A lenda do leite condensado que cega e mata

"Lenda urbana é um relato anónimo, breve, com múltiplas variantes, de conteúdo surpreendente, contado como verdadeiro e recente num meio social do qual exprime de maneira simbólica os medos e as aspirações" - Jean-Bruno Renard

A nossa equipa da Unidade de Diagnóstico Social prossegue o seu trabalho de estudo dos linchamentos.

Aqui, em Maputo, chegou ao nosso conhecimento uma crença generalizada habitando os bairros populares, a saber: existe uma forma de linchar ladrões (ou assim havidos) de forma doce, inflingindo um dano físico prolongado, que se salda pela cegueira ou pela morte retardada.

Essa forma consiste em introduzir leite condensado nos orifícios auriculares.

Gente comum, estudantes universitários, muita gente acredita nisso.

Ora, pus o problema a um médico generalista, que por sua vez interrogou dois médicos otorrinolaringologistas. A informação que me deram é a de que ninguém cega ou morre com a introdução de leite condensado nos orifícios auriculares. Pode haver alguma complicação caso haja infecção num tímpano. Mas mais nada.

E assim temos um rumor, uma lenda. Como nasceu? Por que nasceu? Como e por que se propaga? Não sei. E não sei se viremos a saber.

É como a saga anónima de um carreiro, de um trilho: um dia alguém decidiu passar por um jardim ou pelo capim da savana. Abriu um pré-caminho. Depois seguiram-se mais duas, três pessoas, não importa quando nem porquê. Pouco a pouco o trilho, o carreiro tornou-se estrada, tornou-se hábito. O trilho ficou, a história sumiu. Todos sabem que o trilho existe. O resto não importa.

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1. O meu grande obrigado ao JS pela informação médica.

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