26 julho 2007

São a pobreza, a criminalidade e Bill Gates mais importantes do que a Dama do Bling?


I
Estão a ver quão provocante é o título, quão aparentemente bizarrro e abominável parece ele ser?
Mas a natureza deste diário é, justamente, a de ser provocante, a de transformar as respostas em perguntas e os problemas em novos problemas e as soluções em dúvidas.
Vamos lá então falar: sabem, a pobreza, a criminalidade, Bill-Gates, não são mais importantes do que Ivânia, a Dama do Bling.
Ah não! Claro que são - direis, estupefactos! -, claro que têm instintivamente coeficientes de peso, de visibilidade, de lógica, de bom-senso, incomparavelmente bem maiores.
Sim, claro. Mas em que circunstâncias?
Escutem: como na dialéctica do bom-senso o não é irmão gémeo do sim, então é possível dizer que o fenómeno que a Dama do Bling representa (como Lizha James, como Mc Roger, como outros representam, como Madona, como Kelly Khumalo) não é nem menos nem mais importante do que os fenómenos da pobreza, da criminalidade ou das crianças de rua.
São simplesente fenómenos da mesma importância, da mesma magnitude.
Por que são da mesma importância? Porque pertencem ao mesmo sistema social que produz a Dama do Bling, a criminalidade, as crianças de rua, Mc Roger, este blogue, o vosso interesse, Bill Gates, a guerra no Iraque, as consultorias, a STV, os temas da boa governação, etc.
Apenas a nossa opinião, o nosso interesse, individual ou colectivamente produzido e reproduzido dentro de certo tipo de cultura, de um determinado país, de um dado grupo social, de representações sociais e de certas escalas de aferição e de catalogação, podem conduzir-nos à selecção, à hierarquia, à demarcação, à preferência.
Em si, todos os fenómenos referidos são iguais, importantes, lógicos, normais.
Oiçam, pensem numa salada (inestimável utensílio sociológico): o valor de uma salada advém não da importância individual da alface ou do pepino ou do ovo, mas da unicidade, da inter-ligação de todos os seus produtos. Na salada todos os ingredientes são importantes. Melhor: é a salada que é importante.
II
Mas aprofundemos só mais um pouco.
Qualquer fenómeno é, sempre, o reflexo (ainda que não visível, regra geral) de inúmeros outros fenómenos. Cada fenómeno social pertence a um conglomerado de fenómenos em rede, nos quais um ou vários se tornam importantes, temporariamente ou prolongadamente ou para sempre, em função da hegemonia ganhante de uma corrente de opinião pertencente a um dado grupo, a um gestor influente de palavras e de actos reconhecidos, etc.
Nesse contexto de fenómenos em rede, em permanente e inevitável empatia, analisar a Dama do Bling é, ao mesmo tempo, fatalmente, analisar a nossa sociedade.
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Algures neste blogue, escrito pelo Gerson em comentário (já nem sei onde, tantas são as entradas aqui e tão distraído e desorganiado sou), foi dito que era mais importante discutir a criminalidade do que a Dama do Bling. Esta a minha resposta.

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