14 fevereiro 2008

O povo saiu da garrafa

O meu estudante e assistente Samo Gudo descobriu que nos chapas de Maputo corre há dois dias uma nova expressão popular: o povo saiu da garrafa.
Podemos interpretar isso de múltiplas maneiras, mas parece que a expressão remete para o sentido de liberdade ganha, de direitos afirmados.
Por outro lado, é também importante saber que existe localmente a crença de que os feiticeiros são capazes de engarrafar pessoas (alguns dos meus estudantes universitários acreditam nisso).
Adenda: “Nenhuma sociedade progrediu sem fazer a sua própria crítica, sem que os seus criadores e pensadores se metessem contra a corrente dos bem-pensantes (…) África tem necessidade de imprecadores.” (Henri Lopes, escritor congolês)

18 comentários:

Jorge Saiete disse...

Um engarrafado nao questiona, aceita e cumpre religiosamente a tudo que lhe dizem. Se o povo, comeca a questionar, ate os estudantes desafiam a Governadora sem medo de sancoes, estamos perante um fim do engarrafamento. Na verdade o povo saiu da garrafa!

Carlos Serra disse...

É, indiscutivelmente, uma bela, expressiva expressão, que vou adoptar para várias coisas.

Anónimo disse...

Caso para dizer que a paciência tem limites...agora sim, o povo deixa de ser acrítico e passa a ser crítico...e onde ocorre um sismo há muita probabilidade de muitos outros sismos acontecerem...

umBhalane disse...

Ainda bem que o povo saiu da garrafa.

Se saiu, é porque havia muita pressão dentro da garrafa.

Pois, a rolha não aguentou, e saltou.

Então o Povo conseguiu sair. Saiu mesmo.

Foi bom!

Se a rolha não saltasse, a garrafa rebentava – era pior.

Com as garrafas de espumante, ou champanhe, acontece o mesmo.

Era/É muito bom ter os copos preparados, para recolher o vinho.

Senão perde-se, no chão.

Carlos Serra disse...

Tenho quase a certeza de que os açucarados do diálogo inteligente devem andar surpreendidos: nunca acreditaram que os Moçambicanos são orgulhosos e dignos e que sabem protestar...

chapa100 disse...

so quem nao tem visto a quantidade e qualidade da musica "de intervencao" que os jovens vem produzindo ja faz tempo, pode estar surpreendido com os jovens estudantes. para aqueles que estao todos os dias em contactos com jovens sabem que este pais mudou, a consciencia critica avancou muito. agora as manifestacoes da consciencia critica podem tomar formas de "desabafo" ou "critica social", mas o melhor de tudo e que estamos a assistir aos poucos uma cultura de bom cidadao nos jovens, nao podemos negar isso, retirando-lhes esse direito, mas sim temos que acarinhar uma cultura critica com responsabilidade, para isso temos que melhorar o nosso espaco de particpacao politica, aumentar as escolhas e oportunidades na realizacao das suas ambicoes.
acredito que estas manifestacoes nao significam que temos que voltar atras em tudo( no preco do chapa,, do pao), estas manifestacoes sobretudo mostraram a necessidade de acreditar num futuro brilhante para todos, os mocambicanos sempre negaram ser excluidos, e ainda bem que os jovens herdaram esta irreverencia para com a exclusao e a injustica.

so acho problematico que aqueles que tem esta responsabilidade politica, para estudar os espacos de exclusao na particpacao dos mocambicanos, estejam agora a pedir aos jovens para calarem-se, tomarem posicoes contra o estado de desespero social que elas vivem dia-a-dia em casa. e esquecem os governantes que somos um pais de criancas adultas, a estrutura politica-social e economica, empurra muitas criancas para uma vida de adulto. retirar o informal das ruas de maputo, significa forcar os espacos de sobrevinecia da crianca-adulta para a "propalada pobreza absolura".

estamos hoje indignados com "o caso do camiao com criancas" mas ao mesmo tempo parece-nos indiferente o estado em que as nossas famosas criancas de rua vivem, toda a sua adolescencia na rua. onde esta a diferenca entre o camiao e a rua? porque o destino daquelas criancas interessa-nos e nao as margem do rio que produzem tanta vulnerabilidade para as nossas criancas estejam assim expostas ao crime e a pobreza?

se e a governadora acha que deve andar nas escolas entao qual deve ser o lugar do professor? da direcao da educacao da cidade? a governadora conhece a estrutura familiar dessas criancas? o estado deve substituir o papel nuclear da familia? na educacao das crincas o contracto social e politico esta entre o estado e a familia, se o estado quer celebrar este contracto directamente entao que papel quer delegar a familia e a escola?

sao perguntas que nao encontro respostas nesta cruzadas contra a participacao na manifestacao de "criancas e jovens".

Carlos Serra disse...

Sem dúvida que as crianças de rua são uma problema. Mas o problema é bem mais complexo: somos um sistema social que cada vez mais produzirá crianças de rua, tudo em meio a uma urbanização galopante. Periodicamente, damos conta delas em almoços ou lanches de fim-de-ano e achamos que a nossa consciência ficou tranquila. Ganhámos, creio, o hábito de administrarmos aspirinas, ganhámos o jeito dos paliativos, o amor pelos problemas a jusante. Como tenho dito nos últimos dias, as zonas sismológicas são agora perenes, definitivas: revoltas populares, linchamentos, são indicadores claros. Qualquer pequeno pormenor, qualquer pequeno fenómeno, poderá ser suficiente para despoletar uma vasta gama de reacções populares.

Anónimo disse...

Uma adenda:

A expressão vem da crença de que, quando os maridos têm um comportamento "pouco masculino" (ajudam em casa, não andam na borga por fora, deixam a mulher mandar e tomar as decisões, não batem, etc.), foram "metidos na garrafa"; isto é, foram vítimas de um feitiço (com a comida ou enterrado na latrina) que os mantém nesse estado "amorfo".
Esse feitiço é por vezes confundido com o "amarrar do marido" que, no entanto, tem apenas como objectivo assegurar a sua fidelidade.

É um apenas pormenor antropo-sociológico, mas creio que deixa um pouco mais clara a valorização que é feita do 5/2, quando se diz que "o povo saiu da garrafa".

Abraço,

Paulo Granjo

Carlos Serra disse...

Justamente. Ouvi duas senhoras hoje, ambas com imagens descritivas muito parecidas: a de homens poucos viris. A segunda senhora que ouvi falou-me na mulher que dá um "medicamento" ao marido e que o torna amorfo, pouco viril, encarregado mesmo das lides da cozinha. Creio, assim, estarmos perante um quadro comportamental que tem um homem como elemento chave. Muito obrigado, Vasco.

Anónimo disse...

Ri-me quando vi a maneira como Carlos Serra se refere às "lides da cozinha".Dá a impressão que despreza essa área. Soou um pouco machista.

Carlos Serra disse...

Tenebrosa suspeita a sua!!! Limitei-me a reproduzir o pensamento da senhora. Acresce que amo culinária, mas acontece que poucos são os que gostam do que cozinho...

Xiluva/SARA disse...

Vocês os dois estão a desqualificar as mulheres????????

Anónimo disse...

Sei que o meu apelido se presta a confusões com o de Vasco Granja, grande divulgador do cinema de animação.
Mas o meu nome próprio é Paulo.

Anónimo disse...

Não, senhora!
Estão apenas a analisar os novos de uma expressão ue o povo usa.

Xiluva/SARA disse...

Obrigada assim fico descansada.

Anónimo disse...

Com a devida vénia, afixei um breve post lá no antropocoiso.blogspot.com, com mais alguns dados acerca da história dos homens na garrafa, que permitirão aos leitores fazer as suas próprias análises e tirar as suas próprias conclusões acerca do povo que «saiu da garrafa».

Pela minha parte, parece-me que a metáfora utilizada, quando tomada em todas as suas vertentes e implicações,vai muito além da questão da virilidade e hombreidade.

Em última instância, é todo um discurso acerca da soberania popular, sua alienação e re-assunção.

Carlos Serra disse...

Obrigado, Vasco, estou certo de que muitos leitores por lá passarão.

Carlos Serra disse...

Já agora: permiti-me reproduzir na íntegra a sua postagem no meu blogue, dada a sua importância.