03 agosto 2007

Ensino bilingue em Moçambique - um trabalho de Fátima Ribeiro (1)

Pedi há tempos à Prof.ª Fátima Ribeiro que escrevesse um texto sobre o ensino bilingue em Moçambique. Ela cumpriu e por isso o publico aqui em partes:

"ENSINO BILINGUE EM MOÇAMBIQUE:
PREOCUPAÇÕES QUE DEVIAM SER DE TODOS

Por Fátima Ribeiro

Ao intervir no programa Linha Directa da Rádio Moçambique de 28.07.2007, dedicado ao tema “Ensino Bilingue – Situação Actual e Perspectivas”, uma vez mais me senti, nessa matéria, uma voz falando num deserto que sei particular: cheio de gente que vê, mas onde quase ninguém ousa dizer. Ou melhor, onde em público só fala praticamente quem, por inerência de ocupação, tem a obrigação de se pronunciar em consonância com o que se está a propor e executar: os técnicos directamente envolvidos no processo.
Decidido está e, a bem ou a mal, o programa “experimental” de educação bilingue em Moçambique, iniciado em 2003 e abrangendo presentemente 15.000 alunos em 75 escolas de todas as províncias[1], tem de ser expandido, e o quanto antes, à escala nacional. Porque “a decisão é política, ponto final”, como se ouve dizer. Porque assim recomendam também as directrizes globais para o desenvolvimento[2]. Porque já muito dinheiro foi gasto e, aos doadores, seus governos e contribuintes, tem de ser justificado. Porque a máquina está em marcha acelerada e é impossível fazê-la parar. Enfim, porque politicamente incorrecto levantar as questões que coloco.
Da minha parte fica a satisfação de, baseando-me na minha experiência de três décadas de ensino em Moçambique (no campo e na cidade, na alfabetização, no ensino secundário e superior, na formação de professores, no ensino de português língua materna, língua segunda e língua estrangeira, no Estado e no sector privado, a crianças e adultos, a turmas de mais de cinquenta e a pequenos grupos) ter vindo a alertar quem de direito, desde a primeira hora[3] - os primórdios do projecto PEBIMO, em 1991/92 - para problemas que considero fundamentais. Em mim, dizia, fica o consolo de ter posto à consideração um outro modelo que me parecia de muito mais rápida introdução e expansão, mais fácil e menos onerosa implementação. Fica ainda a esperança e ansiedade de ter vida e saúde para apreciar os resultados do processo a curto, médio e mais longo prazos, e o desejo, sincero, acredite-se, de vir a constatar que estava enganada nas minhas percepções e convicções.
NOTAS
[1] Dados fornecidos por Rafael Sendela, Coordenador do Ensino Bilingue no Instituto Nacional de Desenvolvimento da Educação (INDE). Cf. “Ensino Bilingue conta com 15 mil alunos”, jornal Notícias, 01.08.2007, primeira página.
[2] Cf. “Policies on the Use of Multiple Languages”, in PNUD, Human Development Report 2004, p. 60-63.
[3] Fátima Ribeiro, “Português, Língua Veicular: Algumas Reflexões sobre Modelos de Ensino (ou Carta Aberta por um Moçambique Estável e Sustentável)”, publicado no jornal Savana de 28.12.2001; “Ensino Bilingue: Uma Aposta Viável?”, in Savana 18.02.2005 e no fórum de discussão Ideias para Debate, de Machado da Graça (http://ideiasdebate.blogspot.com); “Uma Alternativa ao Ensino Bilingue Proposto pela Reforma Curricular”, in Savana 10.06.2005 e Ideias para Debate; e ainda “Relatório do Desenvolvimento Humano 2004 e Política de Línguas para o Ensino”, in Ideias para Debate, 05.06.05.

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