"A emoção é negra, como a razão é helénica" (Léopold Sédar Senghor)*
Nos anos 70, o jovem maliano Fodé Diawara escreveu um livro com o título "Manifesto do homem primitivo", tentando provar que a "raça branca", que ele situou no "estado protozoário da espécie humana", tinha enveredado pela construção de uma civilização material, com prédios, para compensar o seu permanente nervosismo, a sua solidão e a sua insatisfação sexual, enquanto a "raça negra", raça avançada, se desenvolvera harmoniosamente, feliz em seus impulsos naturais, em suas danças, em sua actividade puramente muscular, em sua liberdade anímica e sexual. Isto, claro, até ao dia que os colonizadores chegaram e estragaram tudo com os seus vícios**.
Entretanto, em resposta a um trabalho do jornalista Lázaro Mabunda publicado na edição de 19/o1/o7 (pp. 10-11) de "O País", tentando mostrar quão antiga a homossexualidade é, o Sr. Gabriel Simbine, conceituado cronista local, redarguiu que África nunca soube o que era homossexualidade até os colonizadores europeus para aqui a exportarem, concentrando-a nas cidades. A actividade sexual dos africanos em geral e dos "afro-moçambicanos" (sic) em particular, é tão natural que não fazia nem faz sentido pensar-se que eles podiam algum dia abandonar a heterossexualidade, salvo, claro, se corrompidos pelos hábitos dos europeus colonizadores.
Segundo o Sr. Simbine, o europeu "tem um organismo frio, resultante do clima temperado, e não encontra satisfação quando pratica exo normal e natural entre homem e mulher. Na falta do melhor o pior serve e ele tem de recorrer às experiências, ora praticando a homossexualidade, ora praticando sexo oral".
A natureza residual da pequena homossexualidade urbana, introduzida pelos europeus, não justifica a sua legalização, uma legalização, afinal, de uma prática anti-africana, segundo Simbine ("O País", edição de 16/02/07, p. 9).
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*Liberté 1, Négritude et humanisme. Paris: Éditions do Seuil, 1964, p. 102.
**Paris: Éditons Grasset et Fasquelle, 1973.
12 comentários:
Suspiro... Nao posso fazer mais nada que suspirar. E lembrar-me da conspiracao da mao estrangeira...
Pelos Estados Unidos e pela Europa (e provavelmente noutros continentes), nas revistas ditas “femininas” ou “masculinas” têm surgindo vários textos e conceitos, de um certo sociologismo, mas que acho interessante partilhar aqui.
O raciocínio, de certa forma consensual é que, com a liberalização dos costumes e com a dita revolução gay (por intermédio dos festivais e das paradas gay, da moda gay, dos bares gay, etc.) muitos costumes mudaram. Com esta revolução, o homem heterossexual deixou de ter um comportamento dito “retrossexual”.
De uma forma estereotipada, o “retrossexual” seria o homem que bebe muita cerveja e que só gosta de falar sobre mulheres (que não a sua, claro, essa é pura, como aliás a mãe e a irmã e os demais membros femininos da família. Trata-se de um predador sexual) e futebol, um machista puro sem grande interesse por questões ditas femininas, como a moda, a estética ou os sentimentos. Para o retrossexual, “os homens não se querem bonitos” e, querem-se “feios porcos e maus”. Mas nas grandes cidades, nos meios mais burgueses e escolarizados o retrossexual deixou de “estar na moda”.
Assim, o homem da classe média/alta urbana, que desempenha funções tendencialmente executivas, tende a tornar-se um “metrossexual”. O metrossexual é heterossexual mas não tem os mesmos preconceitos do retrossexual. Trata-se de um indivíduo que se interessa por moda e que gosta de se depilar, de arranjar as unhas ou as sobrancelhas e que tem cuidado com a escolha do amaciador para o cabelo, que tem jeito para mudar as fraldas dos filhos ou que cozinha tão bem ou melhor que a esposa. Um exemplo que é dado é o do futebolista David Beckam que, como se sabe, gasta fortunas na sua aparência.
O curioso é que, recentemente, surgiu o conceito “ubersexual” (uber vem do alemão “acima”). O ubersexual constitui o homem, dos mesmos estratos sociais, com as mesmas características do metrossexual, mas que afirma de uma forma mais vincada a sua (dita) masculinidade (ex.: mantém uma barba por fazer, ainda que cuidadosamente aparada). Trata-se de um homem que, preocupando-se com o seu corpo, está mais preocupado com causas sociais, que é capaz de ter conversas menos fúteis. Trata-se, como li algures, do individuo que está mais preocupado com as ideias do que com o amaciador do cabelo. No fundo tem uma forma descuidada de cuidar de si próprio. Dois exemplos frequentemente referidos são Bono, vocalista dos U2 ou José Mourinho, treinador do Chelsea.
Pronto, achei interessante e oportuno partilhar isto aqui. Um abraço para todos os leitores.
João
E sobre as teorias da sexualidade feminina nada?! Esta continua a ter que ser por tras da cortina...
Se eu, como mulher, exibir um comportamento sexual predador como do retrosexual, no minimo chamam-me ninfo... no outro extremo nao menciono a palavra, porque nao sei se e o tipo de palavra que o Professor aceita nestes paineis de debate.
Se eu me comportar como o metrosexual serei chamada de futil.
Se me comportar como o ubersexual, provavelmente serei vista assexuadamente, ou independente demais, ou feminista demais... de qualquer maneira, ideias na cabeca das mulheres retiram o seu apelo sexual.
As mulheres ainda se querem apenas na cozinha, no tanque e na cama (mas sem que ninguem comente o que elas fazem por ali).
Grandes dilemas!
Bem visto la strega. Também tenho pensado nessa questão. Mantendo a tendência de estereotipar, a mulher retrossexual talvez fosse a mulher dita tradicional, submissa, típica dona de casa, que existe, simplesmente, para ter filhos e para os criar, que só sai de casa dos pais para casar, virgem, com o primeiro namorado. Já a metrossexual seria a mulher urbana, dita moderna, com formação superior, culta e emancipada, que desempenha cargos profissionais de chefia, que vive sozinha ou com amigos/as, que por vezes é mãe solteira por opção, naturalmente teve vários companheiros e é respeitada por isso. É independente e viaja sozinha ou com amigos/as, por vezes por territórios onde não é suposto uma mulher (ou até um homem) viajar sozinha. Sendo elegante não estará muito preocupada com o que as pessoas pensam se não estiver depilada e se não respeitar os supostos cânones femininos de beleza. Esta mulher sente-se livre e segura de si, luta pelos seus objectivos e acaba por os conquistar. Felizmente conheço muitas assim. Infelizmente concentram-se, sobretudo, nas grandes cidades e em alguns países.
Um facto é que antes da “revolução” homossexual, em muitas sociedades só se conheciam dois géneros de comportamentos legítimos, perfeitamente opostos e incompatíveis (numa óptica funcionalista entendiam-se complementares). A cultura gay possibilitou que aqueles dois universos (masculino e feminino) se tornassem culturalmente menos estanques e ajudou a desmistificar a anterior ordem tradicional, opressora para ambos os sexos (a mulher é a principal vítima, mas em determinados contextos também é opressor para um homem não puder chorar ou não puder demonstrar determinados afectos, ou não ter muitas experiências sexuais. Tal é considerado feminino e entendido como uma grave ofensa a uma identidade sexual). A revolução gay e os movimentos feministas contribuíram para a mudança dos costumes e para a abertura das mentalidades. Um indivíduo, homem ou mulher, passou a ter mais liberdade para optar pelo comportamento que quiser, para poder escolher em consciência o melhor para si e para o seu futuro, independentemente dos limites que a sociedade coloca ao seu género. Mas ainda muitas revoluções sexuais terão de ser feitas. Coragem!
Na qualidade de vítima de um clima temperado, perdida entre a metrosexualidade e a ânsia de descobrir a alma moçambicana, pergunto-me se a opinião do Sr. Simbine é representativa. Não que me desagrade, enquanto mulher, a ideia de um país em que a homosexualidade masculina tem natureza residual, mas onde foi o Sr.Simbine buscar a certeza de que o europeu tem um organismo frio? E que acha ele da mulher europeia? Diz que os africanos, por cá, não têm grande pejo em recorrer aos deleites da sexualidade oral... estará o clima a afectá-los a ponto de abdicarem da sua natureza?
uma delicia.
Agora falando serio, acho que deveria haver uma campanha proibindo (ate perseguindo) essa pratica anti-africana seguida por muitos medicos tradicionais, que se anunciam como curando impotencias e coisas dessas, tambem anti-africanas, como sabemos, pois o clima nao as permite
Pois é, a cada coisa temperada, o seu temperamento.
Retribuo o deliciar, JPT.
Confesso-me contudo intrigada quanto a um Carlos Serra tão evasivamente comentador. Como gostava de ter a sua posição sobre o assunto.
JPT, é africano?
Que podem modestos sociólogos fazer perante a imponência de grandes postulados?
Por ignorância, por inocência, por preguiça ou por bisbilhotice, sei lá por que outras razões, em Portugal utiliza-se com frequência a expressão “Diz que”: “Diz que nas escolas…”; “Diz que a vizinha do lado…”; “Diz que faz muito mal”. Quando ouço um “diz que” até estremeço: o que é que irá sair daqui… Por vezes rendo-me e limito-me a um “Diz que sim”.
Sr. Carlos Serra, fico muito feliz em saber que mais alguém (além de mim) leu a obra 'Manifesto do homem primitivo'; um livro importantíssimo para quebrar pré-conceitos, sofismas e estereótipos.
O livro de minha leitura é uma publicação de Lisboa (editora Futura, 1974). Parece-me que no Brasil não foi publicado.
No Orkut, criei uma comunidade à respeito dessa obra. E seu blog é citado lá.
Um abraço, e sucesso!
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