09 fevereiro 2008

Externos, violentos e oportunistas (2) (prossegue)

"Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem" (Bertolt Brecht)
"Sobe o preço do transporte sobe o/Preço do pão/Deixam o meu povo sem Norte deixam o/Povo sem chão/Revolução verde, só vemos na nossa refeição/Agora pedem o que?...Ponderação/Pondera tu, antes de fazeres a merda/De subires o custo de vida/E manteres baixa a nossa renda" (Azagaia em "
Povo no poder")
A tese da mão externa, da exterioridade causal, tem sido frequentemente por mim abordada neste diário (recorde, por exemplo, aqui, aqui e aqui).
É possível considerar muitos níveis na imputação de exterioridade causal. Muitas vezes as causas externas são reais. Mas não menos vezes a imputação de exterioridade causal é, ao mesmo tempo, falsa e útil, excepcionalmente útil, politicamente útil quando em jogo está defender certos princípios e justificar uma determinada ordem social.
No caso vertente, o caso da revolta popular de 5 de Fevereiro na cidade de Maputo - amplatamente descrita neste diário -, a amplitude dos "tumultos" perturbou visivelmente a classe dirigente. Ora, toda a classe dirigente tem os seus pensadores, activos e passivos, directos e indirectos, despidos e ocultos.
O "Notícias" foi, apenas - sem peias, de frente, em manifesto exercício de ideologia institucional através do autor de um editorial -, um dos vasos capilares pensantes do pensamento destinado a desqualificar, a diabolizar os violentos do 5 de Fevereiro e a justificar a ordem social existente.
Para que o efeito da desqualificação pudesse ser amplo e definitivo, importava dissociar uma entidade substantiva considerada pura e pacífica - o Povo - de duas categorias consideradas impuras e maléficas: os provocadores externos e os oportunistas, os autores da violência, da desorganização social, do caos, do atentado à razão.
1.ª adenda às 13:20: a análise sentimental, piedosa, das relações sociais, parece fazer parte de uma coisa a-todo-o-terreno nos nossos sentimentos: a natureza humana. Todavia, importa sempre ter em conta que relações sociais são relações de poder, de conflitualidade. Sugiro-lhe que leia aqui uma coisa interessante, no Agry.
2.ª adenda às 14:26: um leitor chamou-me a atenção para esta notícia sobre a mão estranha vista pelo primeiro-ministro em 2000 quando da convocatória da greve geral pelos sindicatos moçambicanos. Confira aqui.

2 comentários:

Anónimo disse...

A mão estranha por detrás das manifestações já foi identificada pelo "Sacana" em 2000: http://www.mol.co.mz/greve/maosacana.html

Carlos Serra disse...

Obrigado Amigo, já coloquei uma adenda especial dedicada a isso...