20 novembro 2007

Pneu não dá para ladrão de pessoa rica?

Prossegue na Unidade de Diagnóstico Social o estudo dos linchamentos urbanos em Moçambique. Numa escala de atitudes que aplicámos em Beira, Maputo e Matola a 60 vendedeiras de banca fixa e a 60 vendedores ambulantes, quisemos conhecer as reacções à frase-estímulo "se ladrão roubar uma pessoa rica deve sofrer pneu também" (pneu=linchamentos em Maputo e Matola; em Beira optámos por escrever "(...) deve ser queimada também"). Eis os resultados por grupos de idade (excluímos aqui outras variáveis e as correlações):

20 comentários:

Anónimo disse...

Para as respostas Concordo/Discordo, a frase apresentada devia ter sido uma frase afirmativa.

Anónimo disse...

Exactamente.
FM

Carlos Serra disse...

Uma escala de atitudes joga sempre com uma frase afirmativa do género "as pessoas são más". A aferição pode chegar a 5 termos, com pesos de graduação de intensidade ("discordo", "discordo completamente"). A frase apresentada é afirmativa e a aferição foi simplificada para 3 posições.

Anónimo disse...

Eu concluo que as pessoas entrevistas acham que cada um tem o direito de roubar a quem tem mais que ele. Assim fica um círculo.

Carlos Serra disse...

Uma escala é um instrumento destinado a medir a intensidade das opiniões. Seja qual for o modelo (e há vários), pretende-se que os interrogados assinalem dentro de uma série graduada de items aqueles que melhor correspondem à sua percepção sobre um dado fenómeno. A nossa escala tem 44 items e eles vão ser co-relacionados entre si e com as variáveis. Por outro lado, a escala possui ainda certos items destinados a registar os princípios de causalidade que os interrogados possuuem. Finalmente, falar em atitude é falar numa tendência para a acção.

Anónimo disse...

"se ladrão roubar uma pessoa rica deve sofrer pneu também"

Porquê que esta frase é afirmativa?

A frase tal como foi colocada é tendenciosa, parece-me, desculpe. eu, diria, problematica, mesmo...

Carlos Serra disse...

Uma escala de atitudes é construída com frases "fortes" (deixe-me dizer assim) e não importa se são ou não "tendenciosas". E um mesmo tema (por exemplo "savanas")pode ser organizado em múltiplas variantes do género: "as savanas são verdes", "as savanas são vermelhas", "as savanas são feias", "as savanas são grandes", etc. O que está em causa não é conhecer respostas a perguntas, mas respostas a frases-estímulos.

Anónimo disse...

"Se ladrão roubar uma pessoa rica deve sofrer pneu também" não é uma frase negativa e, no contexto e situação em que surge, não pode ser considerada tendenciosa.
O comentário do primeiro interveniente tomou o título da postagem ("Pneu não dá para ladrão de pessoa rica?")como pergunta do inquérito. Daí toda esta confusão.

Carlos Serra disse...

Justamente.

Anónimo disse...

"se ladrão roubar uma pessoa rica deve sofrer pneu também" esta é a afirmação. Os que disseram "discordo" que mensagem queriam transmitir? (i) Que não se devem linchar pessoas que roubam aos ricos? (ii) Ou que discordam com os linchamentos?

Em pesquisa, questionario ambiguo resulta em respostas ambiguas. O que estou a tentar dizer é que, se alguém me pusesse aquela afirmação, e me desse apenas aquelas opções de resposta, o meu "discordo" bem poderia querer dizer que não concordo com linchamentos.

Assim, as conclusões desta pesquisa são problemáticas.

Obed L. Khan

Carlos Serra disse...

O seu olho pesquisador é importante.

Anónimo disse...

O sr. Serra é docente de metodologias de investigação! esse país está tramado. O questionário que tem sido trazido aqui é da mais péssima qualidade

Anónimo disse...

se ladrão roubar uma pessoa rica deve sofrer pneu também" esta é a afirmação.

o problema é que esta frase comporta duas afirmaçoes, que induzem a uma conclusao:

1) o ladrao deve roubar os ricos
2) roubar aos ricos nao deve sofrer peneu
conclusao: roubem aos ricos.

soluçao: fim dos linchamentos. pois roubar aos ricos iliba o ladrao do pneu

Teorema do “Robin dos Bosques” da sociologia

Anónimo disse...

“se ladrão roubar uma pessoa rica deve sofrer pneu também".

Esta é uma afirmaçao condicionada por uma afirmaçoa e uma negaçao.
1) o ladrao rouba pessoa rica
a) ladrão deve sofrer peneu
b) ladrão nao deve sofrer peneu

Obed L. Khan tem razao.

Anónimo disse...

?????!!!!!

Anónimo disse...

 Em regra, as situações que mais frequentemente levam ao linchamento são: (I) roubo de bens AOS POBRES (telemóveis, relógios, carteiras por norma pouco recheadas), ou (II) situações de atentado à dignidade, como violação de menores, traição conjugal, alcool insulto gratuito, etc., no "território" dos materialmente mais desfavorecidos: o desespero da perda do que tanto custou a obter leva ao quase desespero, ao “perdido por cem, perdido por mil”… venha daí o pneu.
 Entre muitos dos menos favorecidos, parece haver o sentimento de que pessoa rica tem outras formas de recuperar o prejuízo do roubo, logo, roubar pessoa rica não justifica pneu, não tem a mesma gravidade. Pessoa rica tem onde se queixar, etc., etc.
 Acontece mesmo que, alguns círculos – e sem pretender dizer que rico é igual a ladrão – há a quase convicção de que “ladrão que rouba a ladrão, tem cem anos de perdão”… acontecendo mesmo, o ladrão que rouba o rico, em vez de ser censurado é tolerado, chega mesmo a ter estatuto de “quase herói”.
 Seguramente, no “território” mais propício a linchamentos, não há grande preocupação em punir quem rouba o rico... não é o que mais preocupa os pobres.
Florêncio
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PS  LÁ, COMO CÁ – perante ausência de polícia e lentidão da justiça … (Transcrição do Jornal Notícias, de 23/11/07, última pág)

“Presumíveis assaltantes queimados vivos no Peru”
“TRÊS presumíveis assaltantes e assassinos de um guarda de uma fábrica de mármores no Peru foram queimados vivos na terça-feira, por uma multidão enraivecida que os incendiou com gasolina, revelou ontem a polícia. As vítimas são acusadas de terem furtado equipamento da empresa de mármore de Yanacanha, depois de assassinarem o respectivo guarda. Um dos supostos assassinos foi linchado e queimado na praça pública. Os outros dois morreram dentro de uma viatura incendiada, a poucos quilómetros do local. No peru, a população de aldeias isoladas executa regularmente suspeitos de assaltos, queixando-se da ausência da polícia e da lentidão da justiça”.
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Anónimo disse...

Boa análise, como sempre, Florêncio. também eu penso assim.

Carlos Serra disse...

Florêncio, escreverei algo aqui logo que puder...

Carlos Serra disse...

À medida que avançamos na pesquisa sobre os linchamentos, mais robusta se torna a convicção de que o problema é bem mais vasto do que aquele que consiste am atribuir à polícia quer a incapacidade de protecção quer a venalidade no tratamento dos ladões ou assim havidos. O problema central tem várias arestas e é habitado por vários dos fenómenos que o Florêncio refere. A percepção sobre os "ricos" é, inegavelmente, interessante. Mas chegará a altura em que procuraremos dar a conhecer a estrutura causal dos linchamentos, todo o magma à sua retaguarda, toda a complexidade que os filtra, especialmente no livro que iremos publicar no próximo ano.

Anónimo disse...

Outra perspectiva:
 No nosso país a pobreza e os linchamentos são ILEGAIS. A Constituição da Republica garante a todos, o direito à vida, saúde, educação, ao trabalho, em síntese: a uma vida com dignidade.
 A primeira responsabilidade dos titulares dos diversos poderes do Estado, é assegurar instrumentos legais, económicos e financeiros realistas, que conduzam a um desenvolvimento equilibrado da sociedade.
 Não foi por acaso que, simbolicamente, se associou a figura Mãe à Constituição: ninguém é mais justo! Por isso se pede aos titulares de poder no Estado espírito de Missão: servir os outros, e não, como tende a vulgarizar-se, “grudarem-se” às mordomias do poder: banquetearem-se..
 Quando os diversos poderes do Estado não concretizam suas missões, os titulares deveriam ter a dignidade de, por livre iniciativa, se demitirem: entenderem que “os cemitérios estão cheios de insubstituíveis”.
 Se assim não procedem, transformam-se, simbolicamente, em execráveis, hediondos monstros, VIOLADORES da mãe de todas as nossas Leis. Haverá crime mais repugnante?
 Só uma CULTURA DE MAIOR EXIGÊNCIA permitirá pôr fim á inconstitucionalidade que vivemos, e reduzir significativamente as situações de pobreza degradante, conter a deterioração de valores morais, os linchamentos.
 A resolução dos problemas estruturais de um país passa pela MUDANÇA DE ATITUDE, pelo sacudir o manto do conformismo: exigência e rigor!
Florêncio.
> PS: Aguardo a saída do livro com muito interesse.