Segundo o jornal O autarca de hoje, "dois supostos malfeitores, identificados como sendo António Tesoura e Manuel Sousa Mucobo, este último vulgarmente conhecido por Americano, de 30 e 36 anos de idade respectivamente, foram mortos na madrugada do último sábado vítimas de linchamento (na foto, do jornal) pela população no Bairro de Mandruze, arredores da Cidade do Dondo, Província de Sofala, após terem sido encontrados na posse de vários bens roubados na noite de sexta-feira aos munícipes residentes nos Bairros de Canhandula e Nhamainga."
Em outra notícia na mesma edição e a propósito do trabalho que uma comissão policial tem realizado na Beira e no Chimoio para apurar as causas dos linchamentos, o jornal diz que "um Pastor da Igreja Adventista do Sétimo Dia em Chimoio, Província de Manica, no Centro do País, foi denunciado pelo Director Nacional da Polícia de Investigação Criminal (PIC), Carlos Comé, como tendo-se expressado em público a favor dos linchamentos, evocando que esta prática consta escrita da Bíblia Sagrada". O jornal acrescenta que "a população mostrou-se determinada a prosseguir com a prática de linchamentos enquanto os criminosos continuarem à solta, e nalguns casos a comissão do Ministério do Interior liderada por Carlos Comé foi vaiada. " O meu obrigado à Paula Libombo e ao Egídio Vaz pelo envio do jornal.
1.ª adenda às 16:49: o último linchamento no Dondo registou-se em Novembro do ano passado, sendo o quarto nesse ano na periferia da cidade.
2. ª adenda às 16:54: com os dois linchados no Dondo, eleva-se agora para 20 o número total de linchados este ano em Moçambique, a saber: seis em Chimoio, oito na Beira, dois no Dondo e quatro em Maputo.
3.ª adenda às 17:44: em seu trabalho de prevenção, absolutamente necessário e urgente, a polícia deverá, porém, prestar muita atenção à forma como tenciona lidar com os linchamentos e com a inquietação popular.
4.ª adenda às 18:51: obter informações sobre linchamentos em comícios pode ter certas vantagens. Mas as desvantagens são, creio, bem maiores. Em comícios ouviremos meia dúzia de pessoas dizerem em uníssono (e logo de seguida apoiadas) que as causas são a falta de policiamento e a soltura dos meliantes ou supostos meliantes.
6 comentários:
Professor, se as pessoas estão cientes( presumo) do que lhes vai acontecer( sobretudo nesta região) após serem apanhados, porquê ariscam a vida por "nada"? É diferente de uma situação onde o ladrão diz, vou roubar e se a polícia me apanha dois ou três meses depois estou fora das grades por isso vale o risco. Agora um linchamento é a forca...não tem volta, é morte certa e muitas vezes por um jogo de cadeiras plásticas, um telemóvel. Realemnte gostave de perceber as motivações destes indivíduos...
Wetele, dê-me só alguns minutos mais, que logo de seguida, irei não responder, mas pré-responder, colocando-lhe e colocando-me algumas inquietações. Até já.
ESTUDOS CIENCIAS HUMANAS APLICADAS
PARANÁ BRASIL/UNICAMPO
Professor Serra, eu embora que estou fora do País sensivelmente ha mais de 4 anos, me lembro que Alice Mabote da liga dos direitos humanos ter falado num dos debates no ano passado, que a crise zimbabweana iria afectar a região em particular moçambique.
Não sociologo mas, começo a imaginar o nível de criminadade durante o período da crise economica e politica no zimbabwe até por quê essa sictuação se o governo não tomar medidas e só se limitar em prender os malfeitos tenho certeza que com a regionalização moçambique poderá virar sítio onde cada qual faz o que quer estou falando e escrevendo hoje dia 10/03/2008 alguem vai se recordar nos proximos tempos desse meu comentário.
Concordo ánónimo, a situação vai se tornando cada vez mais mais "normal" e aceite por todos que passaremos para uma segunda fase que será de catanar ou degolar, em plena via pública,as pessoas acusadas de roubo ou feitiçaria( estes também não escapa as chamas do peneu)...
Estamos confrontados com uma situação que achamos anormal. E acho que temos razão em considerá-la como anormal. E tão mais anormal quanto, como diz e bem o Wetela, tudo pode gravitar em torno de um celular. Ou, até, de coisas de muito menor importância. Mas neste caso anormal que se normaliza cada vez mais, não são as coisas que são vitais, mas os sentimentos, os motivos que estão à sua retaguarda, os variados caminhos causais que deles são os êmbolos. E nesses variados caminhos causais (ou na sua extremidade) temos a tendência - muitos de nós e de forma legítima - de encaixar os comportamrentos anormais em modelos de irracionalismo, de multidões sedentas de sangue e de emoção descontrolada, de obras sanguinárias a cargo de facínoras sem alma, etc. Estamos, na verdade, en nossa posição de observadores, de conscientes da razão,, diante de actos vândalos, de actos que romperam o nosso verniz civilizacional. Tudo bem. Porém, o mais difícil está em compreender as lógicas que tornam cidadãos pacatos, jovens adolescentes, crianças, mulheres, em peças uníssonas de um mesmo acto, através de um processo acumulativo de raivas, de frustrações, de inquietações, no eclipse da razão. E é aqui que temos dificuldade de penetrar, como se sentíssemos, numa vertigem, que fazer isso significa aceitar, partilhar, etc. A nossa força racional é tão forte que recusamos tentar entender aquilo que provoca a "irracionalidade". Mas enfim, tempo haverá para por à disposição de todos o que tem sido investigado. E perdoem-me esta teoria esfarrapafa. Abraço.
Ilustre professor,
Não quero por este meio desmerecer o estudo sociológico que tem feito sobre linchamentos. Não tenho competência para o efeito.
Quero apenas chamar atenção sobre o cuidado a ter quando, reiteradamente, usamos a expressão "soltura dos meliantes ou supostos meliantes".
A minha chamada de atenção é também um convite para reflexão. Vou partir de dois exemplos simples.
Ex1 um indivíduo é encontrado no quintal de um vizinho a furtar 1 pato e 1 galinha. A população, depois de uns pontapés e alguns tabefes, leva o indivíduo à esquadra e a polícia, encarcerra o indivíduo na cela da esquadra!
Ex2 há um desfalque naquela grange empresa e depois de uma investigação preliminar (que precisa ser aprofundada) os suspeitos são o contabilista e o director financeiro da empresa.
A actuação do juiz DA instrução na determinação das medidas de coacção a que os indivíduos descritos nos exemplos acima exige a ponderação de vários interesses que entram em rota de colisão em cada caso concreto. Se de um lado, estão os interesses investigativos e penais do Estado, de outro,estão os interesses de quem sofre as consequências da medida restritiva. É da ponderação entre uns e outros que emerge a medida mais adequada e legal, em cada situação concreta.O Juiz socorrer-se-á então de um princípio da proporcionalidade na sua trípla dimensão: idoneidade da medida para se alcançar o fim desejado, necessidade de sua adoção e ponderabilidade dos interesses em conflito.
No exemplo dado em 1 será que vale a pena decretar prisão preventiva do pilha galinha? Que interesse estariamos aqui a proteger? Perante a situação concreta das nossas cadeias prender preventivamente esse indivíduo que benefícios tira a sociedade ESTADO? É que, no momento da decretação da prisão preventiva,para além de atender aos requisitos formais do Código de Processo Penal (art. 286º)o que existe de mais imperioso é a necessidade de se ponderar os vários interesses em conflito para se descobrir quais, concretamente, devem prevalecer. Neste exemplo, no meu juízo, LEGALMENTE e sendo juiz não decretaria prisão preventiva.
É aqui que entra o outro factor de ponderação que eu gostaria que socíologos e juristas tomassem em conta. Embora legalmente podesse mandar o indivíduo do exemplo 1aguardar julgamento em liberdade, perante A ONDA DE LINCHAMENTOS e a IMCOMPREENSÃO DA LEGALIDADE DA MEDIDA PELAS PESSOAS DA COMUNIDADE A QUE AQUELE INDIVÍDUO REGRESSARÁ, seria uma IRRESPONSABILIDADE da minha parte SOLTAR O INDIVÍDUO. Seria praticamente condená-lo a morte. Mas detendo-o preventivamente por esta razão, estaria eu a praticar justiça? Que critérios devemos ter em conta quando falamos em justiça? A realização daPUNIÇÃO ou a possibilidade de retornar o indivíduo (também) com alguma utilidade para a sociedade?
No exemplo 2 se considerarmos a possibilidade de distruição de provas ou mesmo de fuga, podemos decretar prisão preventiva.
Vamos reflectir.
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