Somos um país produtor de surpresas. Esta é uma delas: "O ministro da Educação e Cultura, Bonifácio Aires Ali, esclarece e reafirma que a meta de passagem nos estabelecimentos de ensino no nosso país é de 100 porcento. “Não há mínimo “ – sublinhou aquele governante, aludindo que o professor deve trabalhar para atingir aquele nível de aprovações. “Nenhum professor deve começar o ano lectivo a pensar que vai fazer passar, pelo menos, 50 porcento de alunos. Isso está errado. Porque qualquer pai, quando leva o seu filho à escola, quer que ele passe de classe” – acrescentou."
Enquanto isso, o Centro de Integridade Pública lançou no dia 18 uma campanha destinada a combater a corrupção nas escolas.
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Ó Patrício Langa, vc que está na Faculdade de Educação da UEM, o que pensa disto? Adenda às 15:50: Patrício já tem uma resposta no seu blogue.
Sonhadores, os sociólogos sempre procuraram duas coisas: as leis do social e a reforma das sociedades. Cá por mim busco bem pouco: tirar a casca dos fenómenos e tentar perceber a alma dos gomos sociais sem esquecer que o mais difícil é compreender a casca. Aqui encontrareis um pouco de tudo: sociologia (em especial uma sociologia de intervenção rápida), filosofia, dia-a-dia, profundidade, superficialidade, ironia, poesia, fragilidade, força, mito, desnudamento de mitos, emoção e razão.
15 comentários:
Estamos perante um dilema. É que esse sistema de ensino é comum em países de expressão inglesa, mas os alunos não escapam os exames do fim do ciclo, onde se chumba. Quer dizer, nas outras classes nem se faz exame. Penso que de algum modo o exame do final do ciclo faz a triagem entre os que assimilaram bem os conhecimentos transmitidos e os que fizeram sorna. O sistema é bom para esses países porque evita o congestão e as dores de cabeça para os planificadores. Sabe-se de antemão quantos alunos vão estar na classe inicial e subsequentes, com a excepção da última classe do ciclo.
Os professores não dão aulas para que os alunos passem 100%, mas sim para que saibam - talvez seja essa a distinção. Agora, seria interessante aprofundarmos melhor esta questão.
A forma como o ministro colocou a questão é altamente problemática, em minha modesta opinião. Um mundo de problemas pode e deve levantar-se a esse respeito. Mundo que salta, buliçoso, da minha pobre alma de professor desde 1974.Interessante, tb, é a caixa bem em destaque na primeira página do "Notícias". O parágrafo final do comentário do Bayano é oportuno. Aguardemos a intervenção do Patrício.
E,já agora, gostaria de ouvir muitas outras opiniões, especialmente de professores, por exemplo de Fátima Ribeiro.
O que gostaria de saber é se as afirmações do ministro aires ali de que o problema está no professor se os alunos chumbam é suportado por alguns dados empíricos ou é uma simples opinião. Infelizmente, o bom ministro não o diz
Professor, prometo para breve é um texto sobre o ensino bilingue, mas permita-me que aqui transcreva um belíssimo hino ao professor moçambicano, de Carlos dos Santos (in “A Pobreza na Infância em Moçambique: Uma Análise da Situação e das Tendências, Nações Unidas, UNICEF, Maputo, Moçambique, 2006, p. 169). Entretanto, rezemos para que todos sejam heróis. Magias, também acontecem.
Fátima Ribeiro
“Este é o verdadeiro mágico.
Só se pode considerar que um ser humano…
- Sem treino ou com treino escasso
- Com escasso apoio e orientação pedagógico-didáctica
- Que vive numa palhota, mal ventilada e escassamente iluminada;
- Sem loja por perto, com água a muitos quilómetros de distância;
- A cinco ou dez quilómetros da escola, que terá que percorrer a pé;
- Que recebe um salário que só dá para comprar alimentos para uma semana, quantas vezes com atraso;
- E que não chega sequer para comprar vestuário ou mobília;
- Duas vezes por dia (de manhã e à tarde)...
Consiga fazer com que uma criança…
- Que caminha entre cinco e dez quilómetros para chegar à escola;
- Depois de ter passado a noite a dormir sobre uma esteira esfarrapada;
- Dentro de uma palhota cheia de frestas e por onde o frio atravessa barulhento;
- Mal tendo comido;
- Depois de ter tido que cumprir diversos afazeres domésticos…
Aprenda a ler, a escrever e a contar…
- À sombra de uma árvore;
- Sentada no chão;
- Num grupo de 70 crianças;
- Sem giz nem meios didácticos;
- Sem livros e sem cadernos;
- Sem esferográficas nem lápis.
Será magia, para os esotéricos; milagre, para os religiosos. Heroísmo, para o povo e para cada criança que, deste nada, adquire conhecimentos e desenvolve habilidades.
Estes são os heróis anónimos de cada nação. Não são heróis de guerra. As únicas armas que possuem são um tremendo amor pelas crianças e uma tenaz vontade de contribuir para que o mundo vá sendo melhor. São os heróis da paz.
Carlos dos Santos”
Aqui fica, então, o texto!!! Obrigado, Fátima!
Há uma outra afirmação do ministro de que os estudantes moçambicanos quando saem e estudam fora brilham, e depois remata que nós somos muito críticos em relação ao nosso sistema de educação. interessante a forma como o ministro fala da capacidade intelectual dos moçambicanos fora de portas e tenta ligar isso ao sistema de educação nacional. tenho em mim que é preciso ver várias variáveis que podem influenciar esse mostrar de capacidades.
Se as coisas continuarem a caminhar neste ritmo, cá por mim, não iremos parar longe. De facto, é provável q (aparentemente) alcancemos os objectivos propostos mas será num nível bastante superficial. Num contexto de rigor científico, os alunos só passariam numa escala de 100% se o sistema de ensino fosse, igualmente, 100% bom. Qualquer moçambicano minimamente informado conhece os dilemas do nosso ensino.
Parece-me q o grande Calcanhar de Aquiles reside no facto do nosso Governo ter q atingir metas propostas por instituições/organizações q, mesmo nos concedendo avultadas somas de dinheiro pra investimentos de diversa ordem, não tem conhecimento real e sólido do nosso quotidiano.
Pessoalmente, sempre esperei me "livrar" das resmas de teorias sem conciliação com a prática q absorví no ensino secundário quando chegasse ao ensino superior (tão bonito quando encarado à distancia). No entanto, embora numa outra perspectiva, ainda não foi satisfeita a minha sede.
Num país em q um estudante do chamado Grupo C (Ciencias com Desenho) termina o nível médio sem nunca ter "visto" o comportamento dum átomo na prática...
Penso q não estamos a saber aproveitar as oportunidades q a globalização (tendo em conta a integração regional e a junção dos países em blocos potencialmente fortes) nos coloca à mesa da existencia. É provável q os nossos governantes queiram mostrar ao mundo uma realidade moçambicana q nos é estranha e distante.
Essa é a minha sincera opinião, sujeita a críticas e correcções de vária ordem, e não deve ser encarada como uma lei universal ou verdade absoluta.
Um abraço forte e muito obrigado por esta oportunidade de fazermos uso da nossa liberdade de expressão.
Sérgio Tivane
Eu creio que o Ministro tinha que dizer algo. E de uma forma idealista, ele disse que a meta era 100%, porque idealmente eh isso que se pretende. Honestamente, ano vejo problema nisso.Que vcs queriam que o Ministro fala-se? que nao, deveria ser uma meta de 75% atendendo e considerando o estado do nosso ensino? Com que bases? e porque eh ki os outros 25% teriam de reprovar? ou por outra iriamos considerar sucesso de se atigisse 76%, enquanto? Nao, a meta eh 100%..mas..
Por outro lado, creio tambem que o Ministro esta ciente que esta meta nao eh alcancavel. Por varias razoes que tem a ver com o aluno, o professor, o sistema..etc.etc..em que nada eh 100%. Dai que, nao creio que o que o Ministro disse seja ordem, mas sim aquilo que deve ser ambicao do docente...TRABALHAR PARA QUE 100% PASSE.
Sera que o docente nao trabalha para 100%? Isto sim, carece debate. Porque fala-se hj em professores turbos, falava-se no passado em professores (srs. drs no verdadeiro sentido) que prometiam reprovacoes dentro da UEM. Claro nem todos. eh injustificavel que numa turma sejam mais de 70% incapazes.Algo estara muitissimo errado.
SP
Prossigamos o debate.
O que eu gostaria mesmo era de conhecer as metodologias inovadoras que o MEC tem em vista para, nas nossas condições, se aplicar o que, segundo o jornal, declarou o ministro: "Até porque as avaliações são rigorosas e têm que ser feitas semanalmente e deve-se comunicar aos encarregados de educação. Por isso, temos reuniões regulares para fazer isso."
Fátima Ribeiro
Problema importante esse, Fátima. Mas há bem mais outros, claro.
Professor, tenho dificuldade em intervir porque fiquei ainda mais confusa quanto ao que se pretende fazer nas classes intermédias. “Ninguém passa de classe sem dominar os conceitos”; “O aluno sempre é avaliado e passa de classe, mas pode não passar”. O que é que isto quer dizer? Afinal, passa ou não passa? O Ministro não me esclareceu.
Quanto à grande questão das passagens automáticas, uma vez mais estamos a seguir, levianamente, políticas que até me parecem já estar a ser ultrapassadas em alguns países. Os grandes desequilíbrios que se vão verificar entre os níveis de conhecimento dos alunos em turmas enormes, com professores muitíssimo mal preparados, sem meios didácticos e materiais de aprendizagem, etc., etc., vêm tornar o panorama ainda mais complexo e fazer acelerar a nossa caminhada para o caos a que já tantas vezes me referi. O resultado ver-se-á depois, a curto prazo, na pressão sobre o MEC, e, a longo prazo, infelizmente, na nossa força de trabalho.
“O professor tem que estar preparado e assegurar que aqueles 100 alunos que ele tem na turma passem todos. Essa é que é a situação normal”, “O professor deve sempre, numa turma, procurar saber qual é o aluno que tem problemas de audição, visual, logo no início das aulas, e encontrar soluções para que ele possa acompanhar as aulas perfeitamente como os outros.” Coitados dos professores, para quem se está a transferir praticamente toda a responsabilidade do aproveitamento dos alunos!
Quer-me parecer que o MEC está a determinar políticas para escolas de Moçambique pensando que está da Suécia, ou então para as escolas estrangeiras de Maputo!
Fátima Ribeiro
Sinto preocupações similares às suas, Fátima. Seja como for e na minha modesta opinião, certamente errada, jamais podemos programar "fordianamente" a produção de alunos tal como programamos a produção de carros ou de pães, especialmente na situação de penúria variada,a vários níveis, no nosso sistena de educação.
Excelente a sua comparação, Professor. Em minha opinião é isso mesmo que se está conscientemente a fazer e, tanto na produção de professores como na de alunos, sem qualquer mínimo de qualidade. Da quantidade virá a qualidade, diz-se. A ver vamos.
Atenção:
No texto de Carlos dos Santos transcrito num comentário acima, onde se lê "Só se pode considerar que um ser humano…" deve ler-se "Só se pode considerar magia que um ser humano..."
Fátima Ribeiro
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