17 fevereiro 2007

Sociologia do corpo em Moçambique: piercingazação e outras coisas identitárias



O sociólogo francês David Le Breton tem feito um admirável trabalho na sociologia do corpo*.
Por exemplo, ele defende que, face a um mundo agressivo e pouco hospitaleiro que faz sofrer a juventude, as auto-mutilações, as tatuagens, os piercings, etc., servem como que mecanismos de reequilíbrio psico-social.
Então, as ténis, as t-shirts e os piercings poderão ser uma tentativa de recalibração anímica num mundo em permuta constante.
Não é mais a velha alma que serve de pretexto original ao novo processo identitário: o próprio corpo tornou-se alma.
Tenho para mim que a dor causada, momentânea, pode servir para melhor dela nos defendermos, para melhor nos afirmarmos, para melhor esclarecermos a nossa identidade protectora.
É como se precisássemos de uma perspectiva homeopática para nos sentirmos bem.
Em Moçambique, Maputo, que é uma cidade de grande porosidade cultural, tatuagens e piercings são cada vez mais frequentes, numa galeria que incorpora, ainda, as bermudas, a cabeça rapada (há dois anos disseram-me que esta era uma das características identitárias dos estudantes universitários zambezianos em Maputo), as sapatilhas com os atacadores desapertados, etc.
Tanto quanto julgo saber, não existem ainda no país casos de despigmentação da pele, visando branqueá-la (veja, a propósito, uma entrada minha de 02 de Maio de 2006 aqui).
Mas, entre nós, será que o processo de recalibração identitária do corpo tem a ver com sofrimento? Não terá, antes, a ver com alegria?
Há todo um mundo de perguntas e de pistas a explorar.
Este ano ano irei trabalhar nisso com os meus estudantes na Cadeira de Metodologia de Investigação. E, também, sobre as mechas das nossas raparigas.
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*Veja, por exemplo, Le Breton, David, La sociologie du corps. Paris: P.U.F., Que sais-je ?, 1992, 127 pp.

4 comentários:

Avid disse...

Professor Serra,
Respondo ao seu post não de forma colectiva pois acho que na realidade o corpo se tornou alma e sendo assim se torna difícil falar das almas ou da alma que não me pertence. Possuo em meu corpo duas tatuagens feitas em momentos de vida completamente diferentes e que por isso representam (ou representaram) em mim as contradições e anseios do que eu era e do que queria ser porque na verdade, elas são mutáveis, não na sua forma de ser ou em seu desenho cravado na carne pela vida á fora mas no seu aspecto significativo.
Com tatuagens meu corpo se tornou papiro do que eu queria, ali estão presentes manuscritos indecifráveis dos meus anseios e elas se tornaram meu único vinculo entre meus protestos e aqueles que me olham mas não me vêem. Nas minhas tatuagens estão presentes o que quero e o que não quero ser sem a invasão necessária das palavras.
O desenho perfeito delas foi feito na dor do meu corpo e no silêncio reprimido do grito de muitas lágrimas que não derramei, a mesma dor que afasta e dispersa as certezas daquilo que vivemos das que queremos viver.
Parecem estáticas, mas não são...pelo menos as minhas não são...usam a sua condição de imóvel para se misturarem e se movimentarem em mim com o descompromisso de precisarem ser aprovadas ou desaprovadas por quem quer que seja.
Minhas tatuagens são memórias do meu passado (e futuro) escritas com sangue. Falam línguas de dentro e fora de mim.
Minhas tatuagens são EU.
Bjs meus

Aut disse...

Importante e especialmente muito bela a sua intervenção, Diva.

jpt disse...

belo comentario, sim senhor(a). CS, o seu post (e tematica) fez-me lembrar uma "experiencia" hermeneutica que desenvolvi numa aula. Afirmei a inadmissibilidade da utilizacao de artefactos eroticos numa sala de aulas em que eu fosse o professor (estamos a por em cima da mesa a relacao, quantas vezes esquecida, de poder ali existente, claro). A aluna, de piercing na lingua, nao compreendeu de inicio, mas se ela me impoe o seu codigo de manipulacao do corpo por que nao eu o mesmo?

JCTivane disse...

Tenho muitas ideias livres eu sei mas aqui nao estou mesmo nada de acordo, sao coisas que nao deviamos permitir, estragar o corpo dasnossas mulheres. Esta a minha maneira de pensar. Tenho dito.