Semanário "Savana", edição de 21/03/08, já à venda, p. 15. Estes dois casos mostram, de forma dramática, o efeito dominó que os linchamentos, em sua vertente cruelmente justiceira, podem ter em nós, no caso aqui em causa ao nível das crianças dos primeiros graus do nosso ensino. Recorde os dramáticos acontecimentos de Chimoio - com linchamentos inclusos - aqui e aqui (clique duas vezes com o lado esquerdo do rato sobre a imagem para a ampliar).
1.ª adenda às 17:24: este é um tema muito complexo, muito delicado. Torna-se urgente estudar os potenciais de violência em nós instalados e a instalar-se. Já comecei uma modesta reflexão a esse nível, reflexão que prosseguirei. Mas chamo a especial atenção dos psicólogos (palavra especial para aqueles que conheço, o Rómulo, o Faduco, a Mabel) para a necessidade de monitorarem as formas e as consequências desses potenciais, as consequências dos ritos de iniciação à violência em meio urbano e peri-urbano (por agora).
8 comentários:
… “o objectivo da verdadeira educação, consiste apenas em ajudar o educando a descobrir-se e reconhecer-se a si mesmo e a fazer o inventário dos seus próprios recursos.” (O.S.Marden)
Decididamente, estamos longe deste ponto de vista. “Bombardeamos” os nossos jovens na TV e comunicação social em geral com outros valores: violência, facilitismo, consumismo. Os nossos jovens são o produto dos valores que lhe incutimos.
Um abraço,
FM
Não apenas dos valores, mas, tb, das práticas.
Assistem e aplaudem os nossos linchamentos. Escutam e adoptam o nosso conceito de justiça. E dai? Pôr em prática é só uma questão de oportunidade. E vamos dizer que vivemos numa sociedade com valores? Sociedade conservadora?
Ocupamos espaços dos órgão públicos de comunicação, saltitando de estação televisiva para outra, sempre a justificar e a racionalizar os linchamentos. As nossas crianças escutam, todos os dias, as nossas maiores sumidades a darem uma explicação racionalizadora e justificadora do fenómeno. Depois nos indignamos de que queiram linchar colegas de tenra idade!
O que vou dizer pode parecer sacrilégio. Mas parece-me verdade que algumas análises das academias não deveriam ser extensivamente difundidas através da TV. Pior ainda quando são ainda hipóteses. As pessoas apossam-se dessas hipóteses e convertem-nas em regras.
Condenar os linchamentos, condenar os motins, condenar a distruição da propriedade e da vida pode parecer um acto simplista. Mas pode ser aquele acto que induz a uma certa ordem social, a uma certa tranquilidade. Transformar os telespectadores e os leitores de jornais em participantes de debates académicos e intelectuais pode ser perigoso. Precisamente porque nem todos estamos preparados para apreender uma hipótese como tal. Muitos de nós encaramo-la como a explicação do universo.
A minha intuição diz-me que ainda veremos mais crianças assando outras. Enquanto saltitarmos de programas televisivos populares para outros. Sempre alegremente e irresponsavelmente.
Jonas Langa
Claro que se há-de dizer que a exclusão social e as crescentes desigualdades são a causa desses fenómenos. Só que, a ser assim, todo o mundo, talvez com a excepção de Cuba e da Coreia, deveriam ser enormes assodoiros de pessoas. Há exclusão social, há desigualdade, há Estado deficitário em toda a África, em quase toda a Ásia, em toda a América Latina. Há bolsas desses fenómenos no mundo ocidental. Mas, nesses sítios, as pessoas não se dedicam a assar umas às outras.
Temos que ver o nosso próprio papel, como órgão de comunicação social, como académicos, como comentadores e como analistas, na popularização e na adopção como modelos desses fenómenos destruidores. Até agora, esses fenómenos só existem onde há televisão, onde há jornal, onde há pilhas para radio. Isto pode querer dizer alguma coisa. Provavelmente andamos a incitar à prática desses fenómenos
O que há de interessante em Jonas Langa não é o seu comentário, a o facto de o ter escrito. Tentar aqui imputar as causas do fenómeno social que são os linchamentos aos académicos e medias é um simplismo levado aos extremos. Nenhum fenómeno social tem uma causa, ou seja, o que torna possível um fenómeno social é um conjunto de causas que só colacados em interecção podem nos ajudar a compreender melhor. Pelo menos até agora (21 de Março)nenhum órgão de comunicação social manifestou-se a favor dos linchamentos, nenhum académico manifestou-se apologista deste fenómeno. Dizer que um fenómeno é racional, não implica necessariamente que o autor do enunciado aplaude e apela ao mesmo fenómeno. Mas também repetir em coro entusiasta o que Le Bon escreveu a propósito das multidões não reduz as probabilidades da ocorrência do fenómeno linchamento.
Os linchamentos são um fenómeno tão complexo e que exige de todos nós uma profunda reflexão, um estudo aprofundado, que vá para além das simples acusações de incitaento à violência.
A questão central agora não é condenar os linchamentos, não é evacuar os seus praticantes da racionalidade, não é procurar (ou inventar) links com mãos externas, o importante e urgente é compreender o que está por detrás do fenómeno, é identificar a árvore genealógica do fenómeno, não para podar a árvore, mas para saber que fertiliza o terreno da arvóre, decobrir os adudos e a condições do solo em que brota a tal árvore.
As pessoas não linchamporque viram (na imprensa, sobretudo a televisiva) outras a linchar, mas porque acham que o fio condutor dos problemas que levaram os outros a linchar lhes atravessa, por acharem que os motivos invocados pelos outros linchadores lhes são, afinal, também actuais.Há várias formas de olhar para os linchamentos, a normativa, que está mais perto da politicamente conveniente, e a positiva, que olha para o fenómeno em sí, tal como é e como se apresenta ser. Os normativos, moralistas, não só vão condenar o fenómeno, como também vão (já estão) cortar o cordão umbilical que liga os "linchadores" à razão, vão desapropiá-los da capacidade intelectiva e, em compensação, concessioná-los um síndrome arruaceiro, desordeiro, tumultuoso. Enfim, é uma questão de escolha.
"As nossas crianças escutam, todos os dias, as nossas maiores sumidades a darem uma explicação racionalizadora e justificadora do fenómeno. Depois nos indignamos de que queiram linchar colegas de tenra idade"
Caro Jona, se "gente adulta" não consegue "escutar" e entender oque se trata nesses debates e que chegam a achar que "as nossas maiores sumidades" estejam a dar "uma explicação racionalizadora e justificadora do fenómeno", tenho que duvidar e muito que seja desses debates que as crinças aprendem a linchar. Que criança assiste à um debate? Se mesmo nós os pais preferimos escutar coisas que nos entretenham a ponto de deixarmos de pensar, "reflectir dolorosamente" sobre os problemas sociais. Oque sugere caro Jonas? Um silêncio absoluto em torno da questão? Vamos acreditar que o mal desaparecerá por si mesmo? Vamos deixar de discutir os nossos problemas?
O que significa um órgão de cominicação social não apoiar linchamentos? Alguém aqui acredita que apoiar linchamentos é fazer uma declaração formal a dizer que eles são positivos? Quando as nossas televisões abrem os seus espaços noticiosos com notícias mais do que detalhadas sobre linchamentos não será isso uma posição em relação ao fenómeno?
Acredito que mais contenção e um tratamento mais responsável deste tipo de fenómenos, por parte da comunicação social e de todos os seus parceiros (incluindo académicos) tem um efeito diferente duma reportagem e comentários sensacionalistas, extensivos e quase populistas.
O "Times" não é menos verdadeiro ou menos objectivo por ser comedido. Tendo a acreditar que esta contenção do "Times" é que lhe confere toda a aura de objectividade que o cerca.
Jonas Langa
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