08 fevereiro 2008

O que são pão e chapas?

"As empresas são deles, as lojas são deles, as padarias são deles, tudo é deles. E nós, que não temos nada?" - uma senhora de Inhagóia
Revolta popular contra a subida do preço do pão e das tarifas dos chapas. Sem dúvida. Melhor: parece não haver dúvidas.
Mas o que é pão e o que é chapa (ou arroz e carvão e tomate)? São apenas coisas, o primeiro come-se, o segundo serve de transporte.
Deixem-me enunciar um truísmo: pão e chapas são coágulos vivos de relações sociais, são repositórios de relações sociais.
Então, a revolta popular não foi em última análise contra os preços do pão e dos chapas em si, mas contra relações sociais que favorecem uns e desfavorecem outros. Por isso os alvos da revoltas foram estradas, carros, bombas de gasolina, padarias, bancos.
Já antes, aqui e em órgãos de informação, eu tinha afirmado que pão e chapas eram apenas a ponta do iceberg. O iceberg é o compósito das múltiplas relações sociais crescentemente desiguais em Moçambique.
É em Maputo onde as fronteiras das relações sociais são mais flagrantes, mais visíveis, mais tocáveis, mais rudes, mais sentidas.
Os olhos são mais distraídos nas savanas e as almas mais sensíveis nas cidades.
Mas certos olhos do alto são por vezes bem mais distraídos e bem menos sensíveis: os seus proprietários esqueceram-se de que houve a época das festas em Dezembro, de que as pessoas nos bairros periféricos gastaram um pouco mais do seu magro orçamento, de que chegámos depois ao período das matrículas nas escolas, etc. Foi justamente nesse compasso que os novos preços foram anunciados.
1.ª adenda às 12:54. um porta-voz do Conselho Consultivo Alargado do Ministério da Juventude e Desportos disse hoje muito eticamente à Rádio Moçambique que os jovens devem ser menos emotivos e que devem estar conscientes de que o que se estraga hoje, amanhã não se usa. Mais disse que os mais velhos são mais calmos. Por isso, apelou para o bom senso dos jovens uma vez que o comportamento negativo não é característica da generalidade dos Moçambicanos. O porta-voz nenhuma referência fez às condições sociais que tornam os jovens violentos (Rádio Moçambique, noticiário das 12:30).
2.ª adenda às 12:57: os ministros da Indústria e Energia e dos Transportes e Comunicações procuraram explicar hoje na Rádio Moçambique que há fenómenos internacionais que escapam à autonomia do governo em relação aos preços dos combustíveis, mas que o governo tudo está a fazer para atenuar o impacto dos preços nas pessoas mais carenciadas. Um problema importante é que não temos uma refinaria. Por outro lado, o ministro dos Transportes disse que o governo tem procurado ajudar os chapistas em isenções diversas, mas nenhuma referência fez aos transportes públicos e, em particular, aos TPM. Pediram ambos que as pessoas tivessem paciência. Enquanto isso, o presidente do Conselho Municipal da cidade de Maputo, Eneas Comiche, está a visitar bairros periféricos da cidade e está neste momento a fazer um comício no distrito urbano n.º 5. Pede calma às pessoas e disse que, entre outras coisas que procura, é fazer com que o seu manifesto eleitoral seja cumprido (sic) (Rádio Moçambique, noticiário das 12:30).

3.ª adenda às 14:11: o jornalista Eleutério Fenita da BBC diz, em despacho de hoje, que os chapistas estão em greve não declarada eventualmente como forma de pressão sobre o governo. Confira aqui (na imagem, o popular tchova xita duma = empurra que isso vai pegar).
4.ª adenda às 14:42: o jornalista Celso Manguana escreveu uma crónica da qual extraí a seguinte passagem: "Malfeitores ou marginais uma coisa é certa: nos meios urbanos há muita gente que pelas mais variadíssimas razões vê a sua condição sócio-económica a deteriorar-se a cada dia que passa ao mesmo tempo que se assiste a elite política e os seus acólitos pavoneando-se em luxos e a exibirem sinais exteriores de “riqueza absoluta”. E só os que vivem obcecados pela ideia que os moçambicanos são incapazes de se sublevar perante situações de injustiça vêm malfeitores onde estava um povo revoltado. Os acontecimentos da passada terça-feira podem ser sinal claro de que muitos moçambicanos já se cansaram de ver a bicha da vida a andar só para os que estão na linha da frente. Como também foi um aviso sério ao governo do dia que está na obrigação de mostrar de uma vez por todas que o seu “combate contra a pobreza absoluta” é assunto sério e não chavão para ser repetido pelo militantes do partido no poder mesmo quando o momento é inconveniente. Porque afinal, “o povo é quem mais ordena!”

11 comentários:

Anónimo disse...

Cometário dirigido aos APÓSTOLOS DA DÚVIDA METÓDICA: Patrício Langa e Companhia
http://circulodesociologia.blogspot.com/

Bom dia Papa, como está? Nós, nunca estivemos tão melhor! Melhor ainda porque não engolimos aquela vossa de ficarmos a investigar problemas que de tão nítidas que são, inundam nossas e vossas barbas. Acabamos entrando para a acção e resultou! E ainda vamos voltar à acção sempre que se mostrar necessário. Parece que a vossa empreitada com os vossos patrões não surtiu efeito, que tal passar a espalhar filosofia lá pelos bairros? talvez pode vir a pegar, mas enquanto continuarem a falar e não fazerem nada, tenha certeza papa, vão sair de linchados! Cumprimentos ao seu Deus adorado de sociologia e filosofia. Até se sociologia e filosifia fosse pão ou chapa e da maneira como a distribuem gratuitamente, um dia poderiam ser eternizados na praça dos heróis. Até próximas baricadas Papa!

Anónimo disse...

1. Pois é, Professor, ninguém fala de causas e soluções reais para os problemas. Atrubui-se sempre a culpa a estranhos e ovelhas negras e só se apresentam paliativos para situações concretas do presente.

2. Disse há pouco um membro do governo que não vai haver subsídios, mas sim compensações, que não haverá nenhuma rubrica do orçamento do estado destinada a subvencionar os transportes, mas que os transportadores serão compensados pelos prejuízos que vão ter. Que diferença concreta existe entre "subvencão" e "compensação"? De onde provêm os fundos para as ditas "compensações"?

Carlos Serra disse...

Também ouvi algo na RM, mas infelizmente de forma apressada. Lembro-me de escutar o ministro, creio que dos Transportes,falar das várias ajudas aos chapistas. Mas já salientei numa das adendas que estranhei não haver nenhuma referência aos TPM que, ootem, foram, em modelos de luxo, colocados na rua. Só ontem, repare.

Xiluva/SARA disse...

Na terra (des)amada houve aqueles que tiveram a coragem de chamar marginais a mulheres, adolescentes e crianças. Agora falta os fabricantes de teias de aranha racional para nos dizerem que primeiro têm de construir a teia leve o tempo que for necessário e só depois dessa santa tarefa irão saber se de facto houve ou não tumultos e quais as sagradas questões de método que devem ser pensadas para se apurar se realmente houve ou não reboliço aí nos bairros.

Anónimo disse...

E melhor que o governo esclareça exactamente como pretende compensar a diferença do tk do chapa e ter uma política única que cubra todo o país( consta que a tal de compensação é só para Maputo e Matola). Se o Governo não tomar o assunto com seriedade pode ser que surjam conflitos.Não prevejo que a curto prazo o estado consiga resolver por si só (transportes públicos) o problema, portanto por alguns anos o chapa irá preencher o espaço deixado aberto por quem de direito.

Anónimo disse...

Caros,
Eu fiz uma breve análise. 45,15 USD foi o preço médio do barril de petróleo Brent negociado em Nova Iorque no mês de Fevereiro 2005, segundo o Wall Street Journal. 89,50 USD é o preço do barril no dia 8 de Fevereiro de 2008, o que representa um aumento de 98, 2% em três anos. Os mesmos três anos, em que os tarifas dos chapas não foram aumentados. O desenvolvimento dos preços de combustíveis (igual se Diesel ou Gasolina) em Moçambique reflecte esta tendência. Um estudo do. Banco Mundial sobre a mobilidade urbana em vários capitais de Africa descobriu, que os custos pelos combustíveis dos chapas/ou matutos fazem entre 20,58% (por diesel em Nairobi e 27,78% (gasolina em Harare). Por chapas com uma capacidade maior de 18 passageiros este percentagem varia entre 22,72% (em Nairobi) e 21,25% (em Harare). Fonte: http://www4.worldbank.org/afr/ssatp/Resources/SSATP-WorkingPapers/SSATPWP54.pdf.
Se assumimos estruturas de custos operacionais semelhantes para os chapas de Maputo (os donos de chapas falam sempre sobre a subida do preço do petróleo no mercado internacional) a subida máxima das tarifas do transportes semi-colectivos de passageiros pode ser entre 20,21% e 27,28% (em dependência com aumento de 98, 2% por barril de petróleo Brent). Mas a CONFEDERAÇÃO das Associações dos Transportadores Rodoviários (FEMATRO) exige um aumento ou subsidio entre 33% e 50%.

Acho um caso de cabritismo rodoviário!

Um abraço
Oxalá

Carlos Serra disse...

Destaquei a sua análise em adenda, confira por favor. Obrigado.

Anónimo disse...

OK, Professor
Um abraço
Oxalá

Anónimo disse...

Não creio que as contas do cavalheiro acima estejam certas... além da componente combustíveis e manuntenção que acho terem sido calculadas por defeito, falta agregar outros custos como amortização, salários, impostos, cabritismo da polícia de transito e municipal, seguros, etc.

Anónimo disse...

Ao anónimo 8/2/08 5:56 PM...

As percentagens dos outros custos operacionais como amortização, salários, impostos, etc. estão detalhadas no respectivo documento do banco mundial. Exactamente aqui, no endereço: http://www4.worldbank.org/afr/
ssatp/Resources/SSATP-WorkingPapers/
SSATPWP54.pdf.

Um abraço
Oxalá

Anónimo disse...

porque é que ha cabritismo? O problema é que os nossos dirigentes estao no governo para resolver problemas pessoais e nao problemas sociais. e os problemas pessoais dos nossos dirigentes nao sao analisaveis. so se analisa o povo. é o povo que tem problemas e nunca os nossos dirigentes.