O Agry deu-me o privilégio de ser o seu primeiro entrevistado numa série de entrevistas que preparou com bloguistas. Confira aqui. E, já agora, leia trabalhos sobre o colonialismo e racismo nele e no Saraiva.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
10 comentários:
Muito interessante a idéia do Ilustre Agry.
Bjocas,
Ivone Soares
Eliminei porque estava cheio de gralhas, o comentário
Obrigado Ivone.
As primeiras reacções são gratificantes.O número de visitantes, quer de Moçambique, quer de Portugal, aumentou.
Bjocas para si Ivone e, mais uma vez, os parabéns ao brilhante entrevistado
Agry
Ao Agry e Saraiva de Sousa, com um pedido de comentário:
(Transcrição do Boletim da Agência Geral das Colónias, Nº 50, Ano 5º, Agosto de 1929, págs. 246 a 251)
“A cidade de Lourenço Marques, com seus luxuosos hotéis, os seus edifícios públicos sem grandes pretensões, mas bem distribuídos e elegantes, as suas ruas asfaltadas e limpas, as suas praças ajardinadas, os seus quiosques luxuosos, longas avenidas arborizadas, vivendas entre jardins bem tratados, dá ao visitante uma agradabilíssima impressão de casa carinhosamente arrumada, onde se respira conforto e bem estar, onde há disciplina, ordem e trabalho.
A vida em Lourenço Marques difere um pouco da vida nas outras cidades coloniais portuguesas e estrangeiras porque é grandemente cosmopolita. Todos levaram para ali um pouco dos seus costumes e dos seus hábitos, das suas qualidades e dos seus defeitos, adaptando-os à vida colonial portuguesa.
Depois dos europeus portugueses são os ingleses que formam a colónia mais importante. Para lá levaram os seus clubes, os seus desportos, as suas instituições, sendo agradável notar que estas não mantêm as características rigidamente britânicas que eles costumam apresentar em toda a parte. Depois, são os Índios, oriundos da Índia inglesa e portuguesa, pitorescos no seu trajar, de camisa de fora e pernas ao léu, cheirando a caril e a nós moscada, e que conseguiram açambarcar o comércio com os indígenas, até mesmo com os europeus; os gregos, com lojas de fruta, e, nos quiosques, vendendo gelados e jogando impenitentemente aos dados; os chinas, de longa trança e vestidos à europeia, exploram a horticultura e mantêm casas de pasto nas imediações dos quartéis, têm um sumptuoso «Pagode» e um clube republicano. Os índios portugueses católicos formam uma das mais numerosas colónias, ocupando muitos lugares nos serviços públicos e até altas funções na burocracia e magistratura; os italianos exploram hotéis; franceses, belgas e alemães ocupam-se no comércio, na indústria e nas empresas de navegação, etc. Os naturais, indígenas civilizados, são excelentes criados de servir e contínuos nas repartições públicas e escritórios comerciais, vestem à europeia com exagerada elegância. Os “zamzibaristas” e macuas, pretos maometanos, são típicos pelo seu cofió vermelho de longa borla preta e longa cabaia branca. Todos concorrem para o aspecto pitoresco da cidade com a variedade dos seus trajes, hábitos e línguas e todos parecem viver felizes na terra e sob a liberal e justa administração portuguesa.
A cidade acorda, geralmente, às sete horas da manhã, mas a essa hora é já intensíssima a vida no grande cais. O comércio abre as suas portas às oito horas, fechando às sete da noite, com intervalo das 12 às 14, em que encerra para o almoço e a sesta. Cidade de trabalho, o movimento pelas ruas só é intenso depois das 17 horas, hora a que fecham os escritórios e as repartições, hora a que se invadem os quiosques para o «chá das cinco», os clubes e os “bars” para o primeiro “sundowner”. Muitos automóveis correm então em todas as direcções, os eléctricos e os “omnibus” são assaltados, uns para a praia, outros para os retiros, para os campos de desporto, para os centros de cavaco. Ninguém pensa entrar em casa antes das 20 horas. Senhoras e crianças também não regressam da praia, dos jardins públicos e dos centros elegantes de «chá» antes dessa hora.
Lourenço Marques, de noite, é uma cidade pacata, três cinemas muito cómodos funcionam com filmes novos e modernos. Uma vez por semana, a monotonia do cinema é quebrada por pequenas companhias teatrais portuguesas e estrangeiras que são geralmente apreciadas. Passeios de automóvel à praia, profusamente iluminada e com uma boa orquestra no Pavilhão de Chá, reuniões nos diversos clubes, bailes «Cinderella» (até à meia noite), e depois o descanso, muito necessário em África e em todas as terras de trabalho.
A cidade adormece, pois, a esta hora em que fecham os quiosques e os “bars”, e os eléctricos e os “omnibus” recolhem.“
Ao que parece, por este lados a globalização tem mais de 78 anos.
Um abraço,
Florêncio
Boa Noite Florêncio
Adorava que colasse o seu texto no meu blogue. A Beira e Vila Pery também eram assim: cosmopolitas.
Lembro-me da visão nocturna das três cidades e fico com saudades.
Adoro a noite e, geralmente, aqui no Porto, mesmo com frio ou a chuver, saio à noite e ando de carro pelas ruas, avenidas, marginal e auto-estradas. Agora, no Natal, com a maior árvore de Natal da Europa e a iluminação forte, a cidade do Porto é linda. Sempre me encantou os seus telhados vistos da Ponte Dom Luís e o seu granito.
Abraço
Tenho pena que os historiadores portugueses (não conheço os moçambicanos) não conheçam esses documentos, não os saibam ler correctamente ou simplesmente não tenham sensibilidade e experiência humano. Estão cada vez mais factuais e senso comum pobre.
Além disso, mesmo ao nível da arquitectura, Moçambique herdou um bom legado português e essa obra não é muito conhecida. Estação de CF, Palácio do governo, a catedral, Polana, etc... são bons exemplos.
Desculpe, estive ausente.
Sem pretender radicalizar a minha resposta a Florêncio, no imediato, interpretei o seu convite como uma “provocação”
Antes de mo endereçar, já conhecia a minha resposta.
Como não tenho o prazer de o conhecer, porque nunca li nada escrito por si, não posso ( não devo) etiquetá-lo ideologicamente.
Será necessário reportá-lo para o meu texto ao caracterizar a cidade do colono ?
A harmonia, a segurança, o cosmopolitismo, os jardins, os quiosques luxuosos, os machibombos ( no texto designados de omnibus), a comodidade do cinema, passeios à noite…
Este texto será porventura uma tentativa de exaltar a cosmopolização da cidade capital da colónia. O cenário lírico não me comove nem me provoca saudosismos porque nunca trajei a pele de colono.
Estive sempre do lado onde hoje me encontro.
Desculpe mas não adormeço ao som de cantigas de embalar
Abraço
Agry
Caro Agry,
Longe de mim qualquer provocação. Achei o texto que transcrevi um pedaço da História deste meu Moçambique. Pelos comentários que tem colocado neste blog, entendi que poderia ser interessante – e foi – “ouvir” sua sensibilidade à estratificação social e divisão do trabalho de então.
Se o Agry não se considera um saudosista – coisa que nunca insinuei –, creia que eu também não sou: os meus ascendentes encontravam-se na altura a que o texto se reporta, entre, cito: “…os naturais, indígenas civilizados, são excelentes criados de servir e contínuos nas repartições públicas e escritórios comerciais, vestem à europeia com exagerada elegância.”. Com o cosmopolitismo que hoje voltamos a viver nesta ex- Lourenço Marques – com as mesmas nacionalidades daquela época e mais, libaneses, quenianos, senegaleses, etc., etc , importa estarmos preparados para que a história não se repita.
Não obstante, não tenho qualquer complexo nem animosidade contra colonos ou descendentes, nem laivos de xenofobia: há lugar para todos, desde que joguemos com as mesmas regras. Sinto gratificante compreender o passado, olhar para trás com tolerância, sem rancor, abarcando todos numa só raça: a humana!
Chegados a este ponto, queira, sinceramente, aceitar as minhas desculpas por, eventualmente, ter ferido suas susceptibilidades – ao imaginar o que eu, afinal, não disse, nem quiz dizer.
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Sobre colonialismo e racismo – que tantos abordam citando mil e um iluminados autores – considero que uma abordagem prática e descomplexada do tema, passa por uma prévia definição de cada um dos termos, para falarmos da mesma coisa. A minha experiência de vida tende para as seguintes definições:
. Colonialismo: ocupação de territórios por originários doutros Continentes com o objectivo de exploração dos recursos económicos e, em regra, com forte discriminação e exploração da população colonizada. A evangelização associada ao colonialismo português era uma treta, absolutamente secundária!
. Invasão (colonialismo entre vizinhos): ocupação de territórios por originários do mesmo Continente para exploração dos recursos económicos, acompanhada, em regra, de forte discriminação e exploração das etnias subjugadas.
. Racismo: discriminação preconceituosa na base raça (do branco para o negro, asiático, árabe, e vice versa).
Sem eufemismos, todo o colonialismo, todas as invasões, foram e são grosseiros atentados aos mais elementares direitos dos Povos ocupados, independentemente das estratégias de ocupação: os Belgas, Franceses, Ingleses, foram colonizadores relativamente pragmáticos, compreenderam que a ocupação teria um fim breve e intensificaram a pilhagem de recursos, para industrialização e desenvolvimento das suas Metrópoles.
Portugal, Povo mais dado à miscegenação, levou tempo a entender que a dignidade dos Povos oprimidos passa pela sua independência política (mesmo com barriga vazia) – sonhou com Províncias, com Estados á sombra da lusa bandeira. Dos colonizadores europeus, foi, provavelmente, o que nas ex-colónias deixou melhores infra-estruturas – portos, estradas, aeroportos, edifícios públicos com uma certa dignidade arquitectónica – e, talvez, uma melhor harmonia racial, não obstante as mais ou menos sofisticadas “nuances” de racismo e descriminação económica, que, afinal, existe um pouco em todas as sociedades.
É importante compreendermos o passado, mas mais importante é o amanhã. Por isso entendo que: (i) devemos arrumar o colonialismo nas prateleiras do passado,foi um quarto escuro, e ; (ii) combater as tendências racistas com esforços no desenvolvimento do Homem no seu todo.
Complementarmente, preocupemo-nos em compreender e tirar vantagens da nova forma de relacionamento entre as Nações – a globalização e suas armadilhas. A tal globalização que nos longínquos anos 29 do século passado estava tão patente na então Lourenço Marques, com portugueses, ingleses, alemães, italianos, gregos … etc., etc., cada um com as suas competências profissionais.
Um abraço
Florêncio
Florêncio
Gostei de o ler. Parece que o provocador fui eu.
Abraço
Agry
Estou de acordo com o Florêncio. Belo texto! É por isso que defendo diversas abordagens ao fenómeno colonial, tendo em vista uma conciliação justa de perspectivas.
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