28 novembro 2008

Fraude e efeito tenaz (3)

Vamos lá avançar um pouco nesta série.
No número anterior ficou pendurada a expressão "produção ideológica". O que se deve entender por isso? Uma proposta: "A produção de ideologia é (...) a produção de ideias dentro da estrutura intelectual das relações sociais existentes, de uma forma que obscureça a totalidade da qual fazem parte e, assim, a possibilidade de alterar essas relações."
Permitam-me um uso amplo da expressão. E comecemos pela Renamo.
Desde que temos eleições multipartidárias, desde 1994, militantes desse partido têem sistematicamente afirmado que a fraude é a razão de ser das vitórias da Frelimo, que este último partido só ganha pela trapaça, que ganhar pela trapaça faz parte da natureza dos comunistas. Por outras palavras: se não ocorresse a viciação dos dados, é evidente - pressupõem os produtores da ideologia da fraude - que o povo votaria largamente pela Renamo, que o povo estaria maioritariamente do lado da Renamo.
A produção ideológica da fraude eleitoral serve, aqui, como mecanismo, como êmbolo que obscurece as deficiências do partido, que injecta no adversário um mal primordial, que procura criar e reproduzir um imaginário social propício a uma permanente desculpabilização dos fracassos eleitorais.
Sem dúvida que tem havido fraudes desde 1994. E algumas delas bem graves. Mas a Renamo transformou e transforma a fraude no recurso exclusivo e primordial da luta política e do escamoteamento dos seus problemas. A concentração ideológica nesse recurso - nesses autênticos obuses discursivos - começa mesmo antes das eleições e irriga por inteiro o discurso retroactivo ("se não fosse a fraude nas eleições passadas...").
(continua)

9 comentários:

Jornadas Educacionais disse...

Professor Serra

Se usa o termo ideologia no sentido de falsa consciência, permita-me discordar desse significado que, no meu parco entender, foi mal interpretado dos escritos de Marx. O marxismo ortodoxo foi quem difundiu esse significado do termo ideologia.

Andei atrás do mesmo signficado no prefácio à segunda edição da economia política e, cruzando com os escritos gramscianos, parece-me que o sentido é bem diferente: sistemas de ideias que possibilitam a compreensão dos problemas.

Apenas concordo em que a Renamo difunde ideias de Fraude como forma em que ela compreende o processo eleitoral. Agora, se ela é um embuste para os seus dirigentes, ali é discutivel.

Ela agarra-se na Fraude, provavelmente, não por estar cêga ao que acontece, mas apenas como justifitiva para a sua fraqueza.

Este é o meu ponto de vista.

Abraços

Anónimo disse...

Fraude sempre existiu. Directa na boca das urnas, no apuramento e nao nos esqueçamos das jogadas nos bastidores, como o acto de obrigar os funcionarios publicos a serem membros da frelimo, a ostracização de todos que pensam diferente, o uso abusivo dos meios dos estado nas campanhas e no trabalho partidário, Etc, etc. Tudo aquilo que não se deveria fazer se houvesse ética. Por outro lado a Renamo chora a e não mama por culpa propria. é desorganizada, ha uma ruptura entre a base e o topo. Nestas eleições poderá ter havido fraude mas as diferenças são muito grandes para infulenciarem os resultados, salvo Nacala, Beira, Gurué e mais alguns. Fiquei estupefacto com as declarações do Mazanga na STV. o QUE ESTE SENHOR ANDOU FAZENDO NOS BANCOS DA uNIVERSIDADE? A Renamo foi baixando de quorum no parlamento por culpa propria, não por causa dos intelectuais. Parou em 94 e não evoluiu. Entretanto a Frelimo não andou a dormir. Foi retirando eleitorado a Renamo, uma parte por uma propaganda tão efeciente como a do Goebles, outra por apresentar trabalho que iam de encontro as preocupaçoes da população no momento. A Renamo não sabe capitalizar isso. O que era necessidade em 94 já não é a mesma em 2009! Com individuos do calibre do mazanga a Renamo não ira a frente. Modernizem-se, esqueçam a guerra e o que ganharam em 2004. Muitos dos vossos eleitores de 94, infelizmente, entregaram a alma ao criador. Os actuaias potenciais votantes são jovens que nasceram enquanto decorriam as conversações de paz e eles já vêm bem doutrinados da escola a favor da Frelimo. Não sei se o Mazanga lê este blog, se o faz, então por favor retrate-se.

Carlos Serra disse...

António: não usei o conceito no sentido da câmara escura de Marx, usei-o, sim, no sentido de coisa consciente. E tive o cuidado de fazer uso da expressão "por exemplo". Muito obrigado.

Jornadas Educacionais disse...

Professor
Agradeco o esclarecimento

Reflectindo disse...

Quero dizer que concordo com todo o texto do Dr. Serra e os pormenores foram dados pelo anónimo.

Anónimo disse...

Relativamente ao discurso da fraude, gostaria de por em análise o editorial do Jorna Lúrio, datado de 26 de Novembro de 2008.
"a Frelimo não pode ser crucificada pelo simples facto de ter desalojado a perdiz de alguns Municípios. Só pode ser aplaudida pelo facto de ter feito um trabalho de base sério, maduro e com responsabilidade.
A Renamo não pode ser culpada por ter perdido estrondosamente nestas eleições autárquicas. Só pode ser aplaudida pelo facto de ter feito um trabalho de topo a base , sem coerência, sem a visão aglutinadora de uma juventude que poderia contribuir para sua afirmação na base.".
Caros, aqui está um discurso de um apartidário que analisou as patologias e virtudes dos maiores concorrentes as eleições autárquicas.
Orgulhosamente Moçambicano, Nuno Amorim

Reflectindo disse...

Caro Nuno Amorim, isso é o que tu crês, tens o direito de fazê-lo, mas não de obrigares os outros a crerem o que tu crês.

Pelo que leio, a discussão não é sobre porque a Renamo perdeu e a Frelimo ganhou. Não é isso, meu caro compatriota.
Sobre os problemas da Renamo e as possíveis consequências, debateu-se neste espaco desde que a lideranca deste partido preteriu Daviz Simango à sua sucessão. Debateu-se e muito e o Nuno Amorim acompanhou de certo.
O que está a discutir-se aqui é fraude eleitoral tenha ela ocorrido em menos escala ou em grande escala. Tudo tem a ver com a forma como administramos a coisa pública, isto é, eleicões.

Continuo a dizer que tenho assistido processos eleitorais nos Países Nórdicos, em particular na Suécia, nunca vi tanta gente como fiscalizadora como queremos que seja em Mocambique - temos 50 partidos, e se cada partido mandar no mínimo 2 fiscais de mesa, temos aí no mínimo 100 fiscais, depois vem a polícia, os funcionários eleitorais.

E, pergunto como podemos reduzir este número ao mesmo tempo que cimentamos a confianca do nosso processo eleitoral e dos funcionários aí afectos?

É grave afirmar que já que se conhece o vencedor e os derrotados, não se deve investigar e discutir as possíveis fraudes ocorridas. É também grave dizer que as fraudes eleitorais em Gaza dispensam qualquer investigacão porque ali é só a Frelimo que reina. Paradoxalmente, foi em Gaza onde foram provados alguns actos fraudulentos nas eleicões de 2004. O Nuno Amorim, deve ter lido isso nos boletins de AWEPA, se não tiver lido e precisá-los, posso o facultar.

Recordo-me e escrevi isso no meu blog que uma política local na Suécia teve que se demitir porque fez uma fraude eleitoral ao retirar boletins de votos doutro partido, durante um acto eleitoral. Veja que a fraude ao ser julgada , não se olhou pela significância do partido que sofreu pela atitude daquela política. É isto que gosto de aprender, isto que julgo possível no nosso país e que pode sair-nos mais barato. HONESTIDADE!

Anónimo disse...

Vc ainda não percebeu Reflectindo que está a `falar` com um bufo agitador?

Reflectindo disse...

Caro João, percebi muito bem com quem estou a lidar, mas acho que debater é a melhor forma de apresentarmos as nossas diferencas.