10 janeiro 2008

Augusto Paulino e a chuva de baixo para cima

"Em Moçambique só nos falta ver chover de baixo para cima" (Carlos Cardoso)
Ontem, ocupando toda a página 2, em trabalho não assinado, o semanário "Magazine Independente" trouxe à baila o caso dos 300 milhões (300 mil meticais na nova moeda) que, de acordo com o semanário "Zambeze", teriam sido desviados do Tribunal Judicial da Província de Maputo para proveito pessoal do procurador-geral da República, Augusto Paulino, o que teria dado origem ao processo-crime n.º 12/2207. Através de um relato muito minucioso, com muito detalhe técnico-jurídico, o "Magazine Independente" procurou mostrar que a história contada pelo "Zambeze" está "prepositadamente mal contada", dando origem a uma "autêntica novela judicial". Ponto central no trabalho é a tentativa para mostrar incoerência nas posições da Sra. Adelaide Muchanga, ex-chefe do Departamento de Administração e Finanças no Tribunal Judicial de Maputo, a partir de quem o caso se torna conhecido.
Por sua vez, o "Zambeze" volta hoje à carga ao tema, também na página 2. Em texto não menos minucioso, pela pena de Alvarito Carvalho, procura mostrar que Augusto Paulino "forjou" (as aspas são do semanário) facturas apresentadas às Finanças para justificar os 300 milhões "sacados à 5.ª seccão do TPJM. Mais: o semanário apresenta na página 3 o depoimento de Isabel Rupia, antiga procuradora-geral adjunta e representante do Ministério Público no Tribunal Supremo, afirmando que o Ministério Público não se absteve de acusar o juiz Paulino, contrariamente ao que, segundo o "Zambeze", afirmou o "Magazine Independente". Mais ainda: o editorial do jornal é, igualmente, dedicado ao caso, editorial encabeçado por uma frase do assassinado jornalista Carlos Cardoso, a saber: "Em Moçambique só nos falta ver chover de baixo para cima".
Temos aqui dois tipos de fenómenos: por um lado, a utilização de 300 mil meticais (grossa quantia) num processo que deu origem a um processo que nenhum dos semanários põe em causa; por outro, a luta entre os dois semanários, o "Magazine Independente" claramente ao lado de Paulino e o "Zambeze", claramente contra. Ambos em busca de uma verdade por caminhos diferentes (ambos os jornais se acusam mutuamente de inverdade), ambos com acesso a documentos delicados.
Enquanto isso acontece, dia após dia, semana após semana, ninguém surge, lá mais para cima, no topo dos órgãos estatais responsáveis, a clarificar o que quer que seja, num país onde, entre outros, medram casos de inconstitucionalidade e de escravatura laboral. O que significa que enquanto as coisas assim ficarem, parece não haver dúvida de que, do ponto de vista das expectativas, só nos falta mesmo ver chover de baixo para cima.

13 comentários:

Anónimo disse...

Como se diz: Quando dois lutam (nesse caso o "Magazine Independente" com o semanário "Zambeze"), alegra-se um terceiro. Pergunta chave: O quem se alegra?

Um abraço
Oxalá

belmiro disse...

Caro professor, nota curiosa é que na defesa do Arguido Paulino, os autores das referidas peças de reportagem não assinam os referidos artigos. poque será?

2. porque razão o PGR arguido não dá a cara para desmentir as cusações que pesam sobre sí?

3. qual é o interesse do Magazine, do O PAIS e o Bula-Bula do domingo de defender um arguido implicado no roubo dos cofres do Estado?

muito curioso professor.

Belmiro

Carlos Serra disse...

As questões que coloca são importantes. Em primeiro lugar, temos em cena um jurista que ganhou imenso prestígio no caso Carlos Cardoso, prestígio que, eventualmente,conta muito na maneira como analisanos o caso dos 300 mil meticais; em segundo lugar, temos um jornal que assume colectivamente a responsabilidade colectiva do trabalho de defesa de Paulino ("Magazine Independente"), ao contrário do "Zambeze", onde Alvarito está de frente numa frente bem mais difícil e arriscada; em terceiro lugar, temos Paulino que nada diz; em quarto lugar, temos quem está acima ou ao lado ou no meio de Paulino, que também nada diz. É o deixa-andarismo perfeito.

belmiro disse...

Alias, professor o prémio foi ganho no tempo em que o Director do Magazine era presidente do MISA-Moçambique, instituição que o premiou-o.
Não sugere algo estranho?

He he he...

são as cumplicidades...entre a midia e o poder gangsterizado que se apossou do Estado e que delapida os cofres do Estado.

Nb: porque é que a nossa oposição não se pronuncia? Será que tem rabos de palha?

Anónimo disse...

Carissimo Professor se a verdade é uma e unica esta certo que um dos jornais esta mentindo e entretendo os Moçambicanos e esta certo também que estamos diante de um jornalismo especulativo e preguiçoso, mais ainda esta certo que esta sendo dificil estar a 1cm da verdade.
Estas certezas deixam claro que tudo o mais (discusão dos jornais) é resto e vão ou no minimo estamos diante de um bazarkting infantil.

Que venha alguém credenciado nos dizer a verdade porque este é um problema nacional muito sério.

Abraço

Maxango

Carlos Serra disse...

1. Não tenho evidências de que qualquer dos jornais esteja a mentir.
2. Não tenho evidências de que qualquer dos jornais tenha recebido intimação judicial por difamação.
3. Nenhum jornal nega a existência do processo 12/2007.
4. Que é um caso nacional, sem dúvida.
5. Não tenho conhecimento de qualquer pronunciamento de partidos da oposição.
5. Que ninguém no topo se pronuncia e o caso vai-se arrastando, é evidente.

Nelson disse...

"Diametralmente opostos" como os jornais tem estado nas suas abordagens ao caso, não podem estar ambos certos.

Carlos Serra disse...

Sim, há lógica formal no que diz. Porém, é necessário considerar duas coisas; (1)na lógica de cada um dos semanários, os factos arrolados são fundamentais e estão "certos" para os seus produtores; (2)cada um dos semanários tem detalhes importantes que devemos ter em conta, independentemente da lógica referida sectorial. Acontece muitas vezes na vida que duas coisas com visões distintas podem estar ambas certas...O eterno problema da lógica dialéctica. Abraço!

Carlos Serra disse...

Aproveito para dizer só mais uma coisinha: cada um dos jornais (sem esquecer também o "O País) tem acesso a informação classificada, não aberta ao público. O acesso a essa informação só pode ser obtido se alguém permitir. Dado que não há conhecimento de furto feito por jornalistas, podemos considerar como assente que alguém permite ou que vários "alguéns" permitem, que alguém ou vários "alguéns" está/estão interessado/s em que as coisas se saibam. Este é um fenómeno importante e que merece, creio, ser analisado.

Nelson disse...

Enquanto isso acontece... eu vou me interessando em semanalmente desembolsar 62 meticais para comprar os 3 semanários... afinal também é negócio.

Carlos Serra disse...

Quantos mais comprar, melhor pode filtrar...Abraço!

Anónimo disse...

O ZAMBEZE desta quinta-feira escreve que "Isabel Rupia estranhou ainda o facto da Presidencia do Tribunal Supremo ter denunciado a identidade da denunciante, em violacao do acordo estabelecido entre ela (procuradora do processo), Adelaide Muchanga e o proprio Tribunal Supremo".
Sem me ater nas "verdades" que os varios semanarios tem publicado em torno do "caso PGR Augusto Raul Paulino", a citacao que faco atras parece conter muito de substancial:
- Afinal, quando um denunciante pede anonimato, esse anonimato pode ser quebrado por "gente ilustre"!
- Com este tipo de atitude, sera que os potenciais denunciantes de actos corruptos, e que pretendam manter o anonimato, irao confiar nos nossos magistrados do Ministerio Publico e Judiciais?
- Aos juristas: sera que a denunciante anonima que acabou sendo denunciada nao pode processar judicialmente quem quebrou o anonimato que ela solicitou? Nao sera este um caso de falha grosseira em termos de etica profissional para quem quebrou esse acordo previo?
Parece que isto esta muito mau, mesmo!
Ericino de Salema

Carlos Serra disse...

O problema está, também, em analisar a produção de documentos por baixo da porta, de forma sistemática, chegando aos jornais. Este é um fenómeno para mim tão importante quanto o caso Paulino.