Naturalmente que vocês se aperceberam logo de quão ilógicas são as perguntas do título desta entrada.
Evidentemente que os fenómenos existem (mesmo os do mundo sub-quântico), que as mulheres existem.
O problema está em que eles, fenómenos e mulheres, não existem em si, mas dentro de processos de pensamento e de categorização que, porque sociais, variam de acordo com muitas variáveis.
Tudo isso a propósito de um encontro que tive esta manhã com alguns estudantes de jornalismo. Um deles disse-me que tinha ouvido muitos comentários sobre a minha recente proposta de haver um reitora na Universidade Eduardo Mondlane e que alguém teria mesmo feito a seguinte pergunta: "Como pode o Carlos Serra propôr uma mulher?"
Ora, se eu tivesse proposto um reitor, poderia eventualmente suscitar alguma discussão em torno dos seus méritos e deméritos. Mas propondo uma reitora, eu entrei num mundo fundamentalmente androcêntrico, masculino e masculinizado. Se não era estranho propor um reitor, estranho era e é propor uma reitora. Se calhar até mulheres poderiam pôr em causa a minha masculina proposta, se admitirmos a hipótese de que elas interiorizaram e interiorizam, naturalizaram e naturalizam a dominação masculina. Portanto, a minha proposta caiu em terra minada. Quem fez a pergunta acima mencionada não se colocou o problema de interrogar os seus processos de pensamento e categorização. Achou que o problema estava a juzante (o fenómeno) e não a montante (os tais processos pessoais, que são, sempre, processos sociais).
Lembro-me bem do espanto que o sociólogo francês Alain Touraine causou uma vez em Paris quando, começando um seminário sobre a mulher, afirmou que "a mulher simplesmente não existe, ela é produto de uma construção masculina." Claro que o falecido Pierre Bourdieu, outro sociólogo francês, teria acrescentado: "Construção masculina interiorizada, portanto aceite, portanto tornada natura, hábito."
4 comentários:
Ja sobre isso diz a Simone: ninguem nasce homem ou mulher...
Sim, "Ninguém nasce mulher, torna-se mulher".
Logo, mulher não existe, o que existe é uma categorização social naturalizada.
Sugiro-vos que leiam Quine em "Three Grades of Modal Involvement", The Ways of Paradox, New York: Random House, 1966,a propósito de as propriedades essenciais ou acidentais de algo dependerem da forma como as descrevemos.
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