02 setembro 2007

O que falta no nosso romance

Existem coisas boas no nosso romance. Criadores de perfis, de modelos de figuras, muito jeito garcia marqueziano, muitos inovadores de palavras.
Mas, por vezes, transfigura-se tanto a realidade que esta surge como o fantástico alimentando-se de si próprio.
Sabem, faltam os reais criadores de romances, faltam no país os romancistas com o suco gástrico de um Émile Zola, com a alma antropológica de um Oscar Lewis.
Faltam especialmente os criadores da vida intensa e tensa das cidades, das periferias, das ruas, da cultura dos passeios, da sonoridade a céu aberto, dos dumbas e dos chapas, faltam os contadores da compósita teia do desenrasca, de amor e ódio, de opulência e penúria, das modestas casas apinhadas de gente (as "aldeias" comunais do Bairro de Inhagóia), da reinvenção diária do quotidiano, da esperança no xitique, da fuga permanente ao xicuembo; faltam os narradores suculentos das vidas sem futuro prisioneiras do dia-a-dia, das compras a retalho, do pequenismo de cada evento, das aparelhagens e da dança até ao raiar do dia, do fatalismo, da rudeza policial, das provas de força, da violência doméstica, do machismo, da prostituição, da desconfiança perante os poderosos dos centros de bem-estar, da crueldade do pobres para com os pobres, do heroísmo, da violência doméstica, das estratégias e tácticas dos fracos à Michel de Certeau.

3 comentários:

Anónimo disse...

Caro professor,
Muito respeitosamente, falta tudo isso e muito mais, pois apesar de concordar e compreender o que escreve, e assinar em baixo... a meu ver, o nosso leitor não quer apenas ler historias de desgraças, de vidas difíceis, de tudo o que focou e muito bem… ainda não encontrei um moçambicano que inventasse um romance ancorado numa familia cheia de hisotira, daquelas cheias de personagens interessantes, gente elegante, gente pobre de espirito, gente inteligente, gente boa e gente má, uma historia passada numa casa fenomenal, cheia de carros de ultimo modelo, muitas viajens, contas nas Mauricias e poder, muito poder, das cores das acácias, da vida das ruas, do marisco, do melhor dos vinhos em copos de cristal, do branco das paredes dos altos muros dos chalés de praia, um romance de verão que nos fizesse lembrar as palmeiras na baia dos cocos, mergulhos ao por do sol, da matapa da mãmã Telma, da loucura de uma marrabenta á volta da fogueira, das cestas depois do almoço, de um embondeiro esquecido num mato a ser engolido por maquinas das minas de... epá, mas temos tanta coisa ainda para falar! Onde estão os nossos inventores de historias Srs? Temos materia para tanto romance! Eu continuo á espera...
Cumprimentos,
SF

Carlos Serra disse...

Também partilho o que diz. Num destes dias talvez eu procure analisar esta ausência de romancistas do "realismo"(certamente um termo todo "démodé"), seja ao nível que proponho, seja ao nível que propõe (e, aqui, quanta falta um Henri Lopez!). Talvez eu procure analisar a fixação narrativa permanente por um certo fantástico.

Anónimo disse...

Poque precisamos de romances realistas, se o cotidiano para cada Mocambicano e fantastico?