A situação agrava-se cada vez mais. Em postagem anterior, mais abaixo, reportei um linchamento levado a cabo na Beira ontem. Entretanto, segundo reporta o "Notícias" de hoje, "quatro indivíduos indiciados de vários crimes foram mortos por linchamento na última quinta-feira, em diferentes bairros da cidade de Chimoio. Dois dos supostos criminosos foram queimados vivos no Bairro 16, um no Bairro Quatro e a quarta vítima perdeu a vida à paulada, na sua própria residência, no Bairro 7 de Abril. Com essas mortes, sobe para 15 o número de supostos criminosos mortos por linchamento desde que o fenómeno eclodiu com as manifestações violentas de 23 de Fevereiro naquela cidade."
Recorde-se que uma comissão criada pelo Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique esteve recentemente a trabalhar nas províncias de Manica e Sofala com vista a identificar as causas e procurar formas de estancar o fenómeno.
Recorde-se que uma comissão criada pelo Comando-Geral da Polícia da República de Moçambique esteve recentemente a trabalhar nas províncias de Manica e Sofala com vista a identificar as causas e procurar formas de estancar o fenómeno.
1. ª adenda às 1:010: o dado de 15 linchados avançado pelo jornal está errado. Na verdade, com estes quatro linchados, eleva-se agora para 25 o número total de linchados este ano em Moçambique, a saber: dez em Chimoio, nove na Beira, dois no Dondo e quatro em Maputo.
2. ª adenda às 2.09: aqui e acolá, tenho-vos remetido para os linchamentos no Brasil e sugerido vários autores para leitura. Permitam-me recomendar-vos a leitura de mais este trabalho aqui.
3.ª adenda às 2:18: permitam-ne extractar do trabalho referido na adenda anterior as seguintes passagens: "Mesmo repudiando uma associação simplista entre pobreza e conflito/criminalidade, é imperativo assumir que as condições de vida dos jovens pobres, marginalizados e sem perspectivas são mais suscetíveis aos tipos de conflitos que podem, mais provavelmente, desencadear linchamentos ou tentativas. Além disso, não é surpresa que encontremos nestes segmentos, com acesso precário às instâncias de resolução de conflitos, posição mais favorável à aplicação de penalidades e castigos extralegais (...) Com base nos dados aqui apresentados, pode-se suspeitar que os linchamentos estejam em processo de popularização e naturalização e, em conseqüência, tendem a produzir mais e mais vítimas (...)."
4.ª adenda às 10:01: contrariamente ao que vinha a fazer em casos anteriores, a Rádio Moçambique ainda não reportou os cinco linchamentos registados esta semana.
5.ª adenda às 10:32: extracto de um texto do sociólogo brasileiro e especialista de linchamentos, José de Souza Martins: "Os linchamentos são mais do que um problema social; são expressões dramáticas de complicados processos de desagregação social e, também, de busca de um padrão de sociabilidade diferente daquele que se anuncia através das tendências desagregadoras. Seria pobre a interpretação que se limitasse a vê-los como manifestação de conservadorismo ou, ao contrário, a neles ver indicação de uma conduta cidadã e inovadora; antes, é necessário neles resgatar a dimensão propriamente dramática do medo e da busca, ingredientes que muitas vezes acompanham os processos de mudança social. O tema do linchamento é um desses temas reveladores da realidade mais profunda de uma sociedade, de seus nexos mais ocultos e ativos. Nos linchamentos se faz presente a dimensão mais oculta do nosso imaginário, sobretudo nas formas elaboradas e cruéis de execução das vítimas. A centralidade do corpo nesse imaginário explode nas ações de linchamento, quando pacíficos transeuntes, pacíficos vizinhos, devotados parentes e pais se envolvem na execução de alguém, a quem, às vezes, estão ligados por vínculos de sangue, às vezes o próprio filho. E, sobretudo, quando se envolvem na mutilação, na castração e na queima da vítima ainda viva. A forma que entre nós assume a chamada justiça popular está muito distante do romantismo ingênuo que tem marcado tão fundo estudos sobre a cultura popular em nosso país e o discurso abstrato sobre a cidadania."
1 comentário:
Construir (ou reconstruir) a sociedade, proclamar e afirmar valores sociais, usando para tal meios de tamanha "desumanidade" é de incoerência descabida.
"Fraco patrulhamento e soltura dos supostos malfeitores" como causa dos linchamentos é no mínimo um diagnóstico simplista e precipitado que se justifica pela ânsia de reduzir esse complexo dilema, num problema gerível na mesma simplicidade com que se apedrejam ou queimam até a morte os "malfeitores". Enquanto não se encontrarem as raizes, esta-se longe de estancar os linchamentos.
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