07 março 2007

Por que dançamos e cantamos quando estamos revoltados?

O leitor Beúla, estudante de jornalismo, escreveu num comentário o que se segue e que decidi colocar em maior relevo aqui. Talvez possa ser possível construir respostas de forma colectiva:

"Esta mensagem vem a propósito da postagem sobre Fajardo. Escrevi ontem e esperava uma reacção. Achei melhor transplantá-la para aqui.
Na periferia da cidade de Maputo, logo de manhã: Aaaaa magumba haaa leeeeno... Aaaaa magumba haaaa leeeeno... (vozes femininas); Sooo clin (sabão em pó de marca So Klin), caldo ni mafôfô haleeeeno... (vozes masculinas).
Assim vai o quotidiano maputense, no periférico Maputo, dias de incertezas, não de fenómeno natural, tipo cheias ou Fávio, mas de algo a ingerir, incertezas alimentícias. Empreendedorismo? Desemprego?
Já agora professor: os trabalhadores da empresa de segurança Wheckenut, estão todos os dias em frente das instalações da empresa a tocar tambores, a cantar, a gritar, a vociferar impropérios contra a pessoa do director da empresa, a sujar o muro de vedação, a pintá-lo com frases próprias de litígio e, hoje, colocaram uma fotografia ou imagem do americano Martin Luther King, rodeada de frases que inspiram simpatia e confiança naquela figura.
Professor, um mês as pessoas a pagarem "chapa", levar comida de casa, mudar de roupa, engraxar sapatos, pentear, engomar aos fins-de-semana, despedir-se da família para manifestar, reclamar, fazer greve. Não consigo perceber por que as pessoas estão mais motivadas (cada dia que passo do local parece o primeiro dia da greve, todos motivados a cantar e a tocar) a fazer greve, a reivindicar indemnização ao invés de procurarem um outro emprego ou procurar criá-lo. Terá isso uma explicação sociológica? Será isso uma síndrome de indemnização? Por que as pessoas insistem em ficar ali? Que esperanças têm? Não consigo perceber nada. Estão todos os dias com tambores a cantar, até dá para pensar naquela frase de Senghor: Je dance. Donc je suis! Será a manifestação da emoção? Mas doutor, por que é que as pessoas dançam quando estão aparentemente revoltadas? Ou, em que contexto social, emocional, ou seja lá o que for, nós dançamos? São perguntas confusas de quem vê uma manifestação de caos naquilo tudo. No último lançamento lançamento das suas obras, das muitas e importantes coisas que Rafael Conceição disse uma ficou gravada na minha cabeça: "A real sociologia é aquela que se interessa por coisas modestas".

6 comentários:

Carlos Serra disse...

Coloca questões fundamentais que remetem para várias áreas do conhecimento humano, Beúla. na verdade, parece ser contraditório estar sem emprego ou ter sido despedido (a) e dançar e cantar. Mas creio que não é contraditório. As formas de protesto são múltiplas, aqui ou em qualquer parte do mundo. Formam-se solidariedades súbitas, muitas vezes persistentes, que se solidificam com formas e fórmulas de unidade, protesto, vida, canto, dança, catarse, reencanto, crença e futuro.Deixe-me enunciar um truísmo: nunca o contraditório é contraditório na vida. O que muitas vezes nos falta é a uma capacidade permanente de interrogar o que aparece como contraditório mas que é, afinal, apenas, uma forma humana de ser e de se manifestar, entre muitas outras possíveis. Procurar auto-emprego? Pode ser, podia ser. Mas por que não deviam os trabalhadores protestar contra o desemprego e tentarem regressar a quadros de vida que foram seus durante algum ou muito tempo, quadros de vida pelos quais nutriram o futuro e esqueceram momentaneamente o desenraca do dia-a-dia que o Beúla mostra logo ao princípio do que escreveu? E cantando e dançando, assim manifestando a vida, as pessoas erguem cartazes e símbolos, cartazes e símbolos são a vida, o protesto e a esperança em movimento, em acto. mas dialoguemos.

Avid disse...

Talvez isso aconteca simplesmente porque a dança liberta... fúria. Na dança libertamos a agressividade em movimentos que ajudam a coordenar sentimentos de frustração, revolta e desamor que a vida nos confronta na pobreza. A realidade se dissolve no cansar da voz e/ou do corpo. Os limites da ausencia de bem estar financeiro, educacional, afectivo, somem a cada minuto que o canto e a dança tomam conta do corpo (e da alma).
Talvez porque simplesmente o canto e a dança funcionem como anestesia e porporcionem não simplesmente um relaxamento mental mas sim uma amnésia temporaria aos problemas do dia-a-dia.
Bjs meus

Carlos Serra disse...

Excelente, verdadeiramente excelente o seu comentário, diva.

Carlos Serra disse...

Canções, dísticos,"gafritti", títulos, nomes de tendas, "cartoons", etc., eis todo um mundo ainda por explorar nas ciências sociais em Moçambique. Beúla, por favor entre em contacto comigo no CEA!!!!!

La Strega disse...

Eu tenho em crer que os cartoons sao das formas mais informativas (e muitas vezes divertidas) de difundir assuntos importantes. Nao vivo sem eles... e embora goste do Nhoca Jr. tenho pena que o Chico tenha desapareceido... mas na verdade e efeito de mudancas da nossa sociedade. Hoje o Chico ja nao esta errado. Hoje ele e parte do que faz uma sociedade crescer. Por isso o Nhoca Jr. e como e, e sobrevive bem. Mas quanta gente sabe de onde vem o Nhoca Jr.?

Concordo, professor falta mais leitura do quotidiano em todas as suas manifestacoes, especialmente as mais floridas. Eu escuto a musica, leio os cartoons e oico as anedotas.

A proposito, ja lhes falei dos Boodocks, os meus cartoons americanos favoritos, sugiro-lhe o site do Daryl Cagle, um grande cartoonista americano. http://cagle.msnbc.com/

Tudo que importa saber sobre a america (e algumas coisas do mundo) estao ai retratados. Antes do escandalo da Enron se tornar internacionalmente publico este site ja tinha cartoons.

De forma alguma os cartoons sao a informacao completa. Mas sao um grande chamariz para maiores perguntas e pesquisa mais aprofundada. Tal e qual as questoes do Beula. Nao entende, entao tem vontade de pesquisar.

Este mundo e um poco de informacao a espera de ser explorado.

Carlos Serra disse...

Obriga, la strega, passarei a consultar o site regularmente!