03 agosto 2007

Ensino bilingue em Moçambique - um trabalho de Fátima Ribeiro (2) (continua)

"ENSINO BILINGUE EM MOÇAMBIQUE:
PREOCUPAÇÕES QUE DEVIAM SER DE TODOS

Por Fátima Ribeiro

O que está em causa
Não são necessários profundos estudos para se constatar o que há anos venho afirmando: em Moçambique, nos moldes em que está concebido e com os recursos que possuímos e podemos garantir e desenvolver, note-se bem, o modelo de ensino bilingue em aplicação não é sustentável, nem oferece a garantia de um mínimo de qualidade que justifique o tremendo esforço despendido e a despender, sobretudo em tempos de resposta ao HIV/SIDA e de honrar o compromisso de educação para todos.
São diversos os documentos que atestam o estado actual do sector da educação. Segundo o relatório do UNICEF A Pobreza na Infância em Moçambique: uma Análise da Situação e das Tendências, no período compreendido entre 1992 e 2005 triplicou o número de alunos no subsistema de ensino primário, tendo passado de aproximadamente 1,3 milhões para mais de 3,8 milhões, enquanto o número de alunos no secundário aumentou de cerca de 45.000 para 245.000.[4] Posteriormente, e apenas em 2006, conforme declarações prestadas recentemente pelo Ministro da Educação e Cultura[5], perto de um milhão de crianças entraram pela primeira vez na escola. Não obstante esta impressionante vaga de acesso, urge ainda acomodar no curto prazo, para além das que forem atingindo a idade escolar, o meio milhão de crianças que se encontram fora do sistema[6].
Baseando-se em vários documentos oficiais de referência, diz o relatório do UNICEF atrás citado que o rápido aumento nas matrículas não foi acompanhado por um maior investimento na qualidade de ensino ou por estratégias adaptadas aos aumentos massivos do número de estudantes, tendo os indicadores de eficiência interna e qualidade, como a percentagem de professores com formação e o rácio professor/alunos, por exemplo, sofrido agravamentos. Em 2005, no primeiro nível do ensino primário havia, em média, um professor para 74 alunos. O Plano Estratégico do Sector da Educação, 2005 (PEE II) reconhece que os professores estão deficientemente equipados para lidar com alguns dos desafios que o novo sistema coloca, tais como a realidade de um ensino ministrado a pessoas com diversas idades em turmas grandes e em turmas com diferentes classes, a falta de material didáctico, a disparidade de género e o HIV/SIDA. Por sua vez, o Inquérito sobre a Força de Trabalho (IFTRAB) de 2004/2005[7] revelou que 47% dos inquiridos se mostravam insatisfeitos com a sua escola local, e que era grande a diferença entre respondentes de áreas urbanas e rurais (28% e 61%[8], respectivamente). As principais causas de insatisfação apresentadas foram a falta de materiais (31%); as fracas condições das instalações escolares (29%); a falta de livros (17%); a falta de professores (6%) e o pagamento de subornos (1,5%). Um grande obstáculo à qualidade de ensino frequentemente citado foi a falta de livros, estimando-se que apenas 25% dos alunos possuíam todos os manuais necessários.[9]
Assim era a situação em 2005, visivelmente mais grave está em 2007. Por toda a parte, e até na capital, proliferam as escolas com turmas de uma centena de alunos, sem salas de aula, sem livros, sem professores suficientes ou com professores sem preparação. “Milhares de alunos das escolas primárias da cidade de Maputo continuarão, até ao final do presente ano, a assistir às aulas sentados no chão, devido à falta de carteiras nos estabelecimentos de ensino onde estudam, segundo as autoridades locais da Educação e Cultura. Desconhece-se a data em que o défice de carteiras será ultrapassado”, informa o jornal Notícias[10]. E se assim é presentemente, vigorando à escala nacional apenas o ensino monolingue, quando ao grande choque de acesso se juntarem os impactos da expansão do ensino bilingue, nos moldes em curso, a toda a área rural do país, isto é, daqui a escassa meia dúzia de anos, terá a Educação em Moçambique alguma dignidade outra para além do patriótico orgulho de termos introduzido as línguas moçambicanas no ensino?

NOTAS
[4] UNICEF, A Pobreza na Infância: Uma Análise da Situação e das Tendências, Maputo, Moçambique, 2006, p. 144
[5] Jornal Notícias, 30.07.2007, p. 2.
[6] Ibidem
[7] Instituto Nacional de Estatística (INE), Inquérito Integrado à Força de Trabalho (IFTRAB) 2004/2005, 2006
[8] Note-se que é nas escolas rurais que o ensino bilingue vai ser implementado.
[9] UNICEF, op.cit. p. 163-164
[10] Notícias, 20.04.2007"

3 comentários:

Xiluva/SARA disse...

O nosso grande problema consiste em prezarmos as metas sem querermos saber das condições reais em que elas podem ser atingidas.

Anónimo disse...

Para quando a continuação deste trabalho? Aguardo com interesse.

Rajabo (YaCimalawoonga) disse...

Cara Professora Fátima!
A análise que está a fazer parece-me ser interessante. No entanto, embora procure apresentar os argumentos com factos e números, acho que está a andar tanto a devaneio o que torna o assunto fastidioso. Seria um pouco mais interessante se fosse muito objectiva, clara e concisa, adjectivos que não me parecem para si novidades uma vez ser professora de português. Acredito que se directamente mostrasse a preocupação que, quanto a mim, me parece já tentar o fazer e adiantar as possíveis soluções muito interessaria ao pais e aos projectistas do Bilingue. Para mim, depois de iniciada implementação, este ensino bilingue já é nosso e não de alguns apenas. Sinto muita ironia no seu discurso, facto que não ajuda tanto para pensarmos conjuntamente. Gostaria de recordar-lhe que os problemas sobre livros e qualidade de ensino que levantou, estes com ou sem o bilingue, enquanto continuarmos dependentes financeira e economicamente, sempre existirão. Coloque os problemas específicos do Ensino Bilingue para vermos juntos que saídas encontraremos para esse nosso Moçambique. Lembre-se que Moçambique é do Rovuma ao Maputo, do Zumbo ao ìndico e que esse ensino de Português que fez como lingua 2 é a realidade real, crua e maioritária. Vamos evitar ``Linguismofobia``. Vamos olhar para o trabalho, conscientes de que aprender na sua própria língua não é apenas uma questão pedagógica, didáctica mas também de cidadania.Não estão apenas os desejos universais ou políticos, estão acima de tudo a identidade e autonomia de nações numa única nação.Numa altura em que o programa já está a ser implementado, espero ouvir ou ler sugestões de práticas supervisivas reflexivas, talvés na mesma perspectiva do ensino de lingua materna, uma prática que acredito a tenha, conforme afirmou que já tem largas experiências de ensino de Português como Língua materna, a não ser que não tenha as práticas de supervisão pedagógica no ensino de língua portuguesa nas perspectivas actuais. Agora, se é língua Yao, Sena, Ronga ou Português, não interessa. O que importa é que seja supervisão para o ensino da língua materna o que, de acordo com o que sei é o que acontece nos programas Bilingues. Mais uma vez, a sua preocupação essa que devia ser de todos tem que ser na perspectiva de melhorar e não no sedento desejo de ver o programa a falhar. Ainda bem que já se referiu ao quanto já foi feito e gasto. Eu não olharia nos montantes monetários mas nos montantes físicos, psicológicos e intelectuais.
Professora Fátima!
Paro por aqui mas com vontade de continuar esta discussão e vou acompanhar. ESTOU SATISFEITO POR SABER QUE É PROFESSORA DE PORTUGUÊS....

Cimalawoonga