14 junho 2008

Feitiçaria e crime (3) (continua)

Prossigo a série.
O que é uma coisa importante? Quais os critérios que definem algo como importante ou não? Quais os critérios que permitem definir o fenómeno A como mais importante do que o fenómeno B?
Estou certo de que concordareis comigo em como temos aí algo onde a unanimidade não é, certamente, a regra.
E não é a regra porque a resposta ou as respostas que dermos dependem de múltiplos factores.
Um desses factores, por exemplo e por hipótese, tem a ver com a visibilidade que a imprensa cria de certos fenómenos e com o laço ou com os laços que permitem estabelecer uma ligação com os nossos valores, com as nossas inquietações, com os locais onde vivemos, com o contexto histórico, etc.
Por exemplo, temos muitos casos de agressão sexual no país. Certamente isso inquieta-nos. Mas, eventualmente, a inquietação banalizou-se, tornou-se rotina, inquieta-nos e não nos inquieta. Por hipótese, parece que demasiada prata da casa deixa de ser prata, é coisa do comum, habituamo-nos a ela.
Entretanto, de repente, o caso das 17 crianças na Casa do Triunfo transforma um caso específico de agressão sexual no caso por excelência dessa agressão. Nele estão envolvidos uma cidade, um bairro de luxo, uma casa de luxo, 17 crianças, estrangeiros, um padrão de sexualidade que fere a moral, etc. Por outras palavras, ingredientes suficientes para tornar particularmente particular o fenómeno, importante, muito importante, demasiado importante, a única coisa importante.
Mas são menos ou mais importantes as mortes provocadas pelas acusações de feitiçaria em vários pontos do nosso país, pontos rurais, lá onde a vida é bem mais lenta, bem menos iluminada, bem menos frequentada pela imprensa? E se as mortes são regra geral de mulheres idosas? E se isso tem a ver com padrões culturais pelos quais é suposto ser legítimo acreditar que quer o feitiço quer o feiticeiro são naturais, que existem e pronto, não se discute mais?

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