19 agosto 2007

Erotismo bloguista em Moçambique (7) (fim)

Termino hoje estas notas canhestras sobre o erotismo bloguista.
Num mundo em rápida mutação, no qual ainda pensamos com as categorias analíticas do passado - passado em rápida decomposição -, a net surge não apenas como a possibilidade de afirmarmos o nosso eu, a nossa singularidade, mas, também, como a possibilidade de afirmarmos a nossa sexualidade, de a dotarmos de visibilidade, de integralidade.
Porque a sexualidade é ainda, na vida real, tema de penumbra, tema de repressão, tema de controlo, a net oferece-nos o resgaste, a supercompensação, a desforra total dos sentidos, a subversão da rotina e do sempre igual.
Se estivermos algum tempo nos blogues eróticos (no tocante a Moçambique apenas encontrei três, que não identificarei), veremos quão completa é a exposição dos sentidos, quão forte é a subversão das regras que, na vida real, são supostas proteger, fazer refluir a perigosidade do corpo nu e camuflar a sua carga de sexualidade perigosa.
Tanto quanto pude perceber, não existe na bloguística moçambicana uma forma nacional de sexualizar a vida. Ela é espontaneamente universal. Eis as características centrais da sexualização:
1. Utilização generalizada do corpo feminino, com incidência nos seios e na vagina. Mesmo as autoras femininas o exibem. É bem mais raro o recurso ao corpo masculino.
2. Nos blogues femininos, a escrita é doce, apelativa, feita de acenos ao furtivo, à novidade dos encontros, à atracção instintiva, à relação que finalize (e, se possível, prossiga) no orgasmo feminino, ao apelo relacional. É uma escrita de perífrases, de corta-mato eufemístico. Muito raramente os órgãos sexuais masculinos são identificados.
3. Nos blogues masculinos, a escrita é regra geral agressiva, punidora, cinegética, conquistadora de troféus, transformando-se aí o orgasmo numa espécie de direito consuetudinário independente do prazer da mulher. Por outras palavras: a escrita parece executar em permanência o símile arquetipal da morfologia dos orgãos sexuais, reentrante no caso da bloguística feminina, penetrante no caso da masculina.
4. Nos dois casos os corpos femininos são quase exclusivamente brancos. E se por acaso surge o corpo negro, este é tratado na condição de diferente, de excepcional, de anormal, de animal.
5. Nos dois casos, também, o anonimato é a regra por excelência. É como se confrontados com a liberdade de podermos dar à sexualidade um campo de actuação sem limites, fôssemos, porém, tolhidos pela realidade e nos impuséssemos, por isso, a coleira da moral e do pudor.
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Muitos outros detalhes haveria que ter em conta. Mas acontece que os perfis dos autores dos blogues eróticos raramente dizem algo sobre a identidade.

11 comentários:

Aguiar disse...

Em sua opiniao porque serao são quase exclusivamente brancos os corpos femininos, expostos? Porque sera o corpo negro, tratado na condição de diferente? Tera algo a ver com o comentario do Sr Tivane ao “Erotismo bloguista em Moçambique (5)” ? Tivane diferenciava, digamos, uma sexualidade ocidental e uma sexualidade africana.

Ja agora, seria interessante saber se as mulheres, que animam os blogs eroticos moçambicanos sao brancas ou negras e em q faixa etaria se encontram.

agradeço antecipadamente sua reposta.

Carlos Serra disse...

Não tenho indicadores para responder às perguntas que me faz. No tocante à segunda, nenhum dos poucos blogues que encontrei diz algo sobre a raça e a idade. De resto, esta é a condição quase exclusiva de muitos outros blogues. Entretanto, faça a seguinte experiência : escreva algo como "blogues eróticos" num motor de busca e verá.

Aguiar disse...

é so curiosidade, historia de saber, se estamos face as “suas mulheres de Bourdieu ou as de Touraine”. Particularmente ja havia recorrido a Touraine a proposito das "mulheres homem" um post no “espirito-do-deixa-falar”, mas deixaram-me a falar sozinha, sozinha nao, com a minha curiosidade.

Li algures que todos nos temos um lado homossexual e um lado heterossexual. Assim, ha os que desenvolvem mais o lado heterossexual, o que estaria conforme a norma e outros que desenvolvem mais o lado homosexual, o que teoricamente, nao estaria conforme a norma, portanto seria o lado a esconder. Ora as nossas bloguistas eroticas, mulheres que se limitam a a mostrar o corpo feminino, nao estarao assim a manifestar um lado da sua sexualidade escondida?

Por outro lado as bloguistas mulheres ao projectarem o seu olhar, tal como os homens, sobre o corpo feminino, nao estarao a assinar uma forma especifica de construçao da sexualidade masculinizada. O corpo da mulher existe atravez do olhar masculino ou masculinizado apropriado pela proria mulher. Assim, ainda que o corpo do homem nos desperte (a nos mulheres) a libido, a representaçao que nos fazemos da sexualidade obriganos a esconder a forma especifica de um dos nossos objectos de prazer – o corpo masculino, com todas as suas partes eroticas (pois tbem as tem) – nao o exibimos, apenas exibimos a parte que as relaçoes de poder, elegeram como exibíveis – o corpo feminino . O que pensar disto Professor? Mais uma vez obrigado pela atençao Professor.

Carlos Serra disse...

Respondo logo que puder...

Aguiar disse...

Ja fiz o trabalho de casa Professor: uma das bloguistas moçambicanas diz estar entre os 28 e 30 anos (ver post fevereiro 2007); outra deve ter actualmente 25 anos, em 2006 dizia ter 24 anos; o nosso "ele" diz ter 29 anos, deve ser mulato, a acreditar que a fotografia seja do proprietario e se a minha miopia nao me engana.

Carlos Serra disse...

Bem, devo confessar não saber responder às difíceis questões que me coloca. E não sei porque não investiguei. Quanto às idades que refere, elas podem não ser reais. E mesmo que o sejam, pouco adiantam para a construção de uma identidade.

Aguiar disse...

sim tbem pensei na hipotese das idades nao serem reais. mas ainda assim arrisco, penso que sao idades compativeis com “as suas mulhres de Touraine” a saber mulheres livres, conscientes da sua feminilidade para as quais as relaçoes sexuais nao mais sao do que um jogo biologico perfeitamente natural... e essas mulheres, suponho eu , pertencem a uma geraçao mais recente... onde por hipotese se enquadram estas jovens bloguistas, falando descomplexadamente dialogando entre si e com os seus parceiros, descobrindo-se, revelando-se para o mundo inteiro, aquilo que teoricamente deveria estar guardado no segredo dos deuses, noutros tempos seria tabu...


Hoje, penso, que uma boa parte de nos ja nao vê os homens como seus inimigos, mas como figuras complementares no sistema d’organizaçao social. Nesta ordem de ideias identificamo-nos apenas como mulheres. Pergunta o que tem a idade a ver com isto? O que me interssa nao é a idade enqto factor de construçoa de uma identidade, mas enqto “tempo” de mudança. E parece-me que estamos de facto num tempo de mudança e num tempo de fabricaçao, talvez , “do sujeito sexual feminino”, talvez, sublinho. “Tempo” este marcado simultaneamente pelo grito alucinante dos blogs eroticos (eu existo, sou mulher, tenho desejos eroticos, enfim tenho uma sexualidade multipla...) e pela repressao do sistema de organizaçoa social herdado, o que faz com que as bloguistas apareçam, ainda, como anonimas.

Carlos Serra disse...

É aliciante o que escreveu. Agrada-me pensar que a intervenção feminina no bloguismo erótico reveste as características que indica.

Carlos Serra disse...

Olhe, já agora, deixe-me colocar aqui o que Wilhelm Reich escreveu em 1935, no prefácio da 2.ª edição do seu "A revolução sexual". "90% de todos os romances, de toda a arte poética, 99% de todos os filmes e peças de teatro são produções que apelam para necessidades sexuais não-satisfeitas". Provocador, não é? Imagine se a net existisse naquele tempo.

Aguiar disse...

:) A cada época suas revoluçoes... pelo menos seguimos contentes, pensando que, algo, iremos contribuir a mudar...

de certa forma o que Wilhelm Reich disse, Cassia, 72 anos depois, num dos comentarios ao “Erotismo bloguista em Moçambique (5)” tbem o diz.

“A net foi o meio em que a pornografia mais e melhor se difundiu - parece que as pessoas passam mais tempo a falar de sexo do que a fazê-lo.” Diz Cassia.

Assim, parece-me, q o mais importante deixa de ser o suporte de veiculaçoa da ideia, e passa a ser, a ideia enqto tal.
Nao colocarei a questao, de saber o que “as ideias” em torno da sexualidade ja contribuiram para mudar nosso olhar domesticado face à propria sexualidade? Mas perguntaria porque a sexualidade ainda produz tantas ideias? Sera a palavra mais forte que a propria sexualidade? Ou sera a propria palavra uma outra manifestaçao de sexualidade?

Carlos Serra disse...

A internet tem múltiplos campos ainda não explorados, entre os quais aqueles por si referidos no último parágrafo.