Recebi da antropóloga Carmeliza Rosário o recorte em epígrafe, acompanhado do seu comentário, o qual transcrevo na íntegra e que pode - creio - dar um bom debate: "O que salta à vista é a incapacidade de se fazer análise sobre números. Para começar 9773 não é 77.6% de 40356. Mas existem outros problemas, pelo menos na minha perspectiva. Ninguém fala das abstenções. Falam das percentagens pelas quais a Frelimo ganhou, mas nada sobre se essa vitória é legitimável, isto é sancionada por mais de 2 terços de votantes. Pelas minhas contas apenas cerca de 30% dos potenciais eleitores de Cuamba votaram. Então o candidato da Frelimo só ganhou 77.6% de 30% dos eleitores. Esta é que seria a informação correcta. E por que ninguém se pergunta por que não votaram os outros 70%? Também ninguém especifica bem o que entende Maria Moreno por farsa. Será que está a falar de um resultado legitimável, como referi acima? Ou estará a pensar nas mesmas razões que foram mencionadas para o Município de Cuamba nas eleições anteriores, como intimidações, perseguições e não abertura de mesas eleitoriais em áreas claramente favoráveis à Renamo? Penso que não é debatível que a Renamo foi derrotada. Mas deve debater-se o quão esmagadora e inquestionável foi a vitória da Frelimo. E penso que é tempo de começar-se a debater as abstenções, os brancos e nulos, bem como a legitimidade de governação obtida com menos de 30% de eleitores a decidir. Acima de tudo, os jornalistas têm que começar a ter responsabilidade e profundidade nas notícias que transmitem."
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
10 comentários:
Caro Professor!
Permita-me que o felicit pela abordagem do tema! Tirando os pofessores Luis de Brito e Antonio Francisco (ambos do IESE), Marc de Tolenere e alguns outros, os nossos politologos, sociologos, antropologos e outros logos, nao nos tem brindado com analises sobre o processo eleitoral em geral e sobre as abstencoes!
Aqui esta lancado o desafio: onde anda o Observatorio Eleitoral? onde andam os cientistas sociai da UEM, UP, ISRI, ISCTEM, A Politecnica, UDM, Catolica?
Um abraco, Manuel de Araujo
Seria interessante sabermos porque razão as abstencões não se tornam importantes nas análises pos-eleitorais. E fazendo comparacão dos resultados autarquicos, parece podermos concluir que quando há menos abstencão, há mais competicão, política pelo menos em algumas áreas.
Qual é tendência de participação dos eleitores a nível mundial? O nível de participação política está longe ou não da tendência mundial? Se as eleições em Cuamba são ilegítimas dado o elevado nível das abstenções podemos, também, dizer que as eleições ao nível internacional são ilegítimas?
Por outro lado, se o Candidato da FRELIMO não ganhou com 77,6% dos votos, de acordo com a análise do post, por quanto é que perdeu Moreno? Ou seja, se a percentagem da vitória da FRELIMO baixa, a percentagem da derrota da Renamo e do seu candidato tornam-nos praticamente inexpressivos. É essa parte que deixou de ser dita.
Viriato Tembe
caro viriato quem disse que a tendencia mundial de participacao dos eleitores pode ser base da credibilidade de algum processso.porque nao pensar em algum descontentamento mundial .sabe o que significa abstencao?que as patrocina seja moralmente ou financeiramenete,sera que os que aparecem nas abstencoes nao votaram pq nao foram ou entao tiveram dificuldade de identificar-se nas suas respectivas listas.
estava tentando investigar algo relacionado com as origens da guerra palestina deste blog abaixo julgo algo pode ser aproveitado
http://palestina-livre.blogspot.com/
Caros leitores, sobre abstencoes escrevi este artigo que pode ser lido e comentado. Reagindo a Manuel de Araujo, penso que ha academicos que escrevem sim (para alem das excepcoes referidas), mas pouco e publicado, ou se e publicado, passa por uma criptagem que distorce o conteudo critico do original. Neste momento estou a cursar ciencia politica no Instituto de Estudos Politicos de Bordeaux-Franca e tenho estado a escrever. Continuarei a escrever e vamos trocanddo ideias.
Aprofundar: democracia moçambicana afectada pela doença do voto protestante (abstenção)
Por Ntsolo
Introdução
Este é um artigo (pseudocientífico) que pretende reflectir sobre o significado da abstenção em Moçambique. Segunndo a lei eleitoral moçambicana n° 19/2002, de 10 de Outubro no seu artigo 115 pode-se ler e compreender : « É logo eleito o candidato que obtiver mais do que a metade dos votos validamente expressos, não se contando os votos em brancos, nulos e as abstenções ». De acordo com esta lei, a abstenção não tem valor nenhum para a validaçao ou não da eleiçao do candidato. Para que o candidato seja eleito basta que obtenha mais do que a metade dos votos expressos. Uma vez reunida a soma, é eleito.
Este artigo é um convite à um passeio critico visando uma apreciacao atenta à este fenomeno de abstenção, propositadamente esquecido e violentamente rejeitado pela lei acima citada, num contexto em que, ele ganha corpo e significância e se faz presente todas as vezes que os moçambicanos são chamados a exercer o poder político previsto na Constituição de Moçambique. Não se pode negar que a taxa de abstenção tende a ser proporcional à idade da democracia moçambicana.
Este passeio, académico, deve ser acompanhado da minha compreensão sobre duas ferramentas teóricas extraídas de diferentes obras de sociologia política, a saber: participação política e abstenção.
1. A unha e o dedo: conceitos de participaçao política e de abstenção
Pode-se escrever um tratado sobre estes dois conceitos, pois a variedade e a diversidade da sua abordagem o permite. Mas para este artigo e para cumprir uma exigencia metodologica, selecionei alguns autores com os quais me identifico e são pertinentes para o objectivo deste artigo.
Denni, Lecomte e Lagroye (1997 :306,307) definem participação política como um conjunto de actividades, um ritual, um direito atravês do qual os cidadãos são habilitados a entrar em contacto com o carâcter sagrado do poder, para contribuir no processo de decisão sobre o bem público (aquilo que pertence ao conjunto dos cidadãos) à diferentes níveis (local, central, national, etc).
Segundo Lagroye (1997 :336), abstenção é a rejeição à essa prática, à esse direito, rejeição à esse conjunto de actividades, à esse ritual político, atravês do qual os cidadãos contribuem, pelo voto, para a escolha dos seus representantes no governo da coisa pública.
A questão central e que me inquieta não é o facto da negação do direito de participar. A minha inquietude emerge como fruto da minha aventura académica nas entrelinhas das obras dos diferentes autores, entre eles Lagroye, Lecomte, Mattonti, Subileu. Aventura da qual a minha dúbia (eu próprio duvido) e consequente interpretação, própria de um pretendente a pretendente à cientista social, sugere que a abstençéao, embora juridica ou tecnicamente uma negação ao ritual do voto (se calhar é baseado nessa percepção que a lei 19/2002 não o toma em conta), é tambem, assim como o voto, uma forma de participaçao política. Portanto em vez de manifestar um desinteresse pela coisa pública, uma negaçao ao ritual as vezes sagrado, ela é uma forma diferente de participaçao politica e para mim, uma forma de voto que eu considero protestante, logo, também um direito moral e cívico, assim como o voto. Não pretendo com este artigo encorajar o voto protestante e muito menos julgar a lei eleitoral n°19/2002 de 10 de Outubro, talvez procurar acompanhantes para esta viagem académica com vista à um brain storm a volta deste fenómeno voto protestante. Nem quero com este artigo tentar matar um cadáver.
2. Voto protestante: rejeitado mas sempre presente e nocivo
Para demonstrar o enunciado no subtíttulo, o artigo fará referencia a taxa de participação política e não a da abstenção, pois esta, embora não seja impossível não calculda em Moçambique. Talvez os estudos e relatórios que se fazem são influenciados pela lei 19/2002. Aqui importa referir que uma baixa taxa de participação (número de eleitores inscritos que votou), corresponde a uma taxa elevada taxa de abstenção.
Nas primeiras eleiçoes autárquicas (1998) a taxa de participação foi de 28% (Hanlon, Nuvunga,2003) pela percentagem, nota-se que a taxa de abstenção foi de longe superior a 50%. Isto significa que muito mais do que a metade dos eleitores inscritos não votou. Nas segundas (2003) embora tenha havido um aumento relativo da taxa de participacao, essa não deixou de ser baixa. No que concerne às eleições gerais (presidenciais e legislativas), a taxa de participacão também decresceu. De 88% em 1994, passou para 70% em 1999 e reduziu drasticamente para 36,42% em 2004. Uma taxa muito inferior a 50% (Foreign & Commonwealth Office, London, May 2000, European Union Election Observation Mission, 2004).
Este exercício estatístico deixa claro que independentemente do tipo ou do nível de eleições, em Moçambique, a abstenção está fortemente presente e reivindica cada vez mais o seu espaço. Este fenómeno rejeitado pelo preceito legal n°19/2002 de 10 de Outubro está presente e cresce a medida que a democracia moçambicana ganha idade. Não pretendo aqui me debruçar sobre as motivações sociologicas ( grau de integração na sociedade, na familia, sexo, idade, grau de descontentamento com a coisa pública, etc) ou estruturais (conteúdo dos programas politicos e do voto, estagnaçao política, etc ), pois não muda o sentido do meu argumento e não faz parte da obrigação deste artigo. Independentemente da relação abstenção/província, abstenção/idade, abstenção/sexo, abstenção/grupo étnico, abstenção/grau de integração social, abstenção/grau de militância, abstenção/conteúdo do voto, abstenção/grau académico, etc. para o caso das eleições moçambicanas, o voto protestante está la.
Consideremos o posicionamento de Lagroye, Lecomte, Mattonti, Subileau segundo a qual a abstenção é uma forma de participação política, aprofundando ainda mais, é um voto. A lei eleitoral n° 19/2002 não estará a ignorar o posicionamento duma parte significativa dos cidadãos, potenciais eleitores, que fazendo o uso do seu direito ao voto protestante, para contribuir na decisão sobre a coisa pública ? Porquê que diferentemente das primeiras eleições (onde a taxa de participação foi quase que 90%), as subsequentes registam um decréscimo, no caso das de 2004, assustador ? será que os cidadãos moçambicanos, potenciais eleitores, já não acreditam no valor simbolico e prático e no poder de mudança do voto ? Vale a pena continuar a ignorar esse conjunto significativo de cidadãos moçambicanos que coinscientemente e intencionalmente preferem o voto protestante em vez do voto tecnica e juridicamente expresso ? ou ainda para aprofundar, a abstençéao não será um voto expresso marginalisado ? imaginemos uma situaçao de ceteris paribus da taxa de abstenção, ou seja que a sua redução se mantenha constante, o que acontecerá nas próximas eleições de 19 de Novembro de 2008, ou nas gerais do proximo ano (2009), nas quartas eleições autárquicas ou nas quintas gerais, assim sucessivamente? Quais serão as alternativas ? mudar a lei eleitoral, tornar o voto obrigatorio e compulsivo (como na Belgica) ? abandonar o sufrágio universal ? voltar à institutionalisação do monopartidarismo ? Perguntas de respostas complexas que não cabe na ambiçao deste humilde artigo.
Se pegarmos o posicionamento de Subileu segundo o qual a abstenção coloca um problema profundo para o critério fundamental do funcionamento da democracia (sufragio universal) e as suas instituicões, seja ela representativa ou participativa. Segundo este autor, a representatividade e legitimidade dos eleitos e as organizações políticas são colocadas em causa pela elevada taxa do voto protestante. Esta põe a descoberto a crise do sistema democrático no seu todo e fracassa a ideia de representatividade. O voto protestante manifesta o fracasso progressivo da comunicação necessária e fundamental entre a classe dos governantes ( a minoria) e a classe dos governados ( a maioria). O posicionamennto de Subileu é pertinente, tem o seu valor científico e prático e se aplica ao caso moçambicano. O voto protestante é uma forma de participação politica que uma progressiva maioria de cidadãos moçambicanos inscritoos, encontrou e vêm ascendentemente fazendo o seu devido uso a favor da crise da representatividade democratica, crise de legitimidade dos eleitos, crise da crença sobre a validade do sufrágio universal, crise das instituições democráticas, crise do que Bourdieu chama de ordem política, crise do binomio ordem/obediência, etc. Este é o meu posionamento e ele pode ser refutado, ele precisa de ser susceptivel à refutação para ser um argumento baseado em instrumentos teóricos científicos e pretendente a científico.
3. Democracia e democracia moçambicana Vs Constituiçao da RM
Etimologicamente democracia deriva por justaposição dos termos gregos demo (povo) cracia (poder).
Retrabalhado, o termo pode significar poder do povo, exercido pelo povo, atravês da representatividade ou participação (nos casos de referendum) e para servir os interesses do povo. A constituiçao da República de Moçambique busca alguns elementos fundamentais desta base etimológica da democracia à nasçenca. Lê-se no seu artigo 1 « A República de Moçambique é um estado … democrático e… », na alínea 1 do artigo 2 « A Soberania reside no povo » e ainda no artigo 73 « O povo moçambicano exerce o poder político através do sufragio universal… para a escolha dos seus representantes … pela permanente participaçao democrática na vida da naçao».
A evolução permanente e incessante das sociedades no ambito politico, socio-económico e cultural deu novos rumos a esta democracia de origem ateniense. Esta era censitaria , não secreto e limitado aos homens, as mulheres nao tinham o direito ao voto. Na França por exemplo em 1913 o voto passou a ser secreto, em 1944 ele foi estendido às mulheres e em 1974 aos jovens com idade igual ou superior a 18 anos (Étienne, 1997). Nos Estados Unidos da América, uma das democracias mais velhas do mundo (desde 1787), no decurso do seculo XIX o direito ao voto deixou de ter restrições censitárias, raciais e de sexo como resultado da immigração, crescimento das cidades e outras forças democráticas (Bureau of U.S. Department of State/International Information Programs, US elections in brief, http://usinfo.state.gov/). Em Moçambique o processo de implementaçao começa relativamente tarde. Um dos marcos importantes foi a introdução duma constituição, da qual a Renamo não teve oportunidade de contribuir, em 1990 que já preconizava o multipartidarismo. Em 1994 houve as primeiras eleições gerais (legislativas e presidencias). Embora relativamente tarde e talvez por ter sido tarde, o direito ao voto em Moçambique já apareceu estendido a todos moçambicanos com 18 anos, independentemente da cor da pele (para não dizer raça), sexo, religião, poder económico, etc.
O direito ao SU , previsto na constituição é uma das formas atravês da qual o povo é chamado a exercer o seu poder político, atravês da qual o povo deve participar permanentemente na escolha dos seus representantes, está sendo rejeitado. Para ser mais preciso vem progressivamente sendo rejeitado desde as primeiras eleições democráticas. Sera que esta rejeição não põe em causa o princípio previsto na alínea 1 do artigo 2 constituição segundo a qual a soberania reside no povo, conjugado com o artigo 73 segundo o qual esta soberania é exercida atravês de formas previstas na constituição e uma destas formas é o SU? SU, instrumento político que vem sendo exercido no sentido contrário, atravês do voto protestante, voto este que a lei eleitoral 19/2002 de 10 de Outubro marginalisa na sua decisão sobre o candidato eleito, como se eleger fosse a única intenção do SU. Este antes de tudo, representa um simbolismo, um ritual incorporado nas crenças dos cidadãos, um instrumento e um momento ímpar para poder influenciar a decisão sobre o bem público. Como diz Denni e Lecomte um momento de contacto com o caracter sagrado do poder. Percebido nesta perspectiva global ou holistica, ele não visa necessariamente eleger um candidato, mas sim manifestar uma opinião, contribuir para a decisão da coisa pública, comprir o ritual, mobilisar as actividades conducentes à comunicação com o poder sagrado. Os eleitores não votam o candidato, mas sim votam na crença que a eles (os eleitores) se impõe e interiorizam-na, de que o determinado agente social (para emprestar o termo de Durkheim), actor político tem legitimidade para representar os seus interesses na gestão do bem público. Essa observação sociologica é importante. Com base nesta percepção do objectivo do SU, se torna menos pesado compreender a pertinência do voto protestante, pois, ele pode traduzir o descontentamento com o conteúdo político, ele pode significar que nenhum dos candidatos disponíveis é legítimo para representar os interesses dos que preferem o vooto protestante, ele pode siginificar a falta de crença e falta de incorporação por parte dos eleitores, da legitimidade da oferta presente na lista eleitoral. Por essa razão, em vez de abstenção, prefiro designá-lo voto protestante. Porque ele é um voto a favor da protestação do conteúdo do voto tecnica e juridicamente aceite, é um voto a favor da não incorporação da legitimidade dos candidatos. Em suma, ao protestar e votar a favor da negação, ele põe em causa todo o sistema democrático, incluindo os candidatos eleitos. É isso que está acontecer desde que a democracia existe em Moçambique. Parte desta crise por hipótese (é mesmo uma hipótese) se manifesta pelo facto da descrença sobre o poder decisivo e executivo do SU em Moçambique. Os resultados das eleições nao vão de acordo com as intenções do voto, daí que há uma preferência pelo voto protestante. Nao é por acidente que nos estados unidos da América, os eleitores podem mencionar o nome dum cadidato, mesmo que ele nao conste da lista eleitoral, nos boletins de voto.
Posto isto, pode um candidato eleito, num contexto onde mais do que a metade dos eleitores inscritos preferiu o voto protestante, ser legítimo ? Quais são as fontes de legitimidade dos governantes num sistema político democrático ? Weber propõe o legal-racional, fundado na constituição. A legitimidade pode ainda ser buscada na religiao, na tradição ou ainda na luta de libertação nacional. Esta última fonte de legitimidade parece ser muito usada no contexto moçambicano. O facto de que certos actores politicos participaram (teorica ou praticamente, não interessa) na gloriosa Luta de Libertaçao Nacional, que resultou na proclamação da República Popular de Moçambique (Hoje, teoricamente República de Moçambique) em Junho de 1975, lhes dá o direito incontestável e eterno de governar o país até que a morte infelizmente (para eles) lhes retire este direito.
Existindo ou não outras fontes de legitimidade, a progressiva taxa de voto protestante, põe em causa a principal fonte de legitimidade num sistema democrático que é a constituição e que coinscide com a fonte de legitimidade que Max Weber apelida de legal-racional. Isso leva a sugerir que o sistema democrático em Moçambique está em crise. E esta crise está cada vez mais caotica, ninguém sabe onde vai dar.
Conclusão
A ideia segundo a qual a abstenção é uma forma de voto, sugere que ele deve ser tomado em consideração para uma reavaliação do sistema democrático moçambicano, tendo em conta a lei eleitoral 19/2002. Esta ideia, associada ao facto de a taxa do voto protestante ter aumentado de 1994 até hoje, reforça ainda a sugestao duma reavaliação do sistema democrático moçambicano com ajuda dalguns autores aqui mencionados.
A não ser que o unico objectivo
dos governantes eleitos moçambicanos (independentemente da taxa de participaçao) e os membros dos seus governos (tanto Renamo, PDD, PIMO, Frelimo, etc.), seja somente de governar, sem ter em conta o sentimento daqueles a quem governam, aqueles que legitimam e dão corpo, sentido e essência a ordem política, àqueles que dão existência à este estado moçambicano, em crise segundo a definição de estado de Weber. O voto protestante não é uma escolha política como outra qualquer, ela é um problema político em si mesmo e que não deve ser marginalisado por um preceito legal feito pelo homem e para servir os interesses de bem-estar dos homens.
Em Moçambique, assim como na maioria das democracias, o candidato eleito, não governa somente os que o votaram, mas sim todo o conjunto de individuos nacionais ou não, residentes permanetemente ou não no espaço que se chama Moçambique, espaço dentro do qual o projecto polítiico de estado moçambicano tenta se impor, mesmo consciente de que a história lhe negou a possibilidade de participar na definiçao dos seus limites. Estes limites foram moldados em função dos interesses do conflito imperialista, e não em função dos interesses de todos aqueles que partilham essa crença de pertença uma comunidade que se chama moçambicanos, incluindo a minoria que governa este projecto de estado ainda em difícil, duro e longo processo de construção e longe de se consumar. O candidato eleito governa também aqueles preferiram o voto protestante, que não o legitimam. A questão é saber de que forma os que não legitimam o candidato eleito, participam neste jogo de governaçao, onde a presença de todos e as suas crenças são elementos chaves para a aplicação da ordem política. Será que ainda vale a pena continuar a marginalisar o voto protestante? Como é que o voto protestante se manifesta quando ele já não pode se fazer valer pelo ritual do SU?
Fontes consultadas
Livros
Étienne, Jean, et al (2e ed.), Dictionnaire de sociologie : les notions, les mécanismes et les auteurs, Paris : Hatier, 1997
Lagroye, Jacques (3ed. révisée et mise en jour), Sociologie politique, Paris : dalloz, 1997.
Lecomte, Jean-Philippe, Sociologie politique, Paris : Gualino Editeur, 2005
Matonti, Frédéric, Le comportement politique des français, Paris : Armandi Colin, 1998.
Subileau, Françoise, L’abstention : participation, représentativité, légitimité, in : Masquet, Brigitte(ed.), et al, Regards sur l’actualité, Paris : La documentation française, s.d,
Relatórios
Bureau of U.S. Department of State/International Information Programs, US elections in brief, http://usinfo.state.gov/
Union Election Observation Mission, Republic of Mozambique: presidential and parliamentary elections, 1-2 December, 2004
Documentos
Constituiçao da República de Moçambique, aprovada pela Assembleia da República, aos 16 de Novembro de 2004.
Lei n° 19/2002 de 10 de Outubro
Artigo de jornal
African Research Group, Mozambique: The Regional vote in legislative elections, In
Foreign & Commonwealth Office, London, May 2000
Hanlon, Joseph ; Nuvunga, Adriano, Mozambique political process bulletin, (29), December 2003
Sugiro, já agora, que se passe uma vista de olhos pelo livro que dirigi, o "Eleitorado Incapturável" de 1999, há muita coisa pioneira sobre abstenção, votos em branco, votos nulos, etc.
Caro Kimmanel, há alguma afirmação minha que diga que a tendência mundial é a base de legitimidade dos processos eleitorais?
Fiz algumas perguntas e, uma delas, é a seguinte: "Se as eleições em Cuamba são ilegítimas dado o elevado nível das abstenções podemos, também, dizer que as eleições ao nível internacional são ilegítimas?"
Viriato Tembe
Caro Reflectindo, o Professor Carlos Serra ensina-nos muitas vezes, QUANDO LHE CONVÊM, que na análise dos fenómenos devemos ter em atenção as dinámicas económicas e sociais que lhes dão origem. Ensina ainda o Professor Carlos Serra, TAMBÉM QUANDO LHE CONVÊM, que a solução de muitos desses problemas não É MERAMENTE TÉCNICA. Implica, pelo contrário, a tomada de medidas enérgicas de grande alcance político. Muitos poderão confundir medidas políticas com truques de dirigentes (os governantes). Mas não é a isso a que o lúcido Professor se refere.
Quando alguns iluminados nos vêm dizer que os africanos são, ESSENCIALMENTE, propensos ao fatalismo, à irracionalidade, à crença na magia e que praticam um comunitarismo que sufoca a iniciativa individual só podemos recorrer ao insigne Professor.
Como é que os africanos poderiam se libertar do fatalismos e outras mazelas se. Até há 30 anos, se lhes recusava o acesso à escola? Como é que os africanos se poderiam libertar do autoritarismo do curandeiro e do feiticeiro se não conheciam a cor de um hospital? Como é que uma jovem mão se libertaria da tradição e da opressora autoridade da sogra se apenas dependia dela para dar o parto? Poderia esta mãe libertar-se do “comunitarismo que sufoca a iniciativa individual”? Creio que é a estas questões políticas a que se refere o velho Professor.
Onde está a classe média africana? Não esquecer que a classe média é o principal caldeirão onde as ideias novas e libertadoras se cozinham. Quanto tempo leva e emergir uma classe média? Convêm lembrar, porque sei que Reflectindo o sabe, que os africanos aqui em Moçambique (isto é, os negros) não podiam ser maquinistas de comboio, isto até 1975. Os moçambicanos não podiam registar propriedade e iniciar um empreendimento comercial. Isto até 1975. Alguma classe média poderia emergir neste verdadeiro espartilho social?
Por outro lado, como poderemos massificar uma classe média verdadeiramente africana? O milho, o trigo, a fruta que os nossos tios, pais, primos e irmãos plantam nas nossas aldeias podem ser vendidos e consumidos, digamos, no Maputo? Em caso afirmativo, onde iriam parar o milho, o trigo, a fruta pesadamente subsidiados produzidos nos países ocidentais? Esse milho, trigo e fruta podem ter acesso aos ricos e compensadores mercados ocidentais? Como? E de que como iria surgir uma classe média e uma sociedade civil genuína e não imposta por doadores nestas circunstâncias.
Deixe-me aqui, caro Reflectindo, ser maldoso. O que aconteceria se os GOVERNANTES decidissem proteger seus camponeses, dificultando a entrada de produtos estrangeiros? O que aconteceria se os dirigentes africanos decidissem estimular o mercado do lado da demanda, promovendo a construção de mais obras públicas e pagamento de salários mais decentes ao seu povo? SERIAM BLOQUEADOS COMO MUGABE, SOB O PRETEXTO DE QUE ESTÃO A ALARGAR O DESEQUILÍBRIO DAS FINANÇAS PÚBLICAS. DIR-SE-IA QUE NÃO DEVEM RECEBER CRÉDITOS INTERNACIONAIS PORQUE ESTÃO A EXPANDIR A INLACLÇÃO.
A libertação do povo africano das peias do obscurantismo, depende em grande medida de se ir conquistando terreno nestes obstáculos e nesta herança pesada. E isso não depende só de governantes. Depende também de termos, por exemplo, líderes religiosos que se preocupam com o progresso material dos seus fieis. Depende de termos uma vibrante e crescente classe empresarial. Uma classe empresarial que se multiplica continuamente no campo e na cidade e que se preocupa com o crescimento dos seus negócios e com o enriquecimento contínuo dos seus empregados. Depende da disseminação de colégios e escolas técnicas públicos e privados ao longo de todo o continente. Depende de termos uma classe intelectual CRÍTICA E NÃO MALDIZENTE.
Viriato Tembe
Vão me perdoar, o comentário anterior não se destinava e este post. Tem a ver com o post que reproduz resumidamente o pensamento filosófico do camaronês Daniel Etounga-Manguelle. O post tem o título “Ajustamento cultural para África”
Viriato Tembe
Caro Ntsolo
Li o teu interessante artigo e deixou-me com saudades de discutir/debater contigo a problemática das abstencões. Para mim, não é para discutir sobre quem venceu nestas e naquelas eleicões porque mesmo se com mais de 90 % de votantes há sempre vencedor/es ou perdedor/es. A questão é do porquê há altas abstencões?
Sabe-se também que em termos de em eleicões autarquicas a participacão desta vez subiu. A que se deveu?
Por outro lado, acho justo aceitarmos que o potencial eleitoral da Frelimo é estável e nem que seja ligeira a sua participacão cresce enquanto que o da Renamo e os dezenas de partidos da oposicão cresce em abstencão. A que se deve isto?
Nota: se o assunto estiver ultrapassado, poderás me enviar a resposta por askwaria@gmail.com.
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