16 novembro 2008

Quem não é mulato? (8) (a propósito de Barack Obama)

Vamos lá, então, prosseguir um pouco mais esta série.
Estamos confrontados com a substância raça. A raça de muitos de nós (ou de todos nós) surge, efectivamente, como uma substância primordial que cada um de nós parece carregar inexoravelmente desde a placenta. O problema é que ninguém dá por ela - salvo em termos de diferenças normais de pigmentação - até ao momento em que a dotamos de juízos de valor.
Juízos de valor em si, independentes do social no qual mergulha por inteiro a substância? Não, juízos de valor integralmente dependentes do social e das relações de poder nele inscritas.
Não é o racismo que nasce da raça, mas a raça que nasce do racismo.
Em todo o grupo que luta para manter os seus privilégios - a gestão das fontes e dos recursos de poder, afastando e perseguindo quem os disputa -, existem os princípios básicos do racismo: a exclusão e a estigmatização. A cor da pele é, apenas, um acidente. As relações raciais mais não são do que relações estabelecidos/marginalizados de um tipo particular.
Peguemos num exemplo da casa, da nossa terra.
A luta entre a Frelimo e a Renamo aparece invariavelmente, à superfície, transcrita num registo de mera luta entre partidos, entre processos eleitorais, entre gestões de democracia, entre complexos processos de etiquetagem. Uns aparecem como bons, outros como vilões.
A epistemologia do dia-a-dia opta pela casca da laranja.
Mas deixemos a casca da laranja e peguemos nos gomos.
Ao pegarmos nos gomos, o que realmente mastigamos, o que realmente sorvemos? A luta completa, sem mercê, entre estabelecidos e pretendentes ao estabelecimento, entre quem possui o Estado e a alma do sistema capitalista em curso e quem isso almeja, entre quem monopoliza as fontes e os recursos de poder e quem deles está despojado. Temos, aí, um exercício racial permanente.
Peguemos na sede de um distrito e analisemos a gestão dos sete milhões. As regras e os processos de funcionamento são os mesmos. Luta aguda, diária, de barricadas, para controlo dessas fontes de poder entre estabelecidos e candidatos.
Entremos no mundo universitário e analisemos a luta pelas fontes e pelos recursos de poder científico, de poder prestigial, de processos possíveis de levar a cargos de prestígio, aí compreendidos os ministeriais. Também aqui é diária, irreversível, a luta entre estabelecidos e marginalizados.
Com muita frequência falamos em racismo quando pensamos nos estrangeiros ou quando nas repartições ou nas empresas a selecção dos cargos parece ser comandada pelas epidermes. Pensamos que o racismo é unicamente isso, um exercício comandado pela raça, pela cor da pele.
Mas o racismo, em seu sentido mais geral, mais real, mais banal, mais quotidiano, está em todo o lado, em cada poro do nosso social. Ele não precisa de uma raça específica porque ele é toda a raça social em sua inegostável conflitualidade.
Sugestão: leia, a propósito, um trabalho da angolana Koluki aqui .
(continua)

2 comentários:

Koluki disse...

Ola'.
Obrigada pela mencao.

umBhalane disse...

Neste caso, pólos do mesmo nome se atraem – QUALIDADE.