06 janeiro 2009

Os externalizadores (4)

Nenhum ovo dá origem a um pinto se um calor local não lhe der um empurrão (palavras minhas para uma ideia de Mao Tse Tung).
Vamos lá terminar esta série com o título em epígrafe.
Neste número vou tentar mostrar, uma vez mais, como os externalizadores trabalham com as suas bombinhas de flit para matar não os mosquitos, mas as causas internas dos fenómenos sociais.
Vejamos o caso do Zimbabwe.
Como procedem regra geral os baygonistas? Recupero, a papel químico, o escrito no número anterior: através de múltiplos laços, directos e indirectos, conscientes e inconscientes, constróem um edifício causal-demonizante através das seguintes cinco linhas mestras, expostas em vários órgãos de comunicação social e na blogosfera do país:
1. Centrar os problemas sociais do país na desapropriação das terras dos farmeiros brancos, duplamente apresentados como estrangeiros: primeiro, por serem brancos; segundo, porque considerados descendentes de colonos ingleses.
2. Dar corpo à demonização externa exibindo Ingleses e Americanos como unicamente indignados pela expropriação agrária dos brancos.
3. Situar as sanções desses inimigos tenebrosos como as únicas causas de todos os problemas sociais do país e, em particular, do seu empobrecimento.
4. Produzir sistematicamente Morgan Tsvangirai e o MDC-T como meras marionetas, como simples cipaios do imperialismo anglo-americano. Assim fazendo, (1) a oposição é despojada de qualquer legitimidade histórico-nacional; (2) a sua luta é confinada ao campo dos atentados à soberania nacional.
5. A partir desses quatro eixos, apagar toda a trajectória das relações sociais que levaram: (1) ao aniquilamento da oposição interna através da decapitação da elite Ndebele seguida da perseguição do seu povo (prosseguida hoje, numa segunda vaga, com a sistemática caça ao MDC-T); (2) ao enriquecimento da elite político-militar na campanha militar congolesa, tudo coroado pela Operação Murambatsvina de 2005; (3) à transformação do Zimbabwe num Estado despótico, policial-militar, inimigo de qualquer tipo de crítica, interna e externa, neste último caso sendo considerados também como meras armas do imperialismo anglo-americano vozes como - entre outras - a de Tutu e de múltiplos outros representantes de igrejas, as da presidência do Botswana, a do falecido presidente da Zâmbia, Levi Mwanawasa, etc.
Portanto, tal como no primeiro exemplo desta série, veio (e vem sempre) à luz todo um cordão sanitário em torno de uma situação cujas causas internas importava e importa de pronto silenciar, de um fenómeno inscrito em relações sociais cujo êmbolo, cujas nervuras era e é imperioso ocultar, de um fenómeno cuja mecânica, se desnudada, poria em causa o roteiro pós-luta de libertação nacional, de uma luta que passou e passa a colher em si a justificação absoluta e divinizada, presente e futura, para qualquer acto exterior aos seus carris.
Assim, Mugabe e a élite político-militar do Zimbabwe surgem como meras e inocentes vítimas africanas de um inimigo europeu - sempre vingativo e neo-colonialista -, numa análise de teor psicologizante mas com a protecção retórica de um pouco da teoria de Gunder Frank, que - deixem-me repetir - torna estrangeira e desnecessária a análise das relações sociais internas e potencia no inimigo externo a razão de ser única dos graves problemas que o país enfrenta.
Assim procedendo, os externalizadores desculpabilizam integralmente o regime e o confortam e reproduzem ad infinitum. Se por vezes - deixem-se recorrer à psicologia caseira - Mugabe é mau, é porque maus são sempre aqueles que o atacam, não é?
Adenda: sobre a constante pressão de líderes religiosos regionais sobre o regime de Harare, confira aqui um despacho de ontem.
(fim)

Sem comentários: