06 novembro 2008

Quem não é mulato? (3) (a propósito de Barack Obama)

O presidente Barack Obama recebeu dos brancos americanos (num país onde as pessoas são binariamente classificadas em raças, onde o mulato é obrigado a ser negro como impunham os esclavagistas das plantações do Sul americano) a maior parte dos seus votos. Isso significa que Obama foi visto não como negro ou como mulato, mas como portador de um futuro diferente e bem mais solidário. Para usar as palavras do nosso Daviz Simango, fez sentir saudades do futuro a não importa que cor da pele. A eleição de Obama representa um inequívoco racialicídio.
Mas vamos lá retomar os três eixos que desejo abordar de forma breve nesta série:
1. O peso das representações sociais racializantes
2. A associação entre representações racializantes e recursos de poder
2. A hipótese de que cada um de nós é mulato, mestiço, produto híbrido
A racialização do social opera através de três mecanismos:
1. Educação familiar
2. Educação escolar
3. Educação na praça pública
É por via desses três eixos de socialização e reprodução que damos à epiderme (ou a outros atributos físicos como nariz e cabelo) o sentido de valor positivo ou negativo. É por via desses três eixos que transformamos a diferença epidérmica em diferença social. É por via desses três eixos que criamos e reproduzimos o autismo racial.
Porém, enquanto atributo de estatuto, a raça não preexiste à sua criação social. Ela é uma criação definitivamente social.
Observação: reparem na profunda americanização (classificaçã0 binária branco/negro) dos títulos da imprensa internacional, do género "Obama, o primeiro presidente negro da história americana". Mas a catalogação racial é, afinal, pan-americana, faz parte do estoque tradicional das nossas catalogações sociais mais básicas, mais primárias. Respiramos raças com a mesma naturalidade com que respiramos oxigénio. Fazemos raça como o senhor Jourdain fazia prosa: sem o saber.

4 comentários:

Anónimo disse...

Mulatos (também) de todo o Mundo: orgulhai-vos!

Anónimo disse...

Mas o problema será mesmo a classificação? Não será mais a interpretação da classificação? Não seria mais aí que se deveria atacar o problema?
Na ciência não aceitamos nós toda a classificação dos animais, das plantas, dos minerais... quanto a isto, quanto àquilo... Dos minerais, por exemplo, quanto à cor, quanto à risca, quanto ao sistema de cristalização, etc? Por que razão reagimos tão fortemente à classificação do homem? Será possível algum dia evitá-la? Estas são perguntas que eu coloco a mim mesma, porque também reajo da forma que aqui questiono.

(Paulo Granjo) disse...

Quanto às classificações, cara anónima, umas são meras tentativas que organização do mundo perante os nossos olhos, outras resultam de tentativas de delimitar identidades do "nós", que são sempre feitas por oposição a um "outros".
Para estabelecer essa fronteira entre o "nós" e os "outros", é necessário criar um consenso de que há algumas coisas muito importantes que são comuns a todos os "nós" e há algumas outras coisas, também muito importantes, em que os "outros" são diferentes.

Como qualquer indivíduo (e mais ainda um conjunto de indivíduos) tem muitas características de vários tipos (físicas, comportamentais, emocionais, etc.), para definir essas "coisas muito importantes" é necessário escolher algumas e enfatizar que elas são características essenciais para marcar a diferença e a semelhança e, ao mesmo tempo, fazer de conta que muitas outras características são irrelevantes.

Quando se cria um consenso social acerca da importância dessas características que foram seleccionadas, elas passam a parecer evidentes e diferenciadores "naturais", que se "metem pelos olhos dentro", entre grupos que passam a ser vistos como diferentes. Depressa se tornam, depois, "carimbos" sociais.
Se esses critérios de diferença vêm a servir de base a relações de poder e de hierarquização (como aconteceu com a cor da pele, ou como acontece na Inglaterra com o sotaque), mais evidentes e naturais parecem.

Os critérios de classificação zoológica, botânica e mineral são estes, como poderiam ser outros e como, aliás, já foram outros.

Na diferenciação entre grupos humanos (supondo que ela seja necessária), porque é que há de ser a cor da pele, a largura do nariz ou a textura do cabelo, em vez de ser a cor dos olhos, a altura, o quoficiente de massa corporal ou a quoficiente de inteligência?
(E, em vez de brancos, negros, amarelos e vermelhos; teríamos a raça dos pretos, dos castanhos, dos avelã, dos cinzentos, dos azuis e dos verdes; ou teríamos a raça dos altos e dos baixos; ou a dos gordos e a dos magros; ou a dos inteligantes e a dos burros.)

As classificações de raças (que é uma coisa que se sabe não existir em termos biológicos e naturais) só têm razão de ser pela sua história e pelo consenso social que continua a existir acerca da sua importância.
Creio que é mais do que altura para quebrar esse consenso.

Carlos Serra disse...

"As classificações de raças (que é uma coisa que se sabe não existir em termos biológicos e naturais) só têm razão de ser pela sua história e pelo consenso social que continua a existir acerca da sua importância." - o Paulo disse tudo e bem.