10 outubro 2007

Menina responde à pergunta: o que fazer com um ladrão?

O trabalho de pesquisa sobre linchamentos da UDS prossegue em várias e complexas frentes. Uma dessas frentes consiste na análise de conteúdo de redacções feitas por centenas de alunos de escolas primárias de Maputo, Beira e Nampula. A pergunta é simples: o que fazer com um ladrão? Já aqui apresentei alguns exemplos de respostas. Eis mais um exemplo de uma resposta - singularmente espantosa -, dada por uma menina algures no país, que igualmente desenhou etapas da punição que propôs (se houver dificuldades de compreensão, digam-me algo em comentário, eu ajudarei; e clique duas vezes com o lado esquerdo do rato sobre as imagens para as ampliar):

36 comentários:

Anónimo disse...

professor! eu não sei até onde o país vai com esse tipo de mentalidade. se as meninas que, normalmente, são tidas como mais sensiveis pensam assim, que esperar dos rapazes?
volto a comentar amanhã.
Jorge saiet

Carlos Serra disse...

Trabalhamos ainda no tratamento estatístico dos dados. Há-de chegar a altura de apresentar a análise. Abraço.

Anónimo disse...

Isto é mais do que um linchamento com pneu. Mas que ideia dessa menina.

ABC

Carlos Serra disse...

Deixem-me dizer uma coisa estupidamente estúpida: o ser humano (talvez fosse melhor dizer o "ser social") é uma uma entidade muito complexa. Mas altura haverá, repito, em que uma análise será dada a conhecer.

João Feijó disse...

Interessante estudo. Estou estupefacto. Para quando a publicação dos resultados?

Carlos Serra disse...

Prossegue ainda. A 14 de Novembro, segundo seminário da UDS (Faculdade de Medicina, 16 horas), divulgaremos os primeiros resultados analíticos desse tipo de fenómenos. E veremos o que terá a dizer a investigadora brasileira Jacqueline Signoretto sobre o Brasil...

Salvador Langa disse...

Meu Deus.

Unknown disse...

A sociedade está assustadoramente doente.
As mentalidades são, numa dose muito generosa, o fruto do ambiente em que se formam.
Espero que o resultado do estudo nos indique que estes casos são uma excepção. Caso contrário estaremos num caminho de retrocesso a um patamar subhumano.

Carlos Serra disse...

Aguardemos os resultados. Há coisas muito complexas a ter en conta.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Hummm... Criança sábia! Deve ter visto muitas imagens de tortura!
Lhe dou boa nota! Vai ser criminologista do sistema, pelo andar da corroça!
É o meio que aguça esse imaginário! Muito desamparada e entregue à bicharada! Provavelmente, precisa de aprender numa outra escola... outras maneiras de pensar e, sobretudo, vivê-las. Houve efectivamente uma regressão cognitiva nacional!

Carlos Serra disse...

Estamos ainda a estudar a frequência de certos termos digamos punidores nas redacções da crianças. Mas não são poucos.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Análise de conteúdo? Apenas frequências de categorias? Não é possível estabelecer associações com outras variáveis? Idade? Categoria sócio-proffisional dos pais? etc.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

E, dado estar ligado com a Faculdade de Medicina, poderiam tentar associar esses dados com os níveis hormonais. Com a medição dos dedos (ratio 2D:4D), poderiam obter dados muito interessantes.

Carlos Serra disse...

Não, nesse campo não estamos a trabalhar com variáveis. Decidimos não o fazer. Apenas as temos nos questionários. Acresce que a nossa amostra não é probabilística e a nossa intenção é, por agora, apenas a de colher tendências em escolas situadas nos bairros considerados mais problemáticos em termos de linchamentos. Acresce que temos de usar sempre de muito prudência para obter informação fiável dada a cultura do silêncio que rodeia o fenómeno linchatório.

J Francisco Saraiva de Sousa disse...

Aqui não é a cultura do silêncio mas a do «trauma». Em Portugal, é tudo traumatizado ou então suspeito. Conheço estudos com crianças mas com amostras clínicas (CAH). Resultados interessantes.

Avid disse...

Infelizmente pouco consigo comentar sobre esta realidade. Nao preciso "desta" redacao para saber que este tipo de resposta comeca a ser "tao mais comum" do que imaginamos...

Qual sera o fim disto tudo? Ou ja estamos nele e nem nos dignamos a perceber que o fundo do tunel e mesmo... AQUI!
Bjs meus

P.S. Acho que por as meninas serem mais sensiveis que a resposta chega a tanto...

Anónimo disse...

Me assusta pensar que se pense assim, ainda por cima, por crianças. Algo está muito mal na nossa sociedade. Aguardo com ansiedade os resultados da vossa análise. Muita força para a sua equipe!

Carlos Serra disse...

Tentaremos lá chegar, à possibilidade de análise. O interessante é que todas essas crianças tem uma Disciplina de Educação Cívica e Moral...

ilídio macia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ilídio macia disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
ilídio macia disse...

Criança muito inteligente esta. Vejamos porquê:
1. Tem noção de que o património de outra pessoa não deve ser subtraído ilicitamente, portanto tem alguma noção de Direito penal;
2. Tem noção dos dez mandamentos, mormente do 9º mandamento " não furtarás".
3. Sabe que quando alguém subtrai ilicitamente coisa de outrém há que se aplicar uma pena por forma a que o criminoso não pratique novamente a infracção,e, por outro lado, sabe que a sanção aplicada intimidará a sociedade no seu todo, a não enveredar pelo caminho trilhado pelo sancionado, portanto, esta criança tem alguma noção dos fins das penas.
4. A criança sabe que há uma necessidade de reabilitar um homem com comportamentos desviantes. Por isso sugere que o crimonoso seja levado a igreja. Ela sugere isto por conhecer o papel desta instituição na sociedade.
5. Depois procura repôr os dedos do criminoso. Isto significa alguma coisa...será arrependimento? Não sei!!
É verdade que a criança pode ser acusada de não ter noção de direitos humanos. Sim, não tem... Pode ser acusada de não ter valores que são universalmente aceites pelos Estados civilizados, nomeadamente, o respeito pela vida de outrém. Mas isso, quanto a mim, não retira a sua inteligência...
Por outro lado, distancio-me daqueles que pensam que a sociedade está mal porque até crianças pensam desta e daquela forma. Quanto a mim, a sociedade está num bom caminho. Perguntem-me porquê!!

Anónimo disse...

É simplesmente uma redacção de terror...depois de maltratado é ainda convidado a igreja para pedir perdão. Habita na mente desta pequena menina muita violência. Estas ideias não vem do imaginário normal e fantasioso de uma uma criança, mas do meio onde a mesma habita...

Carlos Serra disse...

É, sem dúvida, uma redação que permite interpretações diversas. Eu não tinha pensado, por exemplo, na possibilidade de a analisar pelo quadro traçado pelo Macia. Abraço a todos!

ilídio macia disse...

É de terror, sim sr. Mas a questão central não é essa.

Carlos Serra disse...

Ó Ilídio, vc coloca duas questões interessantes: (1)a lógica do comportamento da criança; (2) a aparente impossibilidade de situar a predisposição para o comportamento punitório. Diga-me: coloquei mal as questões? E, já agora, sem querer intrometer-me no diálogo entre si e o anónimo, qual é, então a sua questão central? Abraço!

ilídio macia disse...

a) A sociedade está em degradação permanente;
b) O Estado não consegue controlar o fenómeno criminal;
c) A insegurança já é regra;
d) A polícia inexiste, ou seja, é invisível;
e)A violência nem sequer permite que as crianças se recordem das lições de moral transmitidas nas escolas e nas igrejas;
f)Enfim, o que a criança escreveu, é um autêntico GRITO DE SOCORRO!

ESTAS SÃO AS QUESTÕES CENTRAIS, na minha óptica, como é óbvio!

Carlos Serra disse...

Está bem...Fixei especialmente a sua alínea e).Leia sff a curta morfologia dos bairros suburbanos da cidade da Beira que acabei de postar. É um modelo típico de habitat para linchamentos. Abraço!

ilídio macia disse...

Esta criança convida a sociedade a tomar o poder...Percebem isto? Em " o crime e castigo", de Dostoiévski, Raskolnikóv, o personagem principal, disse o seguinte e cito: "...convenci-me de que o poder não é concedido senão àquele que ousa inclinar-se para o tomar: é necessário ousar. Então ocorreu-me pela primeira vez na vida, algo que jamais alguém havia pensado. Desde o dia em que se me revelou essa verdade, clara como a luz do sol, quis ousar e matei..."(p.421).

Quer dizer, a criança-centro do nosso debate, tenta, de alguma forma, aplicar, ainda que de forma inconsciente, este raciocínio do Raskolnikov. Sei que estou a arriscar demais...

O romance de Dostoiévski ensina como os pensamentos mais íntimos nos levam ás vezes a ver o mesmo que os outros, mas a enxergar de forma diferente. Se calhar é o caso da criança-centro do nosso debate. Reparem, o facto de tal acontecer, não deve, e de modo algum, deixar as pessoas alarmadas, deve, isso sim, colocar as pessoas a reflectir acerca do nosso quotidiano.

Carlos Serra disse...

Há várias, melhor, há muitas outras crianças nos nosso registo documental (UDS) que, sem o detalhe punitório desta, têm a mesma predisposição.

Anónimo disse...

Prof!

Acho que seria importante mostrar tambem as redacoes que sugerem medidas a' luz dos principios consagrados na carta dos direitos humanos. Como bem disse, como base nessas redacoes pouco poder-se-a comentar na medida em nao temos em mao os dados estatiscos globais. Sugeria que nao fizessemos generalizacoes porque esses dados podem ser isolados ou influenciados por criancas que vivem o trauma dos linchamentos por perto...Mocambique tem muito mais crianca! Todavia, e' mesmo triste ver uma crianca a pensar assim, algo seguramente nao anda bem!

Anónimo disse...

Concordo com o último anónimo. Quem vos lê e não conheça Moçambique convence-se, sem dúvida, de que este país atingiu os limites do permissível em violência. Repito uma coisa que disse antes: Este país não é mais violento do que qualquer outro que eu conheça (estudei fora e visitei alguns países). Nem as nossas crianças são doentiamente sádicas.

Obed L. Khan

Anónimo disse...

Caro amigo Macia, ninguém nega a punição dos criminosos, mas numa sociedade que se diz civilizada não pudemos aceitar este tipo de punição proposta pela "criança-centro" do presente debate.
Não esqueço-me que o nosso sistema penitenciário (e não só) está falido. Todos nós sabemos que uma lei a mais ou a menos não vai mudar nada.
É preciso mudar a cultura em relação à criminalidade. Devemos entender que o infractor é uma pessoa com outras perturbações, que as concepções políticas, religiosas e sociológicas não abarcam.
Para distúrbios de conduta, temos sempre que dar uma chance de tratamento e intervenção, o que não significa impunidade.
Caro amigo I. Macia, não encontro nas palavras desta pequena criança nenhuma inteligência e não precisava de ter noções de direitos humanos para saber que a conduta proposta por ela perante o criminoso (ou a criminalidade) é errada. Veja que no fim até diz que também os que maltrataram vão ajoelhar-se diante do pastor para pedirem perdão...quer dizer reconhece que a "justiça pelas próprias mãos" não é o melhor caminho.
Um grande abraço a todos

Jojó Lemos (ex. anónimo)

Anónimo disse...

a crianca e' de todo inteligente! e se calhar deixar um 'take home message' para os adultos....

Carlos Serra disse...

Naturalmente que há crianças que têm outro tipo de discurso, do género "não devemos bater nem matar, devemos levar à polícia". Em tempo devido falaremos de todos esses casos.

ilídio macia disse...

Caro Lemos, estou a gostar do debate. É muito fino e didáctico. Deixe-me só citar o último periodo do seu comentário: " Veja que no fim até diz que também os que maltrataram vão ajoelhar-se diante do pastor para pedirem perdão...quer dizer reconhece que a "justiça pelas próprias mãos" não é o melhor caminho." Ora, meu caro Lemos, se afirmas que a criança "reconhece que a justiça pelas próprias mãos não é melhor caminho", então creio que está aí mais um sinal de inteligência desta criança-centro do nosso debate.

Carlos Serra disse...

Parece (os dados ainda estão a ser tratados) haver uma característica central nas redacções das crianças de Maputo e Beira: a exigência de punição, frequentemente a punição antes de o ladrão ser entregue à polícia.