Vamos lá, então, regressar à bela e fecunda crónica do Rogério Sitoe. Neste segundo número da série, vou tentar apresentar o seu argumento em seis unidades:
1. Precaução. Anda gente concentrada nos efeitos e não nas causas, o que, claro, "é mais fácil e cómodo". Mas sejamos realistas: importa entrarmos nas causas e deixarmos os efeitos. Eis como Sitoe situa o problema, com recurso às imagens do vulcão e da dança, o aviso de que "aproveitamentos políticos" podem ser "prováveis" e a ressalva de que pouco resolveria retirar Mercedes e benesses aos ministros: "É mais fácil contemplar o fogo dum vulcão e concluirmos ser perigoso e mortífero, porque o vemos, do que nos concentrarmos nas forças da natureza que produzem o fogo e a lava. Por isso, não me parece que dançarmos com palavras à volta dos pneus, dos paus e varapaus, das montras partidas, dos mortos e feridos, dos marginais e crianças nas manifestações, ou não, e dos prováveis aproveitamentos políticos, ajude muito seja a quem for. Nem a quem governa, nem aos governados. (...) Logo, importa compreender as forças que os impelem, porque as causas profundas que geram o fenómeno à superfície, continua latentes, e vão muito para além dos Mercedes e das benesses de ministros que, retirados, tão pouco resolveriam as carências dos desempregados da Polana Caniço e Maxaquene, quanto mais dos milhares de carentes de todo o país."
2. Consciência. O autor diz saber que as "causas profundas" podem ser várias. Mas como o espaço do jornal é pequeno, Rogério Sitoe decidiu circunscrever as causas a dois fenómenos: "Como não é possível esgotá-las nem tratá-las neste espaço, longe de mim tal ambição desmedida, delimitei duas: a forma religiosa como aplaudimos e aceitamos as prescrições do Banco Mundial e Fundo Monetário Internacional para um ajustamento estrutural mais preocupado com questões macroeconómicas e menos nos efeitos sociais, versus a nossa dificuldade de negociarmos para a nossa realidade objectiva e para o nosso destino."
3. Consequências globais. Metemo-nos nas coisas grandes, nos megaprojectos, amamos as estatísticas, somos bons alunos de Bretton Woods, tornámo-nos seguidistas, embarcámos na panaceia das vantagens comparativas ricardianas, deixámos dar cabo da indústria do caju: "Muitas das prescrições destas instituições multilaterais, passados estes anos evidenciaram-se como tendo sido autênticas receitas envenenadas. Vejamos: privatizamos empresa mas no seu lugar não foram repostas as médias e pequenas empresas, que de facto geram empregos e impulsionam de forma real a economia. Em contrapartida, a pretexto de atrair investimentos foi impingido o pressuposto dos megaprojectos que, pela sua natureza, usam tecnologia de ponta, sendo que os poucos postos de trabalho que abrem absorvem uma quantidade insignificante de mão-de-obra. Sob o conceito de “vantagens comparativas”, foi nos aconselhado a “destruir” a indústria de caju. Alegou-se, de acordo com as receitas políticas neoliberais, que era mais vantajoso para Moçambique não investir na industrialização e dedicar-se exclusivamente à exportação da castanha não processada. Falou e remeteu-se pelo menos 10 mil pessoas para o desemprego. Nas zonas rurais insistiu-se na primazia das infra-estruturas e menos no investimento directo ou indirecto ao indivíduo para que se criasse condições destinadas à emergência de produtores de larga escala no sector agrário."
4. Consequências directas nas cidades. São nefastas as consequências directas das "receitas envenadas" do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional: "Nas cidades, onde as novas famílias de imigrantes chegam e se concentram nas periferias, juntam-se a milhares de desempregados que a indústria de caju, as empresas privatizadas e mortas deixaram ao “ deus dará”. É um exército de desempregados que conta ruas, amaldiçoa a governação, revolta-se contra tudo, porque tem fome, pouca esperança sobre o futuro e não têm paciência para esperar mais."
5. Sugestão. Atento, o autor da crónica diz saber dos interesses das instituições de Bretton Woods e, para sairmos da garrafa, propõe que desenvolvamos a "capacidade negocial". : "Seja como, os sete milhões alocados aos distritos, quase que à revelia dos parceiros externos, o subsídio aos chapas, embora problemático a médio prazo, são pequenos sinais de que é possível não olhar as prescrições do Banco Mundial e FMI como versículos duma bíblia. Quer o Banco Mundial quer o FMI não intervêm no nosso país e em país algum, pela beleza dos nossos olhos ou por sermos um povo simpático. Têm interesses que incluem abrir as portas para o grande capital internacional. Nós somos apenas um subproduto. É preciso desenvolver a capacidade negocial, que permita traçar políticas mais próximas dos problemas económicos e sociais contextuais do país, pois ao fim do dia quem assume totalmente o ónus político e social é o governo, enquanto eles dirão simplesmente dez anos depois, por exemplo, que “reconhecemos que falhamos com a política do caju e com a agricultura”. A questão é antes cá dentro do que fora."
6. Conclusão. E Rogério Sitoe conclui o seu trabalho da seguinte forma: "O 5 de Fevereiro pode ser o exemplo mais desse facto."
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