19 fevereiro 2008

Quem é o inimigo? (7) (fim)

Eis o término desta série com o título em epígrafe.
Em 1992 foram assinados os acordos de Paz de Roma entre a Frelimo e a Renamo. Terminada a guerra, começou no país uma vida diferente.
Por um lado, tratou-se de curar as feridas da guerra, de reconstruir o destruído. Por outro, tratou-se de colocar o país decididamente na vida capitalista de crescimento económico, o que aconteceu sob liderança de Joaquim Chissano, sob o manto da busca da democracia.
As privatizações sistemáticas, a ligação cada vez mais íntima com as instituições financeiras internacionais, todo um novo espírito empresarial, conduzem a classe política governante ao abandono dos etiquetadores de inimigos de classe da era revolucionária.
Da guerra destruidora pelas armas passou-se para a guerra política dos símbolos, das urnas e da Assembleia da República. A Frelimo mantém um inimigo, a Renamo, mas agora despojado regra geral da identidade de inimigo de classe, guardando apenas a face de um grupo armado destruidor e inimigo do desenvolvimento e da unidade nacional. Por sua vez, a Renamo, convertida de movimento guerrilheiro em partido político e que se orgulha de ter trazido a democracia ao país, etiqueta a Frelimo como partido marxista-leninista, inimigo da liberdade e da democracia.
Entretanto, quanto mais se processa o enriquecimento da burguesia nacional, mais sistemático se torna o uso nos discursos políticos e nos mídia oficiais de dois novos tipos de inimigos: o inimigo animal e o inimigo patogénico. Animais e doenças transformam-se nos inimigos fundamentais.
Com a ascenção de Armando Guebuza à presidência da República, torna-se quase padronizado o recurso oficial ao "conflito homem/animal", a doenças como Sida, malária e tuberculose e a situações de carência como a fome. O presidente ainda passou por um outro inimigo, a preguiça, mas rapidamente o abandonou, eventualmente porque poderia trazer dissabores políticos complicados. Depois de 5 de Fevereiro, parece querer consolidar-se um novo inimigo: a mão externa, a mão invisível.
É de novo uma época de grandes apelos patrióticos à unidade nacional e de slogans políticos milenares, mas completamente esvaziada do selo do inimigo de classe da era revolucionária. O imperialismo foi literalmente enterrado no passado da "luta de classes" samoriana e substituído por um termo perfumado: globalização, algo de anestésico e amorfo que surge muito colado no imaginário social aos computadores e ao domínio das "tecnologias de informação". O capitalismo é, agora, total. Como desaguadouro lógico, o inimigo social levou sumiço político e foi substituído pela natureza, indócil e/ou perigosa. As relações sociais tornaram-se política e utilmente opacas.

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