta e o papel que serao os meios para golpe de Estado.
Aplaudindo a ideia e dizendo aos amigos leitores que essa iniciativa esta no contexto da democracia e liberdade da expressao. Tambem caro leitor pode vassalar na ideia nao defamando.

Abracos.

Carlos Serra disse...

Obrigado a todos pelos comentários. Sempre que necessário escreverei cartas ao presidente Guebuza. Já se tornou hábito, não é?

Anónimo disse...

Ainda que sejam correctos todos os seus pontos (Anónimo2, passei a ser 1), para um sector que nada tem, eu já nem pensava em tanto rigor técnico e financeiro! Podemos caminhar mais devagar...

Receitas - O Gov. poderia fazer uma amostragem (pessoal da Estatística não poderia fazer?), que não me parece tão complicada. Seleccionavam várias rotas e "montavam" piquetes e ao fim de 5/6 dias já tinham muitos dados para analisar.

Despesas - As despesas se calhar seriam as mais fáceis de determinar, porque há regras que podem ser aplicadas. Em sectores onde não há dados, estas são mais que boas.

Lucro - Quanto ganham os chapas? Ninguém sabe. Segundo o que consta, os proprietários estipulam uma verba diária que os seus trabalhadores têm de entregar... o resto é deles mais o salário.
(Há dias um amigo para tentar perceber a situação salarial tentou acenar com um salário de 5.000 Mt a um cobrador de chapa, mas ficou pasmado, não foi atractivo para ele!)

Depois de obtidos estes dados têm de se fazer contas, deixando umas variáveis para reajustes futuros!

Será que estou a fazer tudo muito simples? Se calhar não é mesmo complicado!

Agora se não há dados nenhuns e se não se forem obter, não vejo como vão subsidiar o que quer que seja!
Ao gosto de cada um? Á medida da dimensão do proprietário? Quem gritar mais?

Não estará na hora dos transportadores saírem do "Informal" e passarem a "Empresários" mesmo que pequenos?
Porque é que, sendo um sector tão importante que a sua paralização implica a paralização de uma cidade, como podem continuar a ser "informais"?

Tem de haver um processo expedito de "controlar" este sector para uma fase experimental. Não há nada exacto (só a matemática), se não der certo vamos corrigir, mas algo tem de ser feito.

Todos deveriam entregar mensalmente dados da sua exploração como por exemplo - Kms percorridos - comprovativos de consumo de combustíveis e -receitas.
Nesta altura receberiam o "subsídio" a que teriam direito com base em regras que o Estado estudaria.
Assim poderia ser atractivo fazerem declarações mais verdadeiras para receberem mais.
Os chapas também poderiam ter bilhetes, porque não? Os canhotos justificavam receitas, os recibos de abastecimento as despesas directas, os Kms é ler.

Por muito que custe no início, tem de se disciplinar alguma coisa! Não pode ser sempre por cima do joelho! Só adiamos um problema!

Também tem de se começar a ter por hábito esclarecer o Povo das "contas" que se fazem, para que entenda as razões de alterações, que muitas vezes podem ser legítimas, mas ele não sabe.
O Povo não entende, pensam alguns intelectuais, mas eu acho que é puro engano, eles vão entender, desde que se crie o hábito de falar "para" ele. Acho que ele merece mais explicações, para além das esfarrapadas que ouvimos dos Dirigentes!

Carlos Serra disse...

Cá por mim não tenho qualquer dúvida de que é uma excelente proposta, eu próprio bem mais modestamente aqui sugeri algo nesse sentido. Mas tenho sérias reservas de que ao nível do governo seja tomada semelhante iniciativa. Há, no chapismo, sérios interesses empresariais...

Anónimo disse...

A minha opinião é de não se comecar a distribuir dinheiros de qualquer maneira porque para retirar-lhes será mais um problema. Eu ando muito desconfiado sobre se o subsídio será para resolver os problemas que enferma o país.
Subvencione-se combustível para todos do Rovuma a Maputo e estude-se uma política de transportes publicos adequada e sustentável.

Portanto, concordo com as dúvidas do Maxango,

Abracos
Reflectindo