04 fevereiro 2007

Regiões de alta saturação sexual e o controlo político da sexualidade (1)


A propósito (1) das medidas do ministro Aly no que concerne aos "maus costumes" no Instituto de Formação de Professores Eduardo Chivambo Mondlane, bairro Inhamissa, cidade de Xai-Xai e (2) dos trabalhos maravilhosos da estilista Sandra Muendane, surgiu (e prossegue) neste diário um debate que acabou por colocar o problema da sexualidade no país, sexualidade agregada a outros fenómenos que a crítica do ministro Aly procurou identificar.
Ora, a sexualidade é sempre um tema apaixonadamente apaixonado e, diga-se de passagem, das mais variadas formas simbólicas, sexualizado. Profundamente sexualizado.
Digamos, por hipótese, que a história da humanidade é, também, a história de repressão formal da sexualidade, a história tenaz do seu encaminhamento para áreas de sexualidade controlada, digamos que áreas de sexualidade de periferia, áreas de sexualidade sazonal (dança, boîtes, prostíbulos). E essa repressão é fundamentalmente um fenómeno urbano, burguês (nas nossas zonas rurais a sexualidade é "natural", os seios, por exemplo, podem ser expostos, o pudor é, em princípio, desnecessário). O fundamental é dotar a sexualidade de uma existência de penumbra e, especialmente, poupá-la aos jovens. O secretismo do amantismo (tão bem descrito nos romances de Stendhal) é uma forma criticada, mas permitida em seu desvio para áreas "nocturnas", secretas.
Mas hoje a sexualidade ressurgiu de forma nunca antes vista e os modernos meios de comunicação deram-lhe um estatuto de visibilidade total. Despenumbrada, a sexualidade está bem à vista, acessível. Todavia, não vou agora falar disso.
O corpo é e será sempre um problema.
Todavia, o corpo e a sua sexualidade (exposta pelas tchuna-babies) pertencem a uma ordem de coisas bem mais vasta: pertencem, digamos, à ordem da ordem. O controlo político será sempre, por hipótese uma vez mais, a tentativa de controlo da desordem que é suposta emergir e multiplicar-se perigorosamente pelo corpo e pela sua sexualidade armazenada. Os ritos de iniciação à maturidade são ritos de gestão política do corpo sexual e não é por acaso que eles são revestidos de secretismo e geridos pelos mais velhos, pelos guardiões da ordem (claro, hoje a exposição do corpo pode ser, em muitas partes do mundo, uma forma eficaz de controlo político, bem mais económica: permitir para melhor controlar).
Quando o governador de Gaza criticou o uso das tchunas no instituto de formação de professores no Xai-Xai e quando o ministro Aly criticou o que achou ser uma desordem, um desregramento nos hábitos e nos costumes dos formandos, ambos estavam, afinal, a criticar as regiões de alta saturação sexual, para dizer as coisas à Michel Foucault. As tchuna-babies são, afinal, apenas um momento considerado desordeiro em associação com a indisciplina a outros níveis. Por isso Ali disse o seguinte, referindo-se aos formandos: “Devem ter ainda horário único de acordar, dormir, bem como a mesma forma e hora de comer." Por outras palavras, sexualidade exposta pelas tchunas; acordar, dormir e comer sem horário único; guardar no cacifo calçado, escova de dentes, alimentos e toalha, etc., tudo isso pertence a uma mesma família de entes transgressores, perigosos, sexualizados em extremo.
O que estava e está em jogo no discurso disciplinador de Lourenço e de Aly era e é a criação do que Foucault (uma vez mais) chamou lapidarmente "sexualidade economicamente útil e politicamente conservadora". Isso parece-me bem mais importante do que ver nas decisões de Lourenço e de Aly a manifestação típica de um capital de ordem permanente habitando uma Frelimo puritana (mas talvez eu venha a desenvolver um dia este segundo ponto).
Na era colonial, um dos momentos capitais da gestão laboral consistiu na disciplinarização da sexualidade dos trabalhadores. Por exemplo, nas plantações da Zambézia, a ex-companhia da Boror procurou a partir dos anos 60 obter uma maior produtividade laboral tentando desviar e amortecer as zonas de alta concentração sexual através de jogos de futebol, de sessões de cinema, etc. Muitos dos seus relatórios contêm preciosos dados sobre a preocupação com a sexualidade.
O controlo da sexualidadé é um momento importante do controlo político e, portanto, um momento importante de controlo do protesto, da rebelião, da contestação, da transgressão.
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Não apenas em Michel Foucault, mas também em Norbert Elias, encontrareis páginas fascinantes sobre o controlo da sexualidade. E finalmente: estas são ideias provisórias, a qualquer momento posso, como tem sido meu hábito, modificá-las, especialmente em debate.
17.00 horas: decidi escrever uma segunda parte deste trabalho, face aos comentários que surgiram.

13 comentários:

Carlos Serra disse...

O corpo é um problema porque a sua exposição sexualizada representa uma transgressão à ordem (ordem que tem várias componentes), como tentei mostrar na postagem...Bem, isto é apenas uma hipótese.

JCTivane disse...

Senhora Esfinge, diga lá: a senhora gosta que a sua casa esteja suja quando alguém a visita? Porque não devem os estudantes do instituto estar organizados, limpos? Não são eles futuros professores? Não devem dar o exemplo às novas gerações? E deviam as futuras professoras ir dar aulas com as tchunas? Acha isso decente?

Anónimo disse...

Professor, o que escreveu é uma crítica?
(um curioso)

Anónimo disse...

Recordo-me do regulamento que fui sujeito no meu curso de formacão de professores, em 1978, mas não me admiro que o ministro Aly seja que o apologista desse regulamento. Entre instruendos era proibido namorar nem que isso fosse a sério. E só para ver uma colega havia sido reprovada no curso de 1977 por ter sido detectada que namorava com um colega. Entretanto, estes são casados até hoje... Mas o controlo sexual não terminava no centro de formacão porque quando iamos de férias, o discurso era de que não deviamos nos comportar como leões saídos do cerco.

Para controlar-nos efectivamente tinhamos um horário único de dormir e acordar. Nos poucos tempos livres, era proibido andar em pares, isto é, só era admissível que andassemos 1, 3, 5 (ímpares); era proibido ir à populacão circunvizinha e comprar frutos ou outros alimentos como amendoim, mandioca, banana. De casa, vindo férias, não deviamos trazer nada mais que apenas roupa...

Carlos Serra disse...

Caro curioso: não, procurei não criticar, procurei antes compreender analisando.

chapa100 disse...

estamos perante um caso de antropologia muito interessante. hoje onde a relacao social do dominio baseada na sexualidade esta em constante crise, onde o dominio da tecnologia e interpretacao do lugar individual domina a relacao da ordem entre individuos, porque percebemos as coisas como resultado da exposicao do sexo? o mito e percepcoes sociais que acompanham estas coisas de exposicao a sexualidade podem ser traduzidas como relacao de poder(sua reproducao) ou de sobrevivencia da ordem?
acho que a "emancipacao da mulher" nao e aceitavel so no controle dos meios de producao, ela por si so agrega a destruicao ou reconstrucao do mito sexo-mulher. a consciencializacao do seu papel na sociedade, implica tambem aceitacao do corpo e sua sexualidade como "capital biologico e cultural" para inverter a "ordem" dominante.

o erotismo que acompanha a relacao mulher-homen, muita das vezes traduz-se na relacao submissao-dominacao. e porque falta-nos uma percepcao clara sobre a diferenciacao entre erotismo, sexualidade e "acto sexual", tudo traduz-se num debate de mitos.

ano passado na baixa da cidade encontrei uma moca que chorando queixava-se a um grupo de policias sobre uma tentativa de violacao, a primeira palavra do policia:" menina andar assim com mini-saia, voce so queria provocar?".

os tchuna-babes sao a ponta de entrada para uma exposicao mais profunda sobre erotica e sexualidade. uma boa entrada perceber a transgressao a ordem, como diz o professor.

Carlos Serra disse...

Reparam que abri uma segunda parte para esta postagem.,,

Anónimo disse...

Se roupa, roupagem fosse algo tão essencial ao homem, nasceriamos já vestidos não?

JCTivane disse...

Vou repetir: se queremos acabar com a pouca vergonha que vemos aí nas cidades é necessário começar a pôr ordem, as nossas mulheres devem usar vestidos até abaixo do joelho. Calças ainda podemos permitir, mas não calças apertadas que mostram tudo.A filosofia é muito bonita, mas agora chegou o tempo de agir. Tenho dito.

Anónimo disse...

Acho o senhor um pouco exaltado. Tem jeito para polícia.

Anónimo disse...

È verdade esfinge, concordo com teu pensar.Quanto este rídiculo TIVANE olha só o termo que usa "nossas mulheres", "por oedem",
"pouca vergonha", "podemos permitir"...Quem precisa começar a pensar é ele mesmo.Quem tá filosofando aqui? È verdade...chegou o tempo de agir.Ah! quem me dera morar aí, eu contrataria alguem, pagaria qq preço só mesmo para identifica-lo...e, quando identificado o senhor nem imagina o que eu faria com sua pessoa.Tenho pouca idade, mas tenho a rebeldia em meu sangue...e ignorando tudo o que meus pais me ensinaram, em relação como procedermos diante os mais VELHOS...faria movimentos, traçaria mil planos, com finalidade diversas, entre estes...a de desmascarar voce velho esquesito.E TENHO DITO!

JCTivane disse...

Voce senhorita e mesmo uma senhorita espevitada e nervosa. Repare que tentamos todos pensar numa so coisa: o bem-estar.

Anónimo disse...

TIVANE...como vai a tua mãe?
rsssssssssssss

ops: se é que tens mãe,me parece que nasceu mesmo foi de uma chocadeira.