29 setembro 2007

Duas mulheres linchadas na Matola-Rio

Uma jovem de 16 anos, grávida de uma criança de oito meses, foi linchada sábado passado na Matola-Rio, a cerca de 20 quilómetros da cidade de Maputo. Hoje, foi linchada a mãe do rapaz acusado de ter engravidado a rapariga. Os linchamentos foram por espancamento e, no caso da mãe do rapaz, seguido de empalamento. Estão detidas três pessoas relacionadas com o segundo linchamento. Uma estudante universitária agregada à equipa da UDS trabalha no caso.
Enquanto isso, 12 estudantes universitários da equipa trabalharam hoje (e prosseguem amanhã) nos bairros Inhagóia e Hulene, na periferia da cidade de Maputo.
____________
Parece estarmos em novo pico linchatório em Maputo e Beira. Este caso da Matola-Rio mostra dois aspectos singulares: (1) mulheres linchadas (a esmagadora maioria dos linchados que a equipa da UDS estuda é constituída por jovens do sexo masculino acusados de roubo) e (2) causas que nada têm a ver com roubo.

4 comentários:

Aut disse...

Começa a tornar-se um tanto mais difícil lançar um olhar científico, sociológico sobre este problema, por mais que queiramos. Antes de chegar à nossa razão, a mensagem diz-nos à emoção e magoa-nos. Magoa saber que há gente morrendo de forma tão bárbara, magoa saber que há gente que parece ter naturalizado este tipo de ato.
Acresce que na nossa cultura (cristã-ocidental, talvez, não sei como classificá-la), uma mulher grávida tem respeito quase sagrado dos seus pares, a maternidade, tida também como um dom, nos cria este sentimento, que correto ou não, justificado ou não, existe, é real. E é isso que parece tornar ainda mais chocante este caso, cujas vítimas foram uma moça grávida e a mãe de um rapaz.
Tristeza.

Carlos Serra disse...

Sim, diz bem, chega primeiro à alma. Este caso é particularmente chocante, melhor dito, estes dois casos são particularmente chocantes. Magoam-me profundamente como cidadão. Como a si. Mas como estudante do social, sou obrigado a ir para além da visão moral (absolutamente necessária, claro) e procurar a chave cognitiva que permita abrir a fechadura desta aparente irracionalidade. Aqui, no Brasil, na Guatemala, na Bolívia, os linchamentos tornaram-se uma espécie de hábito. Eu e os meus colegas vamos esforçar-nos por tentar analisar o fenómeno aqui, fenómeno que é, ao mesmo tempo, homogéneo e diverso (por exemplo, os linchamentos rurais - aqui frequentes, com pouca visibilidade na imprensa - são, regra geral, atribuídos a causas mágicas), fenómeno que não pode ser univocamente encerrado quer na incompetência da polícia, quer na pobreza em si. Obrigado.

Reflectindo disse...

O estudo de linchamentos em Mocambique é de extrema importância, segundo o meu ponto de vista.

Enquanto que as causas ligadas ao roubo podemos atribuir aos problemas de justica social e à operacionalidade das nossas instituicões de justica, as causas mágicas levantadas aqui pelo Prof Serra são de certa maneira muito sérias. Porém, parece-me que as causas mágicas são legais. Até aqui não sei, que responsabilidade têm os curandeiros, hoje com o título de doutores, em caso de linchamento. Se forem eles a dizerem que a má vida de um indivíduo se deve ao vizinho ou familhar, e, por viganca alguém é morto.

Carlos Serra disse...

Já um dia aqui sugeri que se investigasse a eventual responsabilidade criminal dos produtores de "receitas anti-magia". Mas, por outro lado, estamos confrontados com crenças em causalidades supra-humanas de vigor denso em zonas rurais (mas, tb, transportas para áreas urbanas). Os linchamentos rurais não têm a visibilidade que tem um linchamento em Inhagóia ou no T3 da Matola.