15 março 2008

Linchamentos e a negação da questão

Com uma velocidade e com uma intensidade crescentes, constrói-se em torno dos linchamentos a seguinte teoria: os linchamentos são devido à ineficácia da polícia.
Essa teoria, que pode aparecer agregada à formulação de uma polícia corrupta, é de grande eficácia emocional (identifica logo o problema), com uma solução evidente: basta termos uma polícia presente, persistente e pura para os linchamentos acabarem, para pôrmos fim ao lado ignóbil dos seres humanos.
Ora, um dia, o sempre jovem Karl Marx escreveu uma coisa lapidar: é preciso saber se a impossibilidade de solução de uma questão não está contida nas premissas dessa questão. Frequentemente – acrescentou ele – a única possível resposta é a crítica da questão e a única solução é negar a questão.
Então, o que proponho, o que tenho proposto inúmeras vezes a vários níveis, é, justamente, criticar a questão tal como está a ser colocada, é negá-la.
E a negação começa pelo lado mais fácil: jamais será possível termos uma polícia presente em todo o lado, persistente em todo o lado, pura em todo o lado.
O problema principal nos linchamentos não consiste em saber como pode a polícia suster a avalancha linchatória, o sismo linchatório.
O problema principal nos linchamentos consiste em nos interrogarmos sobre as condições sociais que, diariamente, produzem e reproduzem os seguintes três fenómenos:
1. Criminalidade galopante
2. Deficiente funcionamento dos aparelhos formais de justiça
3. Bloqueio dos aparelhos informais de justiça
Trilhar essa via não é fácil. Por quê? Porque, por um lado, remete para a avaliação global, total, do modelo político de vida que temos; por outro lado, remete para a terapia global.

1 comentário:

Anónimo disse...

Tarefa dolorosa essa ilustre. A tarefa de avaliar o global, o total, o modelo político de vida que temos. Tarefa de nos remetermos para a terapia global. Não nos queremos ver, sentir parte do problema e enquanto prevalecer esse "senso de justiça", não admitirmos mesmo que hipoteticamente a possibilidade de fazermos parte do problema, enquanto não admitirmos a natureza complexa do fenómeno todo esforço será no mínimo "aspirínico"