15 março 2008

Mais quatro linchados em Chimoio (25 linchamentos peri-urbanos este ano em Moçambique)

“(...) Qualquer comunidade às voltas com a violência, ou oprimida por uma desgraça qualquer, irá se lançar, de bom grado, em uma caça cega ao “bode expiatório”. Os homens querem se convencer de que todos os seus males provêm de um único responsável, do qual será fácil livrar-se.” (Girard, René, A violência e o sagrado. São Paulo: Ed. Unesp, 1990, p.104)
A situação agrava-se cada vez mais. Em postagem anterior, mais abaixo, reportei um linchamento levado a cabo na Beira ontem. Entretanto, segundo reporta o "Notícias" de hoje, "quatro indivíduos indiciados de vários crimes foram mortos por linchamento na última quinta-feira, em diferentes bairros da cidade de Chimoio. Dois dos supostos criminosos foram queimados vivos no Bairro 16, um no Bairro Quatro e a quarta vítima perdeu a vida à paulada, na sua própria residência, no Bairro 7 de Abril. Com essas mortes, sobe para 15 o número de supostos criminosos mortos por linchamento desde que o fenómeno eclodiu com as manifestações violentas de 23 de Fevereiro naquela cidade."
Recorde-se que uma comissão criada pelo Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique esteve recentemente a trabalhar nas províncias de Manica e Sofala com vista a identificar as causas e procurar formas de estancar o fenómeno.
1. ª adenda às 1:010: o dado de 15 linchados avançado pelo jornal está errado. Na verdade, com estes quatro linchados, eleva-se agora para 25 o número total de linchados este ano em Moçambique, a saber: dez em Chimoio, nove na Beira, dois no Dondo e quatro em Maputo.
2. ª adenda às 2.09: aqui e acolá, tenho-vos remetido para os linchamentos no Brasil e sugerido vários autores para leitura. Permitam-me recomendar-vos a leitura de mais este trabalho aqui.
3.ª adenda às 2:18: permitam-ne extractar do trabalho referido na adenda anterior as seguintes passagens: "Mesmo repudiando uma associação simplista entre pobreza e conflito/criminalidade, é imperativo assumir que as condições de vida dos jovens pobres, marginalizados e sem perspectivas são mais suscetíveis aos tipos de conflitos que podem, mais provavelmente, desencadear linchamentos ou tentativas. Além disso, não é surpresa que encontremos nestes segmentos, com acesso precário às instâncias de resolução de conflitos, posição mais favorável à aplicação de penalidades e castigos extralegais (...) Com base nos dados aqui apresentados, pode-se suspeitar que os linchamentos estejam em processo de popularização e naturalização e, em conseqüência, tendem a produzir mais e mais vítimas (...)."
4.ª adenda às 10:01: contrariamente ao que vinha a fazer em casos anteriores, a Rádio Moçambique ainda não reportou os cinco linchamentos registados esta semana.
5.ª adenda às 10:32: extracto de um texto do sociólogo brasileiro e especialista de linchamentos, José de Souza Martins: "Os linchamentos são mais do que um problema social; são expressões dramáticas de complicados processos de desagregação social e, também, de busca de um padrão de sociabilidade diferente daquele que se anuncia através das tendências desagregadoras. Seria pobre a interpretação que se limitasse a vê-los como manifestação de conservadorismo ou, ao contrário, a neles ver indicação de uma conduta cidadã e inovadora; antes, é necessário neles resgatar a dimensão propriamente dramática do medo e da busca, ingredientes que muitas vezes acompanham os processos de mudança social. O tema do linchamento é um desses temas reveladores da realidade mais profunda de uma sociedade, de seus nexos mais ocultos e ativos. Nos linchamentos se faz presente a dimensão mais oculta do nosso imaginário, sobretudo nas formas elaboradas e cruéis de execução das vítimas. A centralidade do corpo nesse imaginário explode nas ações de linchamento, quando pacíficos transeuntes, pacíficos vizinhos, devotados parentes e pais se envolvem na execução de alguém, a quem, às vezes, estão ligados por vínculos de sangue, às vezes o próprio filho. E, sobretudo, quando se envolvem na mutilação, na castração e na queima da vítima ainda viva. A forma que entre nós assume a chamada justiça popular está muito distante do romantismo ingênuo que tem marcado tão fundo estudos sobre a cultura popular em nosso país e o discurso abstrato sobre a cidadania."

1 comentário:

Anónimo disse...

Construir (ou reconstruir) a sociedade, proclamar e afirmar valores sociais, usando para tal meios de tamanha "desumanidade" é de incoerência descabida.
"Fraco patrulhamento e soltura dos supostos malfeitores" como causa dos linchamentos é no mínimo um diagnóstico simplista e precipitado que se justifica pela ânsia de reduzir esse complexo dilema, num problema gerível na mesma simplicidade com que se apedrejam ou queimam até a morte os "malfeitores". Enquanto não se encontrarem as raizes, esta-se longe de estancar os linchamentos.