16 fevereiro 2008

Tipo e características de luta na revolta popular de Maputo (4) (fim)

Tomando em conta as indicações dos meus estudantes, dos jornalistas e dos vídeos que pude consultar, vou a seguir produzir, como hipótese, um quadro do tipo e das características do sismo social de 5 de Fevereiro:
Actores: fundamentalmente jovens (muitos estudantes), com adendas de crianças e mulheres. Os mais velhos foram sobretudo observadores, mas aqui e acolá intervieram.
Instrumentos usados: paus, troncos de árvore, pedras e pneus.
Tipo de agrupamento: grupos em rápida movimentação, crescendo nas vias públicas, avançando e/ou recuando consoante a presença e a resposta policiais, em interacção permanente, aqui e acolá com recurso a telemóvel.
Alvos: símbolos de propriedade, de ligação com o aumento dos preços do pão e dos chapas, símbolos de repressão: padarias, postos de venda de pão, estabelecimentos comerciais em geral, bombas de combustível, bancos, carros parados ou em movimento (incluindo chapas), viaturas da polícia, residências, vias públicas.
Amplitude: lutas transversais, aparentemente iniciadas no Bairro de Magoanine e multiplicando-se rapidamente de bairro em bairro graças à rádio rua e ao telemóvel, partindo dos bairros para as vias públicas principais e para a cidade de cimento. Dificilmente um bairro periférico escapou ao sismo social.
Características: lutas imediatas, espontâneas, sem um comando central, sem uma estratégia prévia, sem líderes convencionais. O objectivo não é uma revolução, não é mudar as relações sociais, não é o inimigo n.º 1, mas os ícones do poder, tudo aquilo que no imaginário popular significa força, repressão, propriedade, bem-estar, opressão. O sismo social de Maputo foi ainda proto-político, mas pode tornar-se futura e rapidamente político. Estivemos em presença de lutas anárquicas.
Objectivos centrais: o objectivo não consistiu em derrubar o Estado, teve apenas o presente como horizonte, a luta não foi contra o Estado, mas contra um Estado considerado distante e ao serviço dos poderosos. De forma imediata, os objectivos centrais foram dois: (1) pela destruição, pela agressão e pelo roubo, marcar de forma imediata, assinalar rapidamente a revolta, o desgosto, o aviso de que as coisas têm de mudar; (2) chamar a atenção do Estado para uma identidade, a identidade dos excluídos.
Significado catárquico do pneu: saído dos bairros onde joga um papel fundamental a vários níveis, designadamente ao nível lúdico das nossas crianças, o pneu tornou-se uma das figuras centrais da revolta. Préfiguração do carro que não se possui mas que se deseja, incendiado, colocado nas vias públicas, o pneu representou, quando incendiado, uma força libertadora, catárquica. É esse pneu incendidado que, nos linchamentos, assume o papel de purificação dos agravos que as comunidades sentem diante dos ladrões ou de supostos ladrões.
A qualquer momento posso operar mudanças no texto, o que, a suceder, assinalarei a cor vermelha. Pedido: peço aos meus leitores que me corrijam em caso de erro ou me forneçam mais dados caso os possuam. Muito obrigado.

2 comentários:

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Então, faltava liderança! Pena não ter havido alguém que desse rosto e organização aos movimentos espontâneos das populações jovens! Porém, as relações sociais deverão ser mudadas, dado serem demasiado assimétricas. Falou de "excluídos". A corrupção só pode ser combatida com armas: os corruptos não largam (voluntariamente) o poder. :(

ester disse...

Bom dia, tenho acompanhado o seu blogue que é muito bom e util.
O que mais me faz ainda pensar em tudo isto, é o modo como tudo inicou : sms e mail.
Uma nova era de tecnologia ao impacto que levou tudo isto!