O editorial do "Notícias" de hoje aborda de forma brilhante - e corajosa - o fenómeno da crença na chuva amarrada no céu na Zambézia. Julgo saber quem o escreveu, mas isso não é, agora, relevante. Relevante, para mim, é saber que alguém é capaz de ir para além da criminalização fácil e barata ou evitar ser engarrafado por pretensas cautelas científicas cujo função é, sempre, a de evitar o estudo das infra-estruturas sociais de fenómenos como aquele aqui em causa. Faz anos que luto por mostrar isso, infra-estruturas sociais de crenças, boatos, mitos, etc., em vários dos meus livros. E aqui, recentemente, lancei um apelo aos ministros da Justiça e do Interior e ao procurador-geral da República no sentido de irem para além da simples criminalização dos autores da crença da chuva amarrada no céu. E recentemente, também, questionei o envio do comandante-geral da polícia para resolver o problema da intranquilidade social surgida na Zambézia. A raíz deste tipo de fenómenos não se erradica com bastões, pistolas e polícia de intervenção rápida. Mais: de nada serve escondermos os problemas, de nada serve metê-los em saquinhos higiénicos de ideias bonitas saboreadas em gabinetes e blogues. O nosso povo não é burro - tenho repetido isto à saciedade em muito do que tenho escrito. Estamos cheios de criminalizadores denodados, mas escasseiam os verdadeiros pesquisadores que abandonem o céu das ideias e mergulhem na empiria, na realidade concreta dos que encaram a vida de forma diferente daqueles que vivem no conforto dos gabinetes e dos seminários, que possuem sistemas de representação social diferentes dos nossos. Alguns ficam felizes por tomarem as suas ideias pela realidade, dando-lhes, mesmo, o sinete da cientificidade. Finalmente, quero acreditar que um pouco do que tenho escrito e proposto desde 1996 foi absorvido pelo editorialista. Se assim foi, ainda bem, não por mim, mas pelos sempre outros, esses outros que, como escreveu o editorialista do "Notícias", nada custa haver por "ignorantes, supersticiosos e analfabetos".
Mas vamos a uma passagem importante do editorial: "Há uma forma fácil de resolver estes problemas, seguramente, bastante insuficiente e provavelmente a menos apropriada. Este caminho consiste em reduzir os actores sociais deste fenómeno a uma simplificada desqualificação, considerando-os implicitamente como uma gentalha de ignorantes, supersticiosos e analfabetos, e... ponto final. Na base disso, o eixo central sobre o qual se deve agir é a tomada do fenómeno quase que exclusivamente pelo seu lado criminal, cuja solução privilegia o método repressivo e a busca de cabecilhas."
Mas vamos a uma passagem importante do editorial: "Há uma forma fácil de resolver estes problemas, seguramente, bastante insuficiente e provavelmente a menos apropriada. Este caminho consiste em reduzir os actores sociais deste fenómeno a uma simplificada desqualificação, considerando-os implicitamente como uma gentalha de ignorantes, supersticiosos e analfabetos, e... ponto final. Na base disso, o eixo central sobre o qual se deve agir é a tomada do fenómeno quase que exclusivamente pelo seu lado criminal, cuja solução privilegia o método repressivo e a busca de cabecilhas."
1 comentário:
O problema da chuva amarrada ao céu não é distante da culpabilização colérica da cólera no nosso país. Mas verdadeiramente amarrado ao céu está a inteligência dos que devia entender este fenómeno. O problema dos nossos cientistas sociais é que na engenharia da luta pelo poder, para chegar à chefia de alguma coisa ou para mantê-la, ficam todos engenheiros, e mais grave, engenheiro sem faro do social...
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