15 março 2007

Kusondzokera ndale pa dziko (5)


"Em política não há armas boas ou más: apenas há armas eficientes ou não. Nas almas cidadãs, apenas há duas coisas: a confiança e o medo." (provérbio meu cuja patente não registei)
Vamos lá ver se consigo desirmanar os meus dois entes: o sociólogo e o cidadão. Estou certo de que não, mas acontece-me, amiúde, ter essa ilusão.

Fala do sociólogo: a síndrome do leão
O velho Maquiavel escreveu um dia que apenas existem duas maneiras de combater: pelas leis e pela força. Mas como muitas vezes aquela não chega, há que recorrer a esta. Deixem-me aproveitar esse maquiavelismo para suportar as notas que se seguem.
A Frelimo combateu muito tempo pela força para agora se dar ao prazer remunerador de lutar comodamente pelas leis enquanto um bem montado sistema de segurança protege, especialmente nas cidades, os centros do seu "poder". A Renamo, essa bem tentou pela força destronar a Frelimo, mas não conseguiu. Está, desde 1992, na posição incómoda de ter de combater um inimigo poderoso com armas que não foram as suas, que não domina satisfatoriamente e que não têm qualquer possibilidade de vingarem na Assembleia da República. A inconsciência dessa consciência reactiva, recrudesce as (ou re-irmana-se com as) cinzas ainda incandescentes de uma gestão de conflitos pela força mais pura e mais destruidora.
O discurso de Afonso Dhlakama não é nem mau nem bom: é apenas político. Em política todas as armas são legítimas e permitidas. Podem é não ser eficientes.
Ele e outros na Renamo sabem muito bem onde querem chegar: à gestão de recursos de poder, recursos que a Frelimo gere profunda e multilateralmente. Chegar aí implica luta dura e variada.
Portanto, colocar ex-comandos a vigiar polícias nos postos de votação, é uma medida politicamente política e , portanto, eventualmente útil. O leão junta-se à raposa em dificuldades no manual de Maquiavel. Mas isso não significa que a medida seja eficiente (se calhar até nem é, neste momento).
Rotular de violentos os discursos de Dhlakama é aceitar que não são violentos os discursos e as práticas de quem, no lado contrário, propicia ou amplia essa violência.
As palavras também podem ser - e são - Ak-47 premonitórias.

Fala do cidadão: a síndrome da Ak-47
A posição do persidente da Renamo é inquietante. Desperta a síndrome da Ak-47, essa doença que ainda habita a nossa memória e que certamente ainda comanda muitos dos nossos movimentos, das nossas análises, dos nossos receios.
O problema não está em que membros da Renamo querem vigiar polícias. O problema está em que o presidente da Renamo deixa implícito um apelo à violência.
A Frelimo teve tempo para se civilizar, para ganhar o conforto agradável das poltronas e a respeitabilidade da produtora de leis que passa a todo o momento a mensagem da neutralidade.
A Renamo ainda não conseguiu isso. A esse respeito, o discurso de Dhlakama é ainda fortemente impregnado de pólvora, de desajustamento à realidade civil.
O meu problema, eventualmente o problema de muitos, é temer um coeficiente de violência nos próximos anos bem maior do que aquele que já nos permeou nos pleitos eleitorais anteriores.
O presidente da Renamo sabe que desta vez não pode perder. Se perder, perde para sempre duas coisas: (1) a credibilidade política que ainda tem e (2) a credibilidade de potencial distribuidor de recursos de poder aos muitos cidadãos que, membros e apoiantes da Renamo, por isso esperam.
E quando os elefantes combatem, sofremos nós, os cidadãos do capim.
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Por que será que tenho a forte sensação de que nenhuma fronteira divide, afinal, as duas falas? Entretanto, aguardem próximas dzikoadas.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não só Maquiavel. Sá de Miranda já informava que.
"Inda não he feita a Lei, já lhe são feitas cautellas.
Entre os Lombardos havia Lei escrita, e Lei usada,
Como se sabe hoje em dia,
Que onde a prova falecia,
Que o provasse a espada."
Um abraço a Moçambique
João Boaventura
jboaventura@netcabo.pt