08 fevereiro 2008

Antes de tumultuarmos os outros, saibamos se não estamos nós tumultuados

Antes de tumultuarmos os outros, saibamos primeiro se em nós não existe um tumulto, se não estamos nós tumultuados.
Gente houve e há que atribuiu e atribui à revolta popular em Maputo o nome de tumulto, de algo irracional, vandálico, gente que tornou e torna o rio responsável pela inundação havida.
Porém, numa situação de carestia, com uma panóplia de salários por fixar, a dois dias da comemoração do Dia dos Heróis, anuncia-se que o pão e o chapa vão ter novos preços. Aumentou o preço do pão, estava determinado que no dia 5 andar de chapa seria mais caro.
E a onda tumultual começou, surgiu o sismo social, o terramoto social.
Mas onde, afinal, começou o tumulto? O tumulto começou aí, nesses novos preços anunciados sem se ter em conta as dificuldades enormes por que passam os milhares de cidadãos que vivem em Maputo. Foi aí que foram disparados os primeiros tiros, foi aí que começou o vandalismo.
Então, foi primeiro nas margens que começou o tumulto, não no rio. Comprimiram o rio e depois disseram que foi ele, o rio, o tumultuoso, o irracional, o marginal.
Hoje é dia 8. Que o nosso Estado saiba, a partir de hoje, ser mais social, bem mais social, bem mais ao lado do seu povo. Se não o fizer, deixará de ser legítimo, por mais legal que seja. E pagará a factura política disso, bem mais do que pensa.
Os abismos têm uma coisa: existem.
1.ª adenda às 9:04: duas informações via celular que ainda não pude confirmar, dão conta de inquietação social no 007, paragem de chapas na zona do aeroporto, na linha férrea. Aparentemente a inquietação tem a ver com o preço do pão. Por favor se alguém souber algo, informe.
2.ª adenda às 9:09: ainda não há um pronunciamento público do governo sobre um acordo com a federação dos transportes semicolectivos no que concerne às tarifas dos chapas.
3.ª adenda às 9:12: informou-me via celular um dos meus assistentes que no Bairro de Inhagóia a situação está aparentemente calma. Mas se as escolas estão abertas, estão, porém, desertas de alunos, professores e funcionários.
4.ª adenda às 9:25: diz-me uma moradora de Inhagóia que o dinheiro acaba no arroz quando ainda não se comprou carvão. Pessoas falam dos preços do pão e do arroz.
5.ª adenda às 9:32: um dos meus estudantes vai tentar chegar ao 007 do Aeroporto.
6.ª adenda às 9:37: semanários "Savana" e "O País" dedicam extensos trabalhos à revolta popular.
7.ª adenda às 9:41: em crónica na qual fala em "tempestada social", a jornalista Olívia Massango põe claramente em cheque o ministro dos Tranportes e Comunicações, António Munguambe, ministro que Olívia diz ter optado pelo "conforto dos ar condiconados". O estado da nação não é bom não e dizer que o estado da nação é bom não alimenta o povo num país onde o Estado é arrogante.
8.ª adenda às 9:45: o meu assistente em Inhagóia disse-me que um saco de arroz custa em média 450 mt, de 50 custa 910. Um saco de carvão custa 380 mt.
9.ª adenda às 9:49: diz o editorial do "Savana" que o transporte urbano na cidade de Maputo não pode ser reduzido a uma questão de tarifas e que o Governo não pode aceitar que os seus cidadãos vivam permanentemente inseguros.
10.ª adenda às 10:47: "As empresas são deles, as lojas são deles, as padarias são deles, tudo é deles. E nós, que não temos nada?" - assim falou para mim uma senhora que mora no Bairro de Inhagóia. É sempre interessante analisar esta fronteira discursiva entre o "nós" e "eles", este "eles" imponente, intransponível, determinante, fagocitante.
11.ª adenda às 11 horas: pedi autorização à pessoa que me enviou hoje um sms para reproduzir quer a sua pergunta quer a minha resposta. Aqui vão ambas: "Professor, não acha que estamos a dedicar muito tempo a Maputo correndo o risco de esquecer o país real o país das cheias e do Sida?" Resposta: "O problema é que temos vários tipos de cheias e de países reais no nosso país, em Maputo também houve cheias e há sidas e Maputo é absolutamente um país real".
12.ª adenda às 11:06: um jornalista radicado na Beira acaba de me enviar uma sms propondo que o dia 5 passe a chamar-se Super Terça por analogia com a Super Terça das eleições americanas, nas quais 24 Estados votaram para as primárias.
13.ª adenda às 11:17: pela primeira página do "Notícias" de hoje ficamos a saber que o preço do pão não vai ser agravado apesar do recente aumento do preço do trigo no mercado internacional; pela página 3 ficamos a saber que o governo não vai arcar com os prejuízos da revolta popular iniciada no dia 5.
14.ª adenda às 11:28: toda a página 11 do "Notícias" de hoje é dedicada ao sismo social maputense: falso alarme de que iria faltar combustível originou filas nos postos de abastecimento; os TPM colocaram viaturas de luxo para os utentes do serviço público, mas oito tiveram os seus vidros danificados; enchentes enormes registaram-se nos combóios de passageiros que operam no sentido Maputo/Matola-Gare e Maputo/Marracuene; o jornalista Américo Teles condenou severamente a estação televisa STV por ter feito circular a notícia de que iria falta combustível na cidade.
15.ª adenda às 11:55: revolta popular contra a subida do preço do pão e das tarifas dos chapas. Sem dúvida. Melhor: parece não haver dúvidas. Mas o que é pão e o que é tarifa de chapa? São apenas coisas, o primeiro come-se, os egundo serve de transporte. Deixem-me enunciar um truísmo: pão e chapas são coágulos vivos de relações sociais, são repositórios de relações sociais. Então, a revolta popular não foi em última análise contra os preços do pão e dos chapas, mas contra relações sociais que favorecem uns e desfavorecem outros. Eu já antes, aqui e em órgãos de informação, tinha afirmado que pão e chapas eram apenas a ponta do iceberg. O iceberg é o compósito das relações sociais crescentemente desiguais em Moçambique.

8 comentários:

AGRY disse...

Carlos Serra no seu melhor! Bravo!
Os sociólogos e as escolhas das margens onde se devem situar.

Anónimo disse...

Sobre os boatos
Sabendo-se que é cada um de nós o veículo de um boato, pergunto eu na minha ingenuidade se não se poderia combater o fenómeno indo em sentido contrário. Isto é, de cada vez que alguém nos sussurre qualquer coisa ao ouvido, ou por sms, em vez de logo a seguir ajudarmos a espalhar a "notícia", porque não perguntamos antes à nossa fonte a origem da informação, e tentamos persuadi-la a fazer o mesmo, tentando que o suposto boato siga em sentido contrário?
Um abraço de lusofolia.blogspot.com/

Anónimo disse...

Caro Professor, com o devido respeito, permita-me dizer-lhe, que as pessoas andam um pouco baralhadas, quanto a mim é muito discurso filosófico, muito discurso individualista… continuamos cada um a falar para si… todos sabemos que a injustiça social existe, em Moçambique ela é cada vez mais gritante pq temos realmente uma classe governamental a enriquecer á custa das riquezas de um pais, que poderia ser uma potencia e não o é pela ganância dos grandes senhores do poleiro, temos exemplos de ex governantes considerados os maiores investidores no Brasil (como isto é possível?), outros considerados as maiores fortunas mundiais ( que brincadeira esta?), isso é um facto, matéria que acredito estar por de traz de tanto mau estar populacional… outra coisa, bem diferente, é o que se está a passar no palco internacional, a crise é geral, como todos sabemos quando o petróleo aumenta de preço, as bases tremem, e quanto o aumento de preços não vejo o espanto, não vejo como culpar o governo de um problema mundial… para mim é mais que lógico o aumento dos preços, todos os anos passamos por isto, todos o anos é preciso rever salarios, mas continuam a bater na mesma tecla… Relativamente ao que aconteceu esta semana, como Moçambicana tenho pena de presenciar esta desgraça de manifestação, que a meu ver não nos traz nenhuma mais valia, nenhum Moçambicano se orgulha desta situação, o pais tem enfrentado muitas barreiras e tem superado algumas, é importante atrair investidores, é importante mostrar-mos ao mundo que estamos a crescer e a falar civilizadamente… é preciso realmente uma união, mas uma união pacifica e inteligente, uma união total do Rovuma ao Maputo, uma união silenciosa que se faça ouvir, porque convínhamos, chega de usar a força estúpida que nos leva a matar inocentes, as pessoas estão cansadas, mas as pessoas não sabem se fazer ouvir, não é com crianças e mulheres nas ruas ás pedradas aos carros, das pessoas que não tem culpa, que as coisas vão mudar. Façam-se manifestações sim, mas com o a cabeça erguida e a falar, a gritar se for preciso mas com união com garra, com inteligência bolas! Chega de palhaçada, este povo precisa de paz e dignidade. Moçambique está como está porque os Moçambicanos não se unem, não culpem os outros, antes de apontarmos o dedo olhemos para nós primeiro, se há roubo é pq o permitimos com a nossa submissão.

Carlos Serra disse...

Bem vindo o comentário, continuemos a reflectir...O grande problema é que o que nós achamos que é bom do ponto de vista comportamental nem sempre corresponde às lógicas comportamentais populares. E quando falo de lógicas comportamentais populares (em toda a sua variedade consoante grupos e aspirações) falo das maneiras pelas quais as pessoas (perdoe o termo tão genérico) entendem, analisam os fenómenos, se comportam perante eles. Se o nosso discurso é racional, se ele tem lógica, seria, porém, deselegante, atribuir irracionalidade e ilógica ao dos outros. A única coisa simples que existe no comportamento humano é a sua complexidade.

micas disse...

É de facto muito bom saber que o pão, base de toda alimentação não vai subir.
Mas deixem que vos diga que acho estranho. Com a actual recessão americana e a forte subida do preço do trigo nos mercados internacionais, irão subir não só o pão, como as massas, os óleos e pora ai adiante
Mas como fará o governo para impedir mais uma subida? Onde irá o governo buscar dinheiro para compensar mais um subsídio? Aos bolsos de quem? Acho que infelizmente sei a resposta

ilídio macia disse...

SF, disse e cito: "chega de usar a força estúpida que nos leva a matar inocentes, as pessoas estão cansadas, mas as pessoas não sabem se fazer ouvir, não é com crianças e mulheres nas ruas ás pedradas aos carros, das pessoas que não tem culpa, que as coisas vão mudar. Façam-se manifestações sim, mas com o a cabeça erguida e a falar, a gritar se for preciso mas com união com garra" SF, é por isso que os Madjermanes levaram uma decada e meia a reivindicar os seus direitos...Sabe quando e porquê foram finalmente compreendidos pelo Governo???

Jorge Saiete disse...

Concordo com sugestão de considerarmos o dia 5 de Fevereiro de SUPER TERÇA-FEIRA. Desde que não seja declarado feriado nacional porque o país já perdeu e continua perdendo tantos biliões com feriados e tolerancia de ponto, quanto a mim desnecessários pois só promovem consumismo!

Anónimo disse...

Caro Professor Serra,gostei e concordo em absoluto com a sua perspectiva do pós 5 de Fevereiro.
Na sequencia dos comentários quero dizer que nada será como dantes.A cultura da incompetencia,o abuso de poder,a ostentação despudorada da riqueza à custa do povo,tem os dias contados.O povo definitivamente passou um cartão vermelho aos senhores do poder.
Estamos na encruzilhada radical:
Ou os governantes de uma vez por todas despem o fato de passeio crónico e vestem o fato de macaco e começam a trabalhar, mostrando resultados ou o povo qual big brother transforma esta terra abençoada numa anarkia generalizada.
As instituições do estado que deveriam garantir a segurança do cidadão estão falidas e o povo sabe disso.
A luta contra o crime e corrupção é uma doença cronica.
Nunca se perspectivou uma luta contra a revolta popular.
Atenção! Refazer tudo é a prioridade urgente.
Não há mais tolerãncia ,os olhos estarão daqui em diante directamente ligados ao sentido de justiça .
Redenção ~e a palavra que se exige!
Reconstruasse a dignidade de quem governa para a dignidade ser devolvida ao povo.
Não é o preço do petroleo,não são as contigencias internacionais,não é a subida do preço dos chapas!
Não sejamos cegos. É muito mais do que isso.
É A DIGNIDADE DUM POVO!
Saudações democráticas