18 junho 2009

Roubo do desenvolvimento para outros desenvolvimentos

Há problemas na infra-estrutura do trajecto ferroviário entre Marromeu e Inhaminga, província de Sofala. Com efeito, parafusos e porcas foram retirados do ramal de Marromeu presumivelmente para serem usados em redes de pesca, enquanto componentes diversas da linha férrea em Sena foram retiradas ao que parece para serem usadas no fabrico de lanças de caça. A qualquer momento pode ocorrer o descarrilamento de locomotivas na linha de Sena. Cinco suspeitos dos roubos estão neste momento detidos na vila de Marromeu. Um responsável da empresa Caminhos de Ferro de Moçambique falou em "pessoas de má fé" e em "vandalização" (Rádio Moçambique, noticiário das 17 horas).
Adenda: como sabem, tenho dedicado muitas postagens a esse fenómeno. Por exemplo, recorde aqui.

9 comentários:

Anónimo disse...

na da se perde nada se ganha
micro versus macro
Nadine

Anónimo disse...

terra da marrabenta.

Unknown disse...

O Prof. Serra também abordou este assunto na postagem de 14 Janeiro 2009, intitulada "Roubar o desenvolvimento para desenvolver outras coisas".
Na altura, tivemos uma troca de opiniões, mas o assunto entrou no arquivo e ficou esquecido. Claro que ele volta, de vez em quando, e certamente irá surgir e ressurgir sucessivamente, por muito tempo. Também nas minhas aulas de Economia do Desenvolvimento, tento que os estudantes o discutam, numa perspectiva mais económic. A lógica do roubo e corrupção vulgares, necessita de ser entendida pelos jovens economistas como parte de racionalidades económicas específicas.
Tal como fizemos ano passado, neste momento os estudantes da minha disciplina têm estado a reflectir sobre a racionalidade do famosos ditado "O cabrito come onde está amarrado". Já no ano passado debatemos este assunto. Espero que a análise saia melhor este ano, porque agora demos mais atenção aos modelos de crescimento económico. Também no ano passado tentamos expandir o ditado para novos desenvolvimentos acumulativos, desde que Guebuza começou a questionar (combater?) o deixa-andar e a focalizar-se em certos interesses económicos. Comparamos a ideia do cabrito comer onde está amarrado com uma outra com ela relacinada: "Não será que agora o cabrito começa a amarrar-se onde quer comer?".
Parece que há uns meses atrás um deputado da Renamo fez uso destas ideias na Assembleia. É interessante que assim seja, se bem que, às vezes, a vulgarização nos discursos políticos pouco ajuda a compreender os processo e dinâmicas reais. Vamos ver se os estudantes aplicam o que aprendem na teoria (com os modelos analíticos e matemáticos) à racionalidade do nosso quotidiano.
A cultura do cabritismo não abrange apenas os membros da Frelimo e do seu Governo. É um fenómeno mais amplo, relacionado com o tipo de instituições que estão a dominar o processo de crescimento e desenvolvimento económico, como a cultura de tudo roubar.
Voltando ao tema específico desta postagem - roubar ao desenvolvimento para desenvolver outras coisas. Isto é uma prática típica de instituições onde prevalece mais a transferência do que a actividade produtiva. As transferências podem assumir diversas formas, como os impostos, o roubo, fraudes, etc. Entre nós, moralizamos muito sobre isto, o que dificulta a análise.
O grande problema com esse tipo de instituições é que as actividades de transferência (como o roubo que aponta) transferem bem-estar de umas pessoas para outras, sem aumentar o montante total de valor e bens produzidos na economia. Do ponto de vista dos que se preocupam mais com a redistribuição da riqueza na sociedade, esta transferência pode parecer um mal menor. Porém, pensando melhor, é preciso não esquecer que o bem-estar colectivo só melhorará com aumentos de produção. Quando numa sociedade, como a nossa, as instituições canalizam mais recursos para actividades de transferência do que para actividades produtivas, a sociedade retrocede mais do que progredir.
Perdo-me pela extensão da nota. Só que esta postagem fez-me recordar a conversa que tinhamos iniciado e ficou interrompida, em Janeiro passado. Mas por favor, sempre que puder, não deixe de o referir este assunto. São exemplos simples mais bem ilustrativos de um dos problemas cruciais na sociedade moçambicana. Ou seja, um dos modelos de acumulação/crescimento que Moçambique está a desenvolver.
Um abraço
AF

Anónimo disse...

 Interessante a ligação do roubo e corrupção com “racionalidades económicas específicas”, ou seja: é como se cada um de nós, ou cada comunidade, constituísse um microcosmo com racionalidades próprias, MESMO QUE contrárias à racionalidade instituída pelo Cosmo/Estado/Constituição.

 Neste cenário, os microcosmos (desrespeitando o cosmo) comportar-se-iam como um “regime político cuja fundamentação é a ausência ou negação do princípio da autoridade (do cosmo)”, isto é: roubo e/ou corrupção = racionalidade económica específica = Estado anárquico, logo:

(i) Se as cantoneiras das torres de alta tensão, os cabos de alumínio, os fios de cobre, os painéis solares, os parafusos e porcas das linhas férreas, o óleo dos transformadores, etc., estão ali á mão, e, dentro dos parâmetros específicos da racionalidade económica do meu microcosmo, entendo que estariam bem melhor transformados em panelas, enxadas, ou em notas de metical, resultantes da venda ao sucateiro, porque não ser coerente comigo mesmo, e “deitar-lhes a mão”? … marimbando-me para o Cosmo.

(ii) Se, “lubrificando” as mãos de alguém que pode acelerar um qualquer processo, rentabilizo o meu tempo e negócios, para quê contrariar a racionalidade económica específica do microcosmo do “cabritismo”?

No tempo da 1ª República, do socialismo científico, essa taxa chamava-se “imposto de andamento”?
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 Achei também interessante , realista e muito actual, a abordagem sobre a preponderância na nossa economia das actividades de transferência de riqueza, sobre as actividades produtivas, criadoras de riqueza.

 Bem, a 1ª República tudo fez para acabar com a burguesia nacional, entendida como classe detentora de meios de produção, criação de emprego, de riqueza e acumulação, logo com capacidade de CONSUMO.(isso eram tarefas do Estado).

 Assim, na 1ª Republica, apenas nos mostraram, quase sempre com exagero, as Virtudes dos hábitos de consumo Burguês, que guardamos bem na memória.

 A virtude de poupar, não consumir tudo hoje para acumular recursos para investimento com lucros futuros, não foi transmitida à maior parte de nós, adultos de hoje, logo, não as transmitimos aos nossos filhos.

 Por esta razão (e outras, obviamente) como bem diz AF, somos um país mais de transferência de riqueza do que, efectivamente, de criação de riqueza: estamos demasiadamente preocupados com o curto prazo; “quem vier depois, há-de arranjar-se, como nós, melhor ou pior, nos arrajamos.”

 Como realça AF: “ … é preciso não esquecer que o bem-estar colectivo só se melhorará com aumentos da produção.”

 Vai levar tempo a conjugarmos o AUMENTO DA PRODUÇÂO com o INCREMENTO DA PRODUTIVIDADE, de modo a conseguirmos CUSTOS UNITÁRIOS DE PRODUÇÃO COMPETITIVOS, na região e no mundo, não obstante as boas intenções da "revolução verde": não basta querer, é preciso saber fazer!

> Até lá, as cantoneiras, painéis solares, parafusos e porcas das linhas-férreas, etc., etc., vão sendo utilizados no quadro dos valores dos múltiplos microcosmos da nossa sociedade, e “racionalidades económicas específicas”.

Um abraço,
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Carlos Serra disse...

Obrigado pelas contribuições. Certamente mais casos irão surgindo. Sinto que um dia teremos de enfrentar de frente este...outro desenvolvimento. E deve dar uma bela tese, o AF poderia incentivar um dos seus estudantes nisso...

Anónimo disse...

Fonte: Notícias, pág.11, 20/06/09.

Questionado sobre eventuais dificuldades durante a viagem, Gostado Sobrinho, um "aventureiro" portador de deficiência, que percorreu 1131km no seu triciclo a pedais ligando Chimoio a Maputo, disse:

... ter sido vitima de roubo, perperado por desconhecidos enquanto dormia exausto debaixo de uma árvore numa das étapas do percurso. " Trata-se de uma pasta que continha alguns bens, entre os quais um rádio portátil e uma máquina fotográfica".

> Seguramente, somos um país rico em Microcosmos de "racionalidades económicas específicas".
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PORÉM, importa referir que Gostado Sobrinho, realça também ter recebido "apoio de muitas pessoas, quer em alimentação como em acomadação"

> Prova da diversidade de valores entre Microcosmos, por vezes bem próximos.

> Pena é que o Macrocosmo/Estado se exima da responsbilidade de supervisão do exercício da "racionalidade económica específica" de cada cidadão.
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Parabéns ao Gostado Sobrinho pela determinação com que se empenha para concretização dos objectivos que traça! Quando queremos (e lutamos por isso), podemos!_
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Anónimo disse...

O Serra viu o breve texto que lhe enviei, com uma referência a um livro interesse, "Rogue Economics" (Economia Canalha)? Vou enviar-lhe outra vez, porque ontem tinha problemas com email.
A sugestão para ver se algum estudante gostaria de investigar este assunto é boa.
AF

Carlos Serra disse...

Só agora recebi o texto incluso no seu email. Posso colocá-lo aqui?

Anónimo disse...

Sim, tudo bem. AF