Consideremos apenas três fenómenos na delicada geografia política do Zimbábuè, país onde a inflação atinge os 100.000%:
1. Os observadores do processo eleitoral para as presidenciais e parlamentares do dia 29 deste mês, nacionais e estrangeiros, não terão acesso aos locais de votação e de contagem de votos. Apenas os funcionários indicados pela Comissão Nacional de Eleições o poderão fazer. Por outro lado, os observadores poderão presenciar as eleições em todo o país, mas as suas conclusões não serão tomadas em conta.
2. O regime do presidente Robert Mugabe tem sistematicamente perseguido a oposição, designadamente aquela representada pelo MDC e pelo seu líder, Morgan Tsvangirai. Este tornou-se, indiscutivelmente, o ícone da liberdade para um povo atirado para uma dura sobrevivência diária.
3. Uma recente sondagem apresenta Morgan como grande favorito nas eleiçõesdeste mês, contra as preferências combinadas atribuídas a Robert Mugabe - perseguindo mais um mandado presidencial aos 84 anos - e Simba Makoni, ex-ministro das Finanças e ex-membro do partido no poder, a ZANU.
São apenas três fenómenos numa galeria política complexa e propícia ao efeito Quénia. Efeito que poderá gerar um efeito dominó complicado a nível regional.
Nota: foto extraída daqui, mostrando o equivalente em dólares zimbábueanos a 100 dólares norte-americanos.
Adenda: enquanto isso, o primeiro-ministro britânico Gordon Brown tomou a vergonhosa decisão de fazer expulsar mil zimbábueanos que vivem na Grã-Bretanha, sob argumento de que agora não correm perigo de vida no Zimbábuè. Se quer ler em português, use este tradutor.
5 comentários:
Uma vergonha a posição do R.U.!
Os observadores não poderão aproximar-se dos locais de votação. E a comunidade internacional vai cruzar os braços a mais essa vergonha?
Quanto a Mugabe, ele não pode durar muito mais.Ou será que pode? Os Deuses não podem estar loucos, caramba!!!!!!
Curioso entendimento do direito de asilo e refúgio... Como a estupidez também tem limites, será que Brown conta com 10 corpos ensanguentados à chegada a Harare, para escândalo mediático a servir no Jornal da Noite?
Claro que não quero crer nisso, mas não me ocorre mais nenhuma justificação.
Às vezes, Downing Street parece querer dar a impressão de estar ainda a gerir o dossier farmeiros, como se este, embora tenha aparecido internacionalmente como o ponto de partida visível para a situação actual, não tivesse já acontecido numa (e por causa de uma) crise socio-económica em franco progresso. E como se esse dossier, comparado com o que os zimbabuéanos estão a passar em termos políticos e de condições de vida, não fossem peanuts.
Caro Prof,
Daqui de Harare onde me encontro é me difícil comentar. O network é muito lento que quando chega a vez de salvar os comentários há sempre um time-out. Hoje volto a tentar porque me parece que há várias questões que a notícia da all.africa não consegue responder. Se não conseguir, vou pedir ao vaz para que post por mim.
Acredito que a zec não tem sabido fazer uma boa campanha de educação cívica. Uma ong, a zimbabwe electoral support network (zesn) esteve inicialmente a fazer isso, mas a zec correu a mandar cancelar tal actividade. É que a lei diz que quem quer fazer uma campanha de educação cívica deve solicitar autorização junto da zec (ao que parece isso não foi feito antes do início da educação cívica. A zesn confirmou isso). Subsequentemente a zesn fez a tal solicitação que não teve deferimento.
Quanto à sondagem de opinião, tenho algumas questões a fazer:
Quando é que a opinião foi conduzida? Aonde é que foi levada a cabo? Em harare? Bulawayo? Na universidade? Nas zonas rurais? Por quanto tempo? Quanto pessoas foram inquiridas? Que metodologia foi utilizada? Infelizmente, a notícia não responde a essas questões. O prof masunungire já foi respeitado nos círculos académicos zimbabweanos, mas porque ao invés de fazer análises isentas sempre aparece a fazer análises pro-oposição, quase ninguém senão a oposição presta atenção ao que diz. O que quero dizer é que as análises tem um forte viés pro-oposição. No caso vertente, fico com a estranha sensação de que as pessoas inquiridas foram cidadãos nas grandes urbes e não nas zonas rurais onde se acredita robert mugabe e a zanu-fp têm maior apoio – embora eu tenha as minhas reservas quanto a isso visto que a crise afecta mais as populações rurais.
Ademais, não cheguei de ver esta notícia nem nos média privados que são anti-governamentais.
O outro ponto que quero colocar é que não é verdade que os observadores eleitorais não poderão ter acesso acesso aos locais de votação e de contagem de votos. Pelo menos, não é isso que diz a cópia de emenda constitucional nº 17 que tenho em minhas mãos.
Por último, essas eleições são harmonizadas, ie, são presidenciais, do senado, parlamento e dos vereadores.
Um abraço
Bayano
Ps: espero ter mais tempo este longo fim de semana para escrever sobre o zimbabwe e as eleições.
Depois de uma voltinha pela net, parece que a primeira parte do meu comentário anterior não tem pernas para andar.
Ou, então, querem-se mais numerosos e diversificados escândalos para o Jornal da Noite, como se pode ver por outro caso actual, de um iraniano, abordado no endereço http://daliteratura.blogspot.com/2008/03/salvar-madhi-kazemi.html
Parece, antes, que a Europa está num qualquer processo de vender a alma ao diabo - que, dizem-nos os desenhos animados e os analistas de simbolismo religioso, poderá estar também no exterior, mas é sempre uma das partes de nós (ou, se preferirem, usem a metáfora macheliana da entrada do feiticeiro em casa).
Começo a dar-me por satisfeito que ninguém pareça pôr em causa a proibição, no meu país, da deportação de pessoas sob acusações que possam acarretar pena de morte ou de prisão perpétua, mesmo que por crimes comuns. Que seja fácil lá entrar como refugiado (por delito de opinião, perseguição discriminatória ou insegurança generalizada), isso é que já é outra conversa.
Obrigadeo pela comentário, Bayano. Fica aqui excelente. Vamos aguardar. Obrigado pela refª ao portal, Paulo.
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