Na "Tribuna do Editor", escrito pelo jornalista Fernando Gonçalves, p. 10 do "Savana" desta semana, com o título em epígrafe (clique com o lado esquerdo do rato sobre a imagem para a ampliar):
(fim)
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
2 comentários:
João Fellet/entrevista com MIA COUTO
07/07/2009
Não contei aqui sobre um dos pontos mais altos da minha viagem: quando, em março, em Maputo , entrevistei o escritor Mia Couto — cuja obra costuma ser comparada, no Brasil, à do Guimarães Rosa.
Por uma hora, conversei com ele, entre outros temas, sobre a relação da África com o mundo, o cinismo que houve na comemoração da eleição do Obama no continente africano, o falatório gerado pelo acordo ortográfico nos países lusófonos e como moçambicanos e angolanos lidam com a sua antiga metrópole, Portugal.
Editar esse material provou-se quase impossível, já que, como notarão, em momento algum o Mia deixa de apresentar pontos de vista instigantes e originais sobre os assuntos propostos.
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O continente africano está vivendo o ciclo de crescimento econômico mais vigoroso desde o fim da era colonial. Entretanto, há casos notáveis de retrocesso, como o do Zimbábue, e vários outros países, como o Congo Democrático e o Sudão, vivem grande instabilidade política e social. No geral, a África está avançando?
MIA - Sim, o problema é que não se sabe para onde, qual é a direção desse progresso – progresso entre aspas. A África tem 30, 40 anos de independência e, feito um balanço, não se sabe se houve um crescimento. No conjunto, provavelmente sim, não sou da tribo dos “afropessimistas”. Mas vive-se hoje em grande parte do continente africano pior do que se vivia no tempo colonial.
A relação da África com o mundo não mudou e continua sendo uma relação colonial – nem sequer vale a pena chamá-la de neocolonial. A África não pode mais se entregar às mãos dessas elites que são predadoras e vorazes no consumo da riqueza, no que também não houve uma mudança. A África sempre teve uma relação em que elites minoritárias vendiam todos os recursos para o exterior. O que houve foi uma espécie de passagem de testemunho, uma mudança de turno, e só.
Como contrapor essas elites num continente em que praticamente não há classe média?
MIA - Imagino que surgirá uma pequena classe média a partir de conflitos internos. A África não é diferente do resto e sempre evoluiu por motores internos. São conflitos que estão surgindo hoje e são visíveis por exemplo aqui, em Moçambique, e na África do Sul, onde, além daquilo que são as forças históricas de contraposição política, estão surgindo outras. Há qualquer coisa nova no panorama em que a divisão não é mais aquela herdada do pós-independência, em que há os heróis libertadores de um lado, intocáveis, e do outro aqueles tidos como saudosistas do passado colonial.
Os confrontos em Maputo no ano passado causados pelo aumento do preço dos transportes e que resultaram em quatro mortes mostram que o país tem uma bomba-relógio nas mãos?
MIA – Sim. Para explicar o que houve, o governo recorre à teoria da conspiração: há uma mão organizou aquele movimento com intenções malévolas. Do ponto de vista da realidade social, isso corresponde a uma profunda insatisfação. As pessoas entraram em choque de incompatibilidade com esse sistema de funcionamento, de administração da sociedade.
Como fazer com que o país mantenha o ritmo de crescimento e reduza as tensões sociais?
MIA – Darei a pior resposta, porque, sendo escritor, tenho muito pouco a dizer sobre o assunto. Mas acho que o que mais falta faz é criar um pensamento produtivo. Perceber que esse discurso de culpabilização do outro, de invenção de inimigos, está gasto, sem perceber que é preciso encontrar caminhos novos, que é preciso encontrar uma outra maneira de construir a economia. Esse é o grande desafio.
Ao ler este artigo de Fernando Gonçalves, confesso, fiquei de todo arrepiado. Às vezes, quando se está perante um artigo destes, que classifico de uma coroa sem espinhos, mas com verdades, pouco significado terão os comentários. Quando é assim, a melhor coisa que faço é ler e juntar os factos: uma reflexão. Está tudo escrito. Está tudo dito. Cabe agora o povo, principalmente àqueles escribas que sempre duvidaram da razão, do que o “Sistema” é capaz de fazer. E não são poucos os bajuladores. Caiu-lhes a máscara. Desculpe-me aqui citar constantemente o meu mestre David Aloni, porque este homem previu o cenário do país muito antes da sua morte e disse-me muitas vezes “Viriato, não há sistemas eternos, não há partidos eternos. Esta Frelimo há-de cair de podre. Não tarda muito”. E recomendou-me a ler o “CENTELHAS” o seu livro que guardo com nostalgia. ESTE MUNDO DÁ VOLTAS.
Um abraço
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