Em carta de leitor, o jurista João Baptista André Castande resolveu reflectir sobre as manifestações populares em Moçambique. Pegou num dos lados do poliedro causal, o das instituições da nossa justiça.
Começou por citar Graça Machel : “(...) Mas aqui e agora vos asseguro: a revolta é tão grande que não cabe na concha do nosso silêncio deliberadamente preservado como de ouro. E sei, vejo e ouço centenas de milhares de vozes a exprimir a mesma revolta. Estamos a romper a timidez, que nos tentaram impor. Finalmente!(...) É de medo que tentam amordaçar a verdade e as instituições feitas para servir a causa do Povo. Quão gatos escondidos com o rabo de fora. (...) Não vai tardar que eles se afoguem nas ondas da ira popular. O exército do Povo está a reerguer-se!” – Graça Machel, in Metical, edição de 23-08-2001 (nota minha, C.S.: recorde o texto completo aqui, quando Graça homenageou Samora Machel, Carlos Cardoso e António Siba Siba Macuácua em 2001).
Depois escreveu o seguinte: "A minha intervenção neste contexto surge do facto de, durante estes trinta e dois anos da independência nacional, ter aprendido que em qualquer meio social a melhor solução é aquela que resulta da extirpação da causa dos problemas e não apenas do combate aos respectivos sintomas."
A seguir: "Explicando-me melhor, devo dizer que na verdade e concordando com o jovem político e compatriota Edson Macuácua, “temos no nosso país mecanismos convencionais, formais e informais, ao nível social, jurídico e institucional que são o meio adequado para a resolução de conflitos”. Mas perante os problemas concretos que agora se nos colocam, talvez seja aconselhável fazermos um exame de consciência e interrogarmo-nos se os mecanismos em referência funcionam a contento do povo? Ou, antes pelo contrário, estão amordaçados pelas forças hostis, como outrora corajosamente denunciou a compatriota Graça Machel? O que é que falta, afinal, para que tais mecanismos de resolução de conflitos funcionem de forma aceitável?"
E finalmente: "Desta feita, a par da destruição de objectos económicos e sociais que todos nós temos razão de lamentar profundamente, é preciso que não menosprezamos a quantidade de homens que são espiritualmente destruídos pelos desvarios e desvios comportamentais de um grupelho de pessoas beneficiárias da impunidade instalada."
Adenda às 23:42: a segunda parte do trabalho de Castande é ainda mais incisiva, publicada no "Notícias" de amanhã, mas já disponível em versão online. Extracto: "Mão externa? Não é elegante que depois de declararmos “guerra” sem quartel ao burocratismo, ao espírito de deixa andar e à corrupção, por serem reconhecidamente considerados obstáculos ao desenvolvimento económico e social, chamemos de mão externa aos efeitos próprios de percurso, para justificar a nossa fraqueza e/ou incapacidade combativa. Aliás, sendo a guerra um confronto entre duas forças, o mais importante é que cada uma das partes se prepare da melhor forma para fazer face aos truques mais requintados da parte contrária. A menos que tenhamos a coragem de desmascarar o rosto da dita mão externa! Por isso, o governante tem que ser amigo e praticante consequente da justiça na sua acção quotidiana. Sugiro, assim, que no nosso país temos que começar agir contra a acumulação de muitos cargos ou postos de emprego pelo mesmo grupo de pessoas, para dar emprego a cidadãos mais necessitados e carentes. Temos que abandonar o mau hábito de sentirmo-nos bem perante o sofrimento do nosso semelhante, porquanto ordena a lei aplicável aos governantes que “o exercício de cargos governativos implica o estrito respeito da Constituição e da lei, bem como das normas de ética profissional que garantem a transparência, o prestígio e a dignidade das funções exercidas e dos respectivos titulares”. Há que deixarmos, por conseguinte, de temer e marginalizar os concidadãos que pensam, sabem, são capazes e podem, para que a nossa Pátria amada possa avançar.
3 comentários:
Pois é, pois é, mas o jovem camarada Edson não quer saber disso, Dr. Castande. Importante é repetir o estafado discurso do malandreco invisível.
Xamuáli Sara, Samora conhecia bem certos camaradas de agora.
Não gosto de selvajeria, mas o Doutor Castande tem razão. E mais não disse.
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