26 junho 2008

As mãos africanas de Pilatos (3) (continua)

Prossigo a série.
O que regra geral tem surgido na crescente crítica ao regime de Mugabe – crítica em corte com a anterior postura de diplomacia silenciosa, em ruptura com as mãos africanas de Pilatos - é a violência política, a perseguição sistemática da oposição. Sem dúvida que a violência é real.
Mas qual a origem dessa violência? É uma violência em si? Gerada pela simples presença do MDC e de Morgan Tsvangirai, espécie de violência psicológica, de alergia? Não.
Creio que quer Desmond Tutu quer Nelson Mandela condenaram bem mais do que a simples violência política. Na verdade, condenaram as condições sociais (e Desmond Tutu tem sido tenaz nessa linha) que permitem as desigualdades sociais geradoras de violência em geral e de violência política em particular.
Ora, analisar o Zimbabwe é (ou deve ser ou devia ser, como quiserdes) bem mais do que transformar Robert Mugabe no mau da festa, no monstro que gere um país a seu bel-prazer. Nada em Mugabe é indicador de senilidade, de aberração. Por trás da ilógica de um comportamento é preciso encontrar a lógica de um sistema social cerrado, com regras.
Na realidade, é de uma elite rapidamente enriquecida (aí compreendida a militar, a vários níveis) que devemos dar conta, que não podemos marginalizar no xadrez político do Zimbabwe, de uma elite possuidora do controlo de um poderoso exército e de uma poderosa polícia, de uma elite cada vez mais castrense na luta, de uma elite orgulhosa do seu papel de veterana de guerra (falo da ala dirigente) e convencida de que apenas quem libertou a pátria a pode dirigir, de uma elite vivendo em meio a um povo empobrecido e crescentemente migrante.
O presidente Mugabe é, apenas, o ícone dessa elite. São as condições de produção e de reprodução dessa elite que amanhã estarão em jogo em eleições nas quais apenas participará o próprio Mugabe.
A violência que existe no Zimbabwe é bem mais do que um exercício da ZANU-PF contra o MDC, Morgan Tsvangirai ou os Britânicos: é, especialmente, uma luta pela preservação das condições sociais que permitem à elite no poder a sua reprodução enquanto classe dominante, com um apelo constante aos valores primordiais e sagrados da luta de libertação.

2 comentários:

Anónimo disse...

...caro professor,esta 3a parte é a síntese que faltava acerca do colapso dos regimes nascidos das guerras de libertação. Está a acontecer no Zimbabwe, mas vão se seguir os outros países nas mesmas condições históricas , e nas mesmas condições caóticas de desrespeito das novas elites pelos seus próprios povos
...a não ser que
grandes,gigantescas mudanças ocorram.
Eu dúvido sinceramente...é muito tarde!!!
O PODER CORROMPE QUANDO SE ESQUEÇE QUE ELE É PARA SERVIR O POVO E NÃO PARA COM ELE SE SERVIREM DESSE MESMO POVO

umBhalane disse...

Parabéns Prof.

Assertivamente conclusivo.

E, na mouche, no centro do alvo.