09 julho 2009

Psicologia dos produtores da pátria (3)

Vamos lá avançar mais um pouco nesta série.
O grupo hegemónico surgido foi, naturalmente, produto de luta, de uma luta que se foi fazendo e refazendo com opções e decantações permanentes - e muitas vezes dramáticas - até à independência nacional. Esse grupo hegemónico teve a capacidade e a modernidade de ver a vida, a história e o futuro do país para além da aldeia e do paroquialismo, combinando revolução, milenarismo e disciplina militar.
No interior da luta militar, o grupo hegemónico foi ensaiando a luta política, tentando fundir a luta nacional e a luta social. Por outras palavras: não bastava apenas obter a independência nacional, era igualmente necessário obter a independência social, descolonizar a nação e ressocializar o social. A ideia aparece no “Lutar por Moçambique” de Eduardo Mondlane, o seu operário maior foi Samora Machel.
Essa dupla luta fazia-se com a produção e a teorização permanentes do inimigo, inimigo multiforme, visível e invisível, interno e externo. Produzido e teorizado o inimigo, cada momento da luta anti-colonial era alimentado pela intolerância contra a defesa de qualquer manifesto político acomodante. O rigor das casernas tocava clarim cada vez que o meio-termo e a alternativa surgiam no horizonte. A cavalo no presente, o futuro escorraçava o passado (a propósito de inimigos, é emblemática a trilogia documental "Quem é o inimigo?", de Aquino de Bragança e Immanuel Wallerstein).
Peça fundamental da revolução e da guerra, a teoria do inimigo continua viva, espécie de inconsciente colectivo. Mas não só. A vitória na luta dotou os vencedores de outras coisas, entre as quais a consciência aguda de serem insubstituíveis e de terem do seu lado o direito da e à história.
Nota: em qualquer momento posso alterar o que aqui deixo escrito. Se isso acontecer, surgirão a vermelho as partes alteradas e/ou acrescentadas. Seria muito bom que os leitores pudessem contribuir com outras coisas ou criticar as que aqui ficam propostas.
(continua)

2 comentários:

Anónimo disse...

e tem direito 'a Historia. afinal o GRUPO HEGEMONICO-FRELIMO trouxe a INDEPENDENCIA.

a grande questao podera ser QUE HISTORIA 'E QUE O GRUPO HEGEMONICO-FRELIMO QUER daqui em diante?

a Historia constroi-se.

hoje, nao sei se a nossa Historia 'e de se orgulhar ou nao.

- tivemos o obreiro da Unidade Nacional assassinado- Eduardo Mondlane.
- tivemos um Chefe de Estado assassinado- Samora Machel.
- uma guerra civil com mais de 1.000.000 de mortos.

se tivessemos que descrever Mocambique hoje, nao poderemos fugir a realidade:

- estima-se em 58% da populacao vive na pobreza.
- 55% do Orcamento de estado provem de doacoes.
- 16.2% de prevalencia em HIV.

ou seja, estamos numa situacao HISTORICA onde somos POBRES, PEDINTES e DOENTES.

sera este o PAIS QUE O PARTIDO HEGEMONICO-FRELIMO ORGULHA-SE DE TER CONSTRUIDO?

sera esta a HISTORIA que a FRELIMO PREDENDE SUA?

Cumprimentos
Abdul Karim

Anónimo disse...

Plenamente de acordo com a LÚCIDA análise de Abdul Karim!

À sua conclusão "... estamos numa situacao HISTORICA onde somos POBRES, PEDINTES e DOENTES."

> Apenas acrescentaria:

i) Exceptuam-se desta situação todo o GRUPO GRUPO HEGEMÓNICO inicial, Familiares e Amigos, que, em regra, durante o período socialista viveram sempre faustosamente à sombra do poder político e, hoje, vivem faustosamente a coberto do poder político e/ou económico que controlam.

ii) Integram o grupo de pobres, pedintes e doentes, todos os que na luta de libertação pegaram em armas e, no terreno, foram "carne para canhão".

> Efectivamente, houve um tratamento deshumanamente diferenciado para

i) DIRIGENTES (Grupo hegemónico/ Seres Pensantes/ Senhores da Guerra) e;

ii)PEÕES/guerrilheiros (contratados a prazo); "dispensados" logo que ganha a guerra e ignorados, durante décadas. Ainda hoje o Governo não sabe quantos eram, onde estão e como estão.

> Importa também dizer que, conquistada a Independência, o GRUPO HEGEMÓNICO, para assegurar a hegemonia foi purificando fileiras, mandando as correntes com ideias divergentes para "outros mundos".

> Há medida que os anos passam, é importante que não se romanceie a história.
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